segunda-feira, 14 de outubro de 2019

“Por Que Resisti à Prisão” – Carlos Marighella


“Por Que Resisti à Prisão” – Carlos Marighella



Resenha Livro - “Por que resisti à Prisão” – Carlos Marighella – Editora Brasiliense

“Por Que Resisti à Prisão” é um relato de Carlos Marighella sobre sua detenção dentro do Cinema no bairro da Tijuca no Rio de Janeiro em 9.5.1964, ou seja, pouco mais de um mês após o golpe militar de 1º de Abril.

Àquele momento, Marighella já era um militante comunista com alguma experiência ante à repressão. Sua primeira prisão foi no ano 1932, quando estudante de Engenharia em Salvador, aos 20 anos de idade, como forma de represália a texto crítico dirigido ao interventor Juracy Magalhães. Sua segunda prisão ocorreria no 1º de Maio de 1936 como reação do regime à insurreição da Aliança Nacional Libertadora e do Partido Comunista Brasileiro de 1935 – evento que passaria à história com a pejorativa nomenclatura de “a intentona comunista”. Permanece um ano na prisão, onde é torturado pela Polícia Especial de Felinto Muller. Uma nova prisão política manteria Marighella na cadeia entre os anos de 1939-45, quando o dirigente do PCB se dedicou ao trabalho de educação política junto aos presos.

Quando da sua prisão no ano de 1964, Marighella já estava numa situação de clandestinidade, pelo menos desde o governo Dutra. Foi deputado constituinte da Bahia no PCB no ano de 1946, mas teve o seu mandato cassado um ano depois. O mesmo destino tem o PCB, posto na ilegalidade, sob o argumento de se tratar de uma organização dirigida desde Moscou. A prisão no cinema Eskye-Tijuca é relatada de forma minuciosa, ora em tom pitoresco, ora denunciando politicamente o evento. Consta que Marighella vinha sendo perseguido na rua e adentrou no cinema, onde havia um grande número de crianças assistindo um filme de Safari. Os policiais determinaram que as luzes fossem acessas, cercaram o dirigente comunista em cerca de 10 (dez) “tiras”, e desferiram um tiro a queima-roupa que acertou e varou o peito de Marighella, com a bala encravando-se no braço. Quando da prisão, e mesmo após o tiro, Marighella resistiu fisicamente, desferindo golpes de capoeira nos policiais e gritando palavras de ordem: “Abaixo a ditadura militar fascista! Viva a democracia! Viva o Partido Comunista”. A saber:

“Os covardes não podiam compreender. Por que tanta e tão encarniçada resistência de um homem desarmado e ferido? Por que não se avantajavam fisicamente? Ouvia-os desesperados a dar ordens uns aos outros. Que me espancassem nas partes mais delicadas do corpo. Que acabassem logo com aquilo. Temiam o povo em redor, que protestava. Enquanto pude, empreguei a força de ombros, braços e pernas e agilidade dos golpes de capoeira. Mas minha força vinha mesmo da convicção política, da certeza de que tudo isso é ditadura e de que a liberdade não se defende senão resistindo”.

Enquanto os primeiros capítulos são destinados a relatar a prisão,  as mentiras de que serviu a ditadura para justificar o atentado e as repercussões do caso, os capítulos finais ganham maior interesse já que são destinados a refletir sobre o problema da ditadura do ponto de vista do movimento de massas, da aliança contra a ditadura e da posição dos comunistas. Nestes capítulos já se prenunciam as autocríticas da esquerda ante a derrota da abrilada de 1964.
Em primeiro lugar, Marighella chama atenção para a confiança e passividade da esquerda ante a liderança da burguesia nacional no contexto da polarização política anterior ao golpe.

“A nenhuma resistência organizada ao golpe de 1º de Abril, exceto a greve geral, foi o resultado mais sensível do erro tático de confiar na capacidade de direção da burguesia sem o apelo à organização de massas e à ação e vigilâncias independentes.

A ausência dessas condições levava a liderança a um salto no abismo, pois não lhe facultava uma base de sustentação para o avanço do movimento de massas e não lhe assegurava a retaguarda indispensável para a resistência ante a reação.

A política de conciliação da burguesia chocava-se com as exigências do movimento de massas. À medida, porém, que a burguesia via desmascarada sua política de conciliação, defrontava-se, como sempre, com a alternativa de avançar com as massas ou ser esmagada pelas forças de direita”.

Como é cediço, a política adotada pela liderança burguesa foi a total capitulação ao golpe, sem qualquer reação violenta. A tarefa da vanguarda marxista, neste caso, seria a de alertar o movimento de massas quanto à capitulação sem resistência ante a direita pelo governo deposto, preparando o povo para enfrentar com luta os acontecimentos previstos.

Se por um lado as esquerdas não renunciam a aliança com a burguesia nacional e a pequeno burguesia diante da extrema direita e do fascismo, tal alinhamento não deve significar, como significou, ficar à mercê da política vacilante da burguesia nacional, subordinar o movimento de massas àquela liderança burguesa, representada por Goulart.

Outro problema, de certa forma relacionado, foi o da confiança excessiva no dispositivo militar do governo derrubado, que pretensamente reagiria à atividade golpista no interior das forças armadas. A verdade é que o golpe militar atingiu a esquerda e o movimento de massas com perplexidade diante das ilusões no aparato ou dispositivo militar que, por uma situação pontual da correlação de forças, havia derrotado o perigo de golpe no ano de 1955, com a intervenção de Marechal Lott.

Outras razões suscitadas por Marighella para a derrota do movimento popular em 1964 foi a negligencia do trabalho de base em benefício da política de cúpula e a falta de atenção quanto à mobilização dos trabalhadores do campo. De certa forma, estas críticas já são um prenuncio do posterior rompimento de Marighella com o PCB e a criação da ALN, propugnando a luta armada direta contra a ditadura. São em escritos posteriores, em especial no Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano, em que se verifica um verdadeiro rompimento em Marighella com a teoria do partido de vanguarda (marxismo-leninismo).

Com certeza, o profundo impacto da Revolução Cubana vitoriosa de 1959 sobre a esquerda mundial e latino-americana em particular levou o comunista baiano à tática da guerrilha e do foquismo como meio de luta no contexto da ditadura militar – como se sabe o PCB colocou-se contra a luta armada, em oposição a Marighella.

Em 1969, apontado como inimigo número um da ditadura militar, Carlos Marighella foi morto numa emboscada da polícia, na noite de 4 de novembro, em São Paulo. O fascismo policial militar que tão bem Marighella denuncia neste livro permanece vivo, com um governo golpista tão subserviente ao imperialismo norte americano, como os gorilas de 1964.

Como bem detectado por Jorge Amado, Marighella, baiano, filho de operário italiano e mãe descendente de escravos, representa um arquétipo definitivo de herói peculiarmente brasileiro, sem qualquer pretensão de inefabilidade, mas amoroso, poeta e amante da liberdade. Disposto a tombar, como de fato tombou, por um mundo mais justo, igual e livre. 

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

“Os Princípios Fundamentais do Marxismo” – G. V. Plekhanov


“Os Princípios Fundamentais do Marxismo” – G. V. Plekhanov 




Resenha Livro - “Os Princípios Fundamentais do Marxismo” – G. V. Plekhanov – Biblioteca Marxista Virtual do Partido da Causa Operária. Transcrição de Fernando A. S. Araújo – Janeiro de 2006

Georgi Valentinovitch Plekhanov foi um dos fundadores da social democracia russa e um dos primeiros introdutores do marxismo naquele país, ainda em fins do século XIX. “A Concepção Materialista da História” e “O Papel do Indivíduo na História” são trabalhos já conhecidos pelo público brasileiro, incluindo uma publicação do autor pela Editora Expressão Popular, ligada ao MST.

Junto a L. Axelrod e Vera Zassulich, Plekhanov fundou o grupo Emancipação do Trabalho no ano de 1883, a primeira organização social-democrata russa. O grupo promoveu um trabalho de tradução para o russo de obras de Marx e Engels e sua disseminação ilegal naquele país.

Como se sabe, Plekhanov teve papel importante na primeira disseminação das teses marxistas quando do surgimento do movimento social democrata russo, em oposição aos populistas (narodnikis) e terroristas. Posteriormente, o ativista  passaria a posições anti-leninistas e contrarrevolucionárias. Plekhanov, como de resto a maior parte da social-democracia europeia da II Internacional, capitulou aos interesses da burguesia imperialista, apoiando, no caso do russo, a Entente na 1ª Guerra Mundial. Quando da vitória da revolução de Outubro, posicionou-se Plekhanov contra os bolcheviques.

Em todo o caso, os escritos filosóficos de Plekhanov possibilitam ao leitor entrar em contato com as diferentes correntes de ideias filosóficas e científicas em meio as quais o marxismo surge como a mais recente descoberta da filosofia materialista.

“Princípios Fundamentais do Marxismo” busca fazer uma exposição do materialismo histórico e dialético, bem como os debates envolvendo o marxismo e outras correntes filosóficas.  

“O marxismo é toda uma concepção do mundo. Em poucas palavras, é o materialismo contemporâneo que representa o mais alto grau daquela concepção de mundo, cujas bases foram lançadas, na velha Hélade, por Demócrito”. Em outros termos, Plekhanov chama atenção para o que há de novo e de velho na formulação de Marx – o materialismo, assim entendido como a primazia da realidade objetiva sobre a ideia, a relação de unidade e determinações recíprocas entre o ser e o pensar, tal corrente filosófica já encontra espaço desde a Grécia antiga, mas é elevada em Marx a um patamar até então não visto. Marx dá uma forma consequente ao materialismo de Feuerbach, apropriando-se da teoria dialética de Hegel, estabelecendo não só um conhecer, mas um agir sobre o mundo.

Neste sentido, é comum se escutar que a formulação filosófica predecessora de Marx vem de Hegel e  de sua dialética. Plekhanov, talvez de maneira sintomática, não começa sua exposição pela dialética, mas pelo materialismo de Marx, chamando atenção para o humanismo de Feuerbach como o imediato predecessor do velho mouro.

Na formulação de Feuerbach, o ser é o real, de modo que o pensamento é um atributo. Em oposição ao idealismo filosófico, disserta Feuerbach que “a doutrina de Hegel, segundo a qual a natureza é criada pela ideia representa a tradução, em linguagem filosófica, da doutrina teológica segundo a qual, a natureza é criada por Deus, a realidade, a matéria, por um ser abstrato, imaterial”.

Do ponto de vista do Idealismo, representado nas críticas de Plekhanov e dos materialistas por Hegel e Kant, o problema da unidade entre o ser e o pensar, a ação e a ideia na verdade se resolve em benefício da ideia ou do pensamento, em detrimento absoluto da realidade, que não teria existência de forma independente da consciência humana. Para o materialismo, por outro lado, pensar e ser se enlaçam numa unidade de modo que o pensar não é a causa do ser, mas sua consequência. Voltando a Marx, sabe-se que o mesmo começou a sua obra de interpretação materialista da história pela crítica da filosofia hegeliana do direito, só podendo assim proceder “porque a crítica especulativa de Hegel já fora feita por Feuerbach”.

Dentro da perspectiva materialista enunciada por Marx, o homem conhece o objeto agindo sobre ele. Agindo sobre a natureza o homem transforma ao mesmo tempo sua própria natureza, desde onde se verifica a teoria da unidade entre o sujeito e o objeto  conforme o materialismo de Marx (e Feuerbach). A consciência neste caso não diz respeito à manifestação da razão ou da ideia como prediz a filosofia idealista, mas é um reflexo interior da atividade cerebral – mesmo o pensamento não é algo independente da existência corporal do indivíduo pensante.

Não é o pensar que determina o ser, mas o ser que determina o pensar. Esta formulação bastante conhecida de Marx será, no ensaio de Plekhanov desenvolvida posteriormente, a partir dos últimos capítulos do artigo, quanto ao problema da história e de sua filosofia. Diz Marx em sua “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” que “as relações jurídicas, assim como as formas de Estado, não podem ser explicadas nem por si mesmas nem pela chamada evolução geral do espírito humano; que elas têm suas raízes nas condições materiais de existência, cujo conjunto foi denominado sociedade civil por Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século XVIII; que a anatomia da sociedade civil deve ser buscada em sua economia”.

Em cada etapa do desenvolvimento histórico os homens contraem determinadas relações sociais derivadas do estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Sob a base destas relações sociais de produção ergue-se todo um conjunto de ideias e instituições que por sua vez influenciam o curso do desenvolvimento histórico, ainda que condicionada em última instância ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Plekhanov ao analisar o problema da filosofia da história se serve de exemplos dos então mais recentes estudos etnográficos de tribos indígenas na África e América: nas sociedades primitivas ficam mais nítidas as imbricações entre os estágios do desenvolvimento econômico, social e artístico. Consta que povos caçadores façam a remissão do objeto das suas caças em seus rituais, em suas danças e em suas pinturas. A luta pela sobrevivência condiciona as manifestações artísticas daquelas tribos primitivas. Sociedades mais complexas como a francesa do século XIX produziram o romantismo burguês, retratando a visão social de mundo de uma classe já então ociosa, sem muitas remissões ao trabalho – ainda assim, a determinante é econômica, são as relações sociais associadas ao dado desenvolvimento das forças produtivas que determinam o modo de produção capitalista dentro do qual a burguesia vai exercendo um papel ascendente.

Não foram poucos os críticos que “discordaram” de Marx ao assinalar que sua análise incorria no determinismo econômico. Vamos encerrar esta resenha com uma passagem em que Plekhanov desmonta estas “críticas”:

“Tudo o que foi dito até hoje pelos “críticos” de Marx sobre o suposto caráter unilateral do marxismo e sobre o seu pretenso desprezo por todos os “fatores” da evolução social, exceto o fator econômico, resulta simplesmente da incompreensão do papel que Marx e Engels reservam à ação e reação recíprocas entre a “base” e a “superestrutura”. Para persuadir-se do quão pouco Marx e Engels pretendiam ignorar, por exemplo, a importância do fator político, é suficiente ler as páginas do “Manifesto Comunista”, onde é abordado o movimento de emancipação da burguesia. Está dito: “classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada se auto-governando comuna, aqui livre república municipal, lá terceiro estado tributário da monarquia, depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da nobreza das monarquias limitadas ou absolutas, pedra angular das grandes monarquias, a burguesia, após o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou finalmente o poder político exclusivo no Estado representativo moderno. O governo moderno nada mais é que um comitê administrativo dos negócios comuns da classe burguesa”.    

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Joseph Stálin e a Herança Leninista


Joseph Stálin e a Herança Leninista



Resenha – Joseph Stálin – Textos Diversos – Marxists.org

Quando assumiu a direção do partido comunista soviético no ano de 1926 Joseph Stálin já era uma liderança bastante conhecida perante o movimento social daquele país. Identificava-se com a velha guarda bolchevique. É importante assinalar desde o começo que Stálin já possuía uma vasta experiência militante e partidária desde os primeiros anos do séc. XX, passando por diversas prisões e exílios, num total de 10 anos de sua vida.

Joseph Vissarionovich Djugashvili nasceu na cidade de Gori, região da Geórgia, no ano de 1879. A Geórgia é hoje um país na interseção da Europa com a Ásia, com aldeias na cordilheira do Cáucaso e praias no Mar Negro. Ao tempo de Stálin, a Geórgia condensava em si diferentes culturas e nacionalidades: lá havia georgianos, armênios, kurdos, turcos, judeus e maometanos. No Cáucaso dos tzares, um punhado de uma nobreza georgiana vivia sob as custas das outras classes sob a proteção do Tzar. Como é cediço, Stálin viria a exercer papel importante na condição de comissário das nacionalidades e certamente este passado remoto deve ter pesado nos seus aportes sobre o tema.

Falamos que Stálin ao tempo da revolução russa era relacionado com a velha guarda bolchevique. Entrou no ano de 1903 no partido bolchevique passando no ano de 1912 a integrar a redação do jornal Pravda e o comitê central do partido. Posteriormente, nas lutas contra os revisionistas e Trótsky, como também é cediço, desenhou-se uma aparente e suposta luta no interior do partido entre os jovens e uma velha guarda de militantes que teriam perdido o espírito revolucionário e sucumbido à burocracia. Esta era a forma que os setores oportunistas buscavam retratar uma luta que envolvia outra questão fundamental: o problema do partido e sua função no contexto da ditadura do proletariado.

Combate ao antileninismo

A oposição que exsurgiu no meio da acirrado luta de classes que perpassa os anos da revolução apontou caminhos que certamente teriam levado a URSS a uma vida tão curta como a Comuna de Paris. É comum até hoje escutar-se certa falsificação da história segundo a qual Trótsky seria partidário do internacionalismo proletário através de sua teoria da revolução permanente[1]. Na verdade, Trótsky participou da revolução de outubro – e mesmo Stálin o reconhece - como dirigente da insurreição militar de São Petersburgo, lutando bem. Mas, do ponto de vista político, Trótsky atuava com reservas, desde que negava então a possibilidade de edificação do socialismo na Rússia. Com isso, negava a vigência da Ditadura do Proletariado e a aliança operário camponesa. Apenas uma revolução na Europa Ocidental poderia pavimentar a consolidação da vitória na Rússia, de acordo com este ponto de vista.

Ainda de acordo com a falsificação da história, Stálin seria uma espécie de nacionalista grão-russo ao defender o socialismo num só país.

Em primeiro lugar, não foi Stálin, mas Lênin quem formulou a tese do socialismo num só país. Veja-se o que Lênin escreve no artigo “o programa de guerra da revolução proletária” em setembro de 1917:

“O socialismo num só país não exclui de modo nenhum a possibilidade da guerra em geral. Pelo contrário, pressupõe-na. O desenvolvimento do capitalismo processa-se de uma forma muito desigual nos diversos países. Não pode ocorrer outra coisa com a produção mercantil. Daí a conclusão irrefutável: o socialismo não pode vencer ao mesmo tempo em todos os países. Vencerá primeiro num ou em vários países, mas os outros permanecerão ainda durante um certo tempo países burgueses ou pré-burgueses. Isso não deixará de provocar não só fricções, como também esforços diretos da burguesia dos outros países para esmagar o proletariado vitorioso do Estado Socialista”.

Lênin demonstra como a dinâmica do capitalismo processa-se de forma desigual nas diferentes nações, implicando em relações de força variáveis, implicando inevitavelmente na vitória da revolução num só país ou num grupo de países. Não se trata, aqui, apenas da consolidação de uma trincheira, mas de um ponto de partida da revolução mundial, de modo que consolidar a existência da URSS, quebrando o imperialismo dentro de um de  seus elos mais frágeis possibilitava (como efetivamente possibilitou) o desenvolvimento da revolução nas outras nações. A maior propaganda para a revolução nos demais países não advém do papel mas dos fatos, das diversas vitórias acumuladas pela URSS na edificação do socialismo naquele país.

É importante assinalar que as reservas quanto à possibilidade de vitória na Rússia soviética era uma posição compartilhada pelos mencheviques que, após outubro, assumiriam um posicionamento abertamente contra-revolucionário. Diante da impossibilidade de se avançar no sentido do socialismo, o proletariado no poder deveria retroceder, no sentido da restauração do regime burguês. Não é casual que Trótsky, que adveio do menchevismo e só aderiu ao movimento bolchevique no ano da revolução, tenha compartilhado com estas teses derrotistas. De outro giro, como esperar que um povo inteiro de centenas de milhões de habitantes, esmagado pelos horrores da 1ª Guerra Mundial, sendo obrigado a reconstruir seu exército a partir do zero, bem como devendo mobilizar um enorme esforço material para a reconstrução da indústria e da agricultura sob novas bases, como seria possível levar adiante estes objetivos tão amplos através de uma ideologia derrotista? Como mobilizar milhões de trabalhadores e camponeses para edificação do socialismo condicionando o seu êxito a novas revoluções de outubro nos países do ocidente?

Stálin coloca que a essência do trotskysmo é assim a negação da possibilidade da edificação do socialismo na Rússia. A negação por conseguinte da necessidade de uma disciplina férrea do partido ao reconhecer a liberdade de grupos e frações. A unidade do partido para assegurar o sucesso na luta contra os inimigos de classe é objeto de ataques da oposição que, nos anos de 1930, adotam medidas de sabotagem e militância clandestina em face do estado soviético.

A concepção leninista de partido foi igualmente combatida pela oposição que, ainda nos anos de 1926-1927, com o país egresso de uma guerra civil particularmente cruenta, com a intervenção imperialista de nada menos do que 14 nações estrangeiras, diante de todos estes elementos, propunha gradualmente uma luta aberta contra a direção do partido russo. Esta política é inteiramente contrária aos princípios de Lênin que assegura a crítica e a autocrítica partidária mantendo-se a unidade de ação ante os inimigos de classe. Não são os Soviets, nem agrupamentos decentralizados amorfos, mas o partido proletário de vanguarda a forma de organização superior da classe operário, o instrumento destinado a dirigir os trabalhadores no sentido do socialismo. Ainda assim, tal política divisionista da oposição foi levada até o ponto de partidários de Trótsky realizarem manifestação pública contra o partido soviético no ano de 1927, em Moscou e São Petersburgo. Consta que os próprios militantes de base que participavam da marcha se insurgiram contra aquela manifestação obrigando os revisionistas ao recuo.

Dentre os textos de Stálin, sobressaem igualmente as manifestações relacionadas ao problema nacional, questões de linguística, o problema do materialismo histórico e dialético, além de análises sobre o problema da China e Iuguslávia. No caso dos problemas que surgem a partir de 1922-1926, trata-se frequentemente do ponto de vista compartilhado pela direção soviética. O que há em comum nestes textos é a forma simples com que se expressam conceitos e ideias, conforme o perfil do autor, filho de camponeses, estudante de seminário de Tiflis e já aos 18 anos militante clandestino na Geórgia. Desde que voltado sempre ao exame de questões práticas, Joseph Stálin temperou-se menos nos livros e mais nas lutas sociais.

Balanços

O balanço da experiência soviética no período de Stálin (1922/6 – 1953) é inequivocamente positivo. Em 1926 a URSS estava ameaçada de um desastre econômico. Foi nos anos subsequentes que o país reabilitou as finanças governamentais, organizou a exploração de matérias primas, a indústria, o trabalho no campo e na cidade. As fileiras do partido foram cerradas com os melhores quadros, depurando-se os elementos restauracionistas burgueses. É certo que as denominadas purgas stalinistas garantiram que a União Soviética, na II Guerra Mundial, fosse o país com mais baixo número de colaboracionistas dos nazis, possibilitando o triunfo militar do exército vermelho.

“É difícil negar a evidência, e a evidência é que o Poder Soviético está firme como uma rocha. Em primeiro lugar, o homem do povo, por mais ingênuo que seja em política, não pôde deixar de perceber que o Poder Soviético talvez esteja mais firme do que qualquer governo burguês, porque durante os sete anos de ditadura do proletariado os governos burgueses sobem e caem, enquanto o Poder Soviético permanece. Ademais, o mesmo homem do povo não pôde deixar de perceber que a economia do nosso país progride, mesmo que só leve em conta que as nossas exportações vão crescendo passo a passo. Será ainda necessário demonstrar que estas circunstâncias falam a favor da União Soviética, e não contra ela? Acusam-nos de desenvolver na Europa Ocidental a propaganda contra o capitalismo. Devo dizer que essa propaganda não nos é necessária, que essa propaganda não nos faz falta. A própria existência do Poder Soviético, o seu desenvolvimento, os seus progressos materiais, o seu indubitável fortalecimento constituem a propaganda mais eficiente entre os operários europeus em favor do Poder Soviético. Qualquer operário que tenha vindo ao país soviético e observado a nossa ordem de coisas proletária, terá podido ver o que representa o Poder Soviético e do que é capaz a classe operária, quando se encontra no poder. É justamente esta a verdadeira propaganda, uma propaganda de fatos, que tem eficiência muito maior entre os operários do que a propaganda verbal e dos jornais”.   Stálin. Balanço do XIII Congresso do PC(b) da Rússia - 1924


[1] Anote-se que a teoria da revolução permanente é uma formulação de Marx distinta da formulação de Trótsky.