segunda-feira, 7 de outubro de 2019

“Os Princípios Fundamentais do Marxismo” – G. V. Plekhanov


“Os Princípios Fundamentais do Marxismo” – G. V. Plekhanov 




Resenha Livro - “Os Princípios Fundamentais do Marxismo” – G. V. Plekhanov – Biblioteca Marxista Virtual do Partido da Causa Operária. Transcrição de Fernando A. S. Araújo – Janeiro de 2006

Georgi Valentinovitch Plekhanov foi um dos fundadores da social democracia russa e um dos primeiros introdutores do marxismo naquele país, ainda em fins do século XIX. “A Concepção Materialista da História” e “O Papel do Indivíduo na História” são trabalhos já conhecidos pelo público brasileiro, incluindo uma publicação do autor pela Editora Expressão Popular, ligada ao MST.

Junto a L. Axelrod e Vera Zassulich, Plekhanov fundou o grupo Emancipação do Trabalho no ano de 1883, a primeira organização social-democrata russa. O grupo promoveu um trabalho de tradução para o russo de obras de Marx e Engels e sua disseminação ilegal naquele país.

Como se sabe, Plekhanov teve papel importante na primeira disseminação das teses marxistas quando do surgimento do movimento social democrata russo, em oposição aos populistas (narodnikis) e terroristas. Posteriormente, o ativista  passaria a posições anti-leninistas e contrarrevolucionárias. Plekhanov, como de resto a maior parte da social-democracia europeia da II Internacional, capitulou aos interesses da burguesia imperialista, apoiando, no caso do russo, a Entente na 1ª Guerra Mundial. Quando da vitória da revolução de Outubro, posicionou-se Plekhanov contra os bolcheviques.

Em todo o caso, os escritos filosóficos de Plekhanov possibilitam ao leitor entrar em contato com as diferentes correntes de ideias filosóficas e científicas em meio as quais o marxismo surge como a mais recente descoberta da filosofia materialista.

“Princípios Fundamentais do Marxismo” busca fazer uma exposição do materialismo histórico e dialético, bem como os debates envolvendo o marxismo e outras correntes filosóficas.  

“O marxismo é toda uma concepção do mundo. Em poucas palavras, é o materialismo contemporâneo que representa o mais alto grau daquela concepção de mundo, cujas bases foram lançadas, na velha Hélade, por Demócrito”. Em outros termos, Plekhanov chama atenção para o que há de novo e de velho na formulação de Marx – o materialismo, assim entendido como a primazia da realidade objetiva sobre a ideia, a relação de unidade e determinações recíprocas entre o ser e o pensar, tal corrente filosófica já encontra espaço desde a Grécia antiga, mas é elevada em Marx a um patamar até então não visto. Marx dá uma forma consequente ao materialismo de Feuerbach, apropriando-se da teoria dialética de Hegel, estabelecendo não só um conhecer, mas um agir sobre o mundo.

Neste sentido, é comum se escutar que a formulação filosófica predecessora de Marx vem de Hegel e  de sua dialética. Plekhanov, talvez de maneira sintomática, não começa sua exposição pela dialética, mas pelo materialismo de Marx, chamando atenção para o humanismo de Feuerbach como o imediato predecessor do velho mouro.

Na formulação de Feuerbach, o ser é o real, de modo que o pensamento é um atributo. Em oposição ao idealismo filosófico, disserta Feuerbach que “a doutrina de Hegel, segundo a qual a natureza é criada pela ideia representa a tradução, em linguagem filosófica, da doutrina teológica segundo a qual, a natureza é criada por Deus, a realidade, a matéria, por um ser abstrato, imaterial”.

Do ponto de vista do Idealismo, representado nas críticas de Plekhanov e dos materialistas por Hegel e Kant, o problema da unidade entre o ser e o pensar, a ação e a ideia na verdade se resolve em benefício da ideia ou do pensamento, em detrimento absoluto da realidade, que não teria existência de forma independente da consciência humana. Para o materialismo, por outro lado, pensar e ser se enlaçam numa unidade de modo que o pensar não é a causa do ser, mas sua consequência. Voltando a Marx, sabe-se que o mesmo começou a sua obra de interpretação materialista da história pela crítica da filosofia hegeliana do direito, só podendo assim proceder “porque a crítica especulativa de Hegel já fora feita por Feuerbach”.

Dentro da perspectiva materialista enunciada por Marx, o homem conhece o objeto agindo sobre ele. Agindo sobre a natureza o homem transforma ao mesmo tempo sua própria natureza, desde onde se verifica a teoria da unidade entre o sujeito e o objeto  conforme o materialismo de Marx (e Feuerbach). A consciência neste caso não diz respeito à manifestação da razão ou da ideia como prediz a filosofia idealista, mas é um reflexo interior da atividade cerebral – mesmo o pensamento não é algo independente da existência corporal do indivíduo pensante.

Não é o pensar que determina o ser, mas o ser que determina o pensar. Esta formulação bastante conhecida de Marx será, no ensaio de Plekhanov desenvolvida posteriormente, a partir dos últimos capítulos do artigo, quanto ao problema da história e de sua filosofia. Diz Marx em sua “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” que “as relações jurídicas, assim como as formas de Estado, não podem ser explicadas nem por si mesmas nem pela chamada evolução geral do espírito humano; que elas têm suas raízes nas condições materiais de existência, cujo conjunto foi denominado sociedade civil por Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século XVIII; que a anatomia da sociedade civil deve ser buscada em sua economia”.

Em cada etapa do desenvolvimento histórico os homens contraem determinadas relações sociais derivadas do estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Sob a base destas relações sociais de produção ergue-se todo um conjunto de ideias e instituições que por sua vez influenciam o curso do desenvolvimento histórico, ainda que condicionada em última instância ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Plekhanov ao analisar o problema da filosofia da história se serve de exemplos dos então mais recentes estudos etnográficos de tribos indígenas na África e América: nas sociedades primitivas ficam mais nítidas as imbricações entre os estágios do desenvolvimento econômico, social e artístico. Consta que povos caçadores façam a remissão do objeto das suas caças em seus rituais, em suas danças e em suas pinturas. A luta pela sobrevivência condiciona as manifestações artísticas daquelas tribos primitivas. Sociedades mais complexas como a francesa do século XIX produziram o romantismo burguês, retratando a visão social de mundo de uma classe já então ociosa, sem muitas remissões ao trabalho – ainda assim, a determinante é econômica, são as relações sociais associadas ao dado desenvolvimento das forças produtivas que determinam o modo de produção capitalista dentro do qual a burguesia vai exercendo um papel ascendente.

Não foram poucos os críticos que “discordaram” de Marx ao assinalar que sua análise incorria no determinismo econômico. Vamos encerrar esta resenha com uma passagem em que Plekhanov desmonta estas “críticas”:

“Tudo o que foi dito até hoje pelos “críticos” de Marx sobre o suposto caráter unilateral do marxismo e sobre o seu pretenso desprezo por todos os “fatores” da evolução social, exceto o fator econômico, resulta simplesmente da incompreensão do papel que Marx e Engels reservam à ação e reação recíprocas entre a “base” e a “superestrutura”. Para persuadir-se do quão pouco Marx e Engels pretendiam ignorar, por exemplo, a importância do fator político, é suficiente ler as páginas do “Manifesto Comunista”, onde é abordado o movimento de emancipação da burguesia. Está dito: “classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada se auto-governando comuna, aqui livre república municipal, lá terceiro estado tributário da monarquia, depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da nobreza das monarquias limitadas ou absolutas, pedra angular das grandes monarquias, a burguesia, após o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou finalmente o poder político exclusivo no Estado representativo moderno. O governo moderno nada mais é que um comitê administrativo dos negócios comuns da classe burguesa”.    

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