“Os
Princípios Fundamentais do Marxismo” – G. V. Plekhanov
Resenha
Livro - “Os Princípios Fundamentais do Marxismo” – G. V. Plekhanov – Biblioteca
Marxista Virtual do Partido da Causa Operária. Transcrição de Fernando A. S.
Araújo – Janeiro de 2006
Georgi
Valentinovitch Plekhanov foi um dos fundadores da social democracia russa e um
dos primeiros introdutores do marxismo naquele país, ainda em fins do século
XIX. “A Concepção Materialista da História” e “O Papel do Indivíduo na História”
são trabalhos já conhecidos pelo público brasileiro, incluindo uma publicação
do autor pela Editora Expressão Popular, ligada ao MST.
Junto
a L. Axelrod e Vera Zassulich, Plekhanov fundou o grupo Emancipação do Trabalho
no ano de 1883, a primeira organização social-democrata russa. O grupo promoveu
um trabalho de tradução para o russo de obras de Marx e Engels e sua disseminação
ilegal naquele país.
Como
se sabe, Plekhanov teve papel importante na primeira disseminação das teses
marxistas quando do surgimento do movimento social democrata russo, em oposição
aos populistas (narodnikis) e terroristas. Posteriormente, o ativista passaria a posições anti-leninistas e
contrarrevolucionárias. Plekhanov, como de resto a maior parte da
social-democracia europeia da II Internacional, capitulou aos interesses da
burguesia imperialista, apoiando, no caso do russo, a Entente na 1ª Guerra
Mundial. Quando da vitória da revolução de Outubro, posicionou-se Plekhanov
contra os bolcheviques.
Em
todo o caso, os escritos filosóficos de Plekhanov possibilitam ao leitor entrar
em contato com as diferentes correntes de ideias filosóficas e científicas em
meio as quais o marxismo surge como a mais recente descoberta da filosofia
materialista.
“Princípios
Fundamentais do Marxismo” busca fazer uma exposição do materialismo histórico e
dialético, bem como os debates envolvendo o marxismo e outras correntes filosóficas.
“O
marxismo é toda uma concepção do mundo. Em poucas palavras, é o materialismo
contemporâneo que representa o mais alto grau daquela concepção de mundo, cujas
bases foram lançadas, na velha Hélade, por Demócrito”. Em outros termos, Plekhanov
chama atenção para o que há de novo e de velho na formulação de Marx – o materialismo,
assim entendido como a primazia da realidade objetiva sobre a ideia, a relação
de unidade e determinações recíprocas entre o ser e o pensar, tal corrente
filosófica já encontra espaço desde a Grécia antiga, mas é elevada em Marx a um
patamar até então não visto. Marx dá uma forma consequente ao materialismo de
Feuerbach, apropriando-se da teoria dialética de Hegel, estabelecendo não só um
conhecer, mas um agir sobre o mundo.
Neste
sentido, é comum se escutar que a formulação filosófica predecessora de Marx
vem de Hegel e de sua dialética. Plekhanov,
talvez de maneira sintomática, não começa sua exposição pela dialética, mas
pelo materialismo de Marx, chamando atenção para o humanismo de Feuerbach como
o imediato predecessor do velho mouro.
Na
formulação de Feuerbach, o ser é o real, de modo que o pensamento é um
atributo. Em oposição ao idealismo filosófico, disserta Feuerbach que “a
doutrina de Hegel, segundo a qual a natureza é criada pela ideia representa a
tradução, em linguagem filosófica, da doutrina teológica segundo a qual, a
natureza é criada por Deus, a realidade, a matéria, por um ser abstrato,
imaterial”.
Do
ponto de vista do Idealismo, representado nas críticas de Plekhanov e dos
materialistas por Hegel e Kant, o problema da unidade entre o ser e o pensar, a
ação e a ideia na verdade se resolve em benefício da ideia ou do pensamento, em
detrimento absoluto da realidade, que não teria existência de forma
independente da consciência humana. Para o materialismo, por outro lado, pensar
e ser se enlaçam numa unidade de modo que o pensar não é a causa do ser, mas
sua consequência. Voltando a Marx, sabe-se que o mesmo começou a sua obra de
interpretação materialista da história pela crítica da filosofia hegeliana do
direito, só podendo assim proceder “porque a crítica especulativa de Hegel já
fora feita por Feuerbach”.
Dentro
da perspectiva materialista enunciada por Marx, o homem conhece o objeto agindo
sobre ele. Agindo sobre a natureza o homem transforma ao mesmo tempo sua própria
natureza, desde onde se verifica a teoria da unidade entre o sujeito e o
objeto conforme o materialismo de Marx
(e Feuerbach). A consciência neste caso não diz respeito à manifestação da razão
ou da ideia como prediz a filosofia idealista, mas é um reflexo interior da
atividade cerebral – mesmo o pensamento não é algo independente da existência corporal
do indivíduo pensante.
Não
é o pensar que determina o ser, mas o ser que determina o pensar. Esta formulação
bastante conhecida de Marx será, no ensaio de Plekhanov desenvolvida
posteriormente, a partir dos últimos capítulos do artigo, quanto ao problema da
história e de sua filosofia. Diz Marx em sua “Introdução à Crítica da Filosofia
do Direito de Hegel” que “as relações jurídicas, assim como as formas de
Estado, não podem ser explicadas nem por si mesmas nem pela chamada evolução
geral do espírito humano; que elas têm suas raízes nas condições materiais de
existência, cujo conjunto foi denominado sociedade civil por Hegel, a exemplo
dos ingleses e franceses do século XVIII; que a anatomia da sociedade civil
deve ser buscada em sua economia”.
Em
cada etapa do desenvolvimento histórico os homens contraem determinadas relações
sociais derivadas do estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Sob a
base destas relações sociais de produção ergue-se todo um conjunto de ideias e
instituições que por sua vez influenciam o curso do desenvolvimento histórico,
ainda que condicionada em última instância ao estágio de desenvolvimento das
forças produtivas. Plekhanov ao analisar o problema da filosofia da história se
serve de exemplos dos então mais recentes estudos etnográficos de tribos indígenas
na África e América: nas sociedades primitivas ficam mais nítidas as imbricações
entre os estágios do desenvolvimento econômico, social e artístico. Consta que
povos caçadores façam a remissão do objeto das suas caças em seus rituais, em
suas danças e em suas pinturas. A luta pela sobrevivência condiciona as
manifestações artísticas daquelas tribos primitivas. Sociedades mais complexas
como a francesa do século XIX produziram o romantismo burguês, retratando a visão
social de mundo de uma classe já então ociosa, sem muitas remissões ao trabalho
– ainda assim, a determinante é econômica, são as relações sociais associadas
ao dado desenvolvimento das forças produtivas que determinam o modo de produção
capitalista dentro do qual a burguesia vai exercendo um papel ascendente.
Não
foram poucos os críticos que “discordaram” de Marx ao assinalar que sua análise
incorria no determinismo econômico. Vamos encerrar esta resenha com uma
passagem em que Plekhanov desmonta estas “críticas”:
“Tudo
o que foi dito até hoje pelos “críticos” de Marx sobre o suposto caráter
unilateral do marxismo e sobre o seu pretenso desprezo por todos os “fatores”
da evolução social, exceto o fator econômico, resulta simplesmente da
incompreensão do papel que Marx e Engels reservam à ação e reação recíprocas
entre a “base” e a “superestrutura”. Para persuadir-se do quão pouco Marx e
Engels pretendiam ignorar, por exemplo, a importância do fator político, é
suficiente ler as páginas do “Manifesto Comunista”, onde é abordado o movimento
de emancipação da burguesia. Está dito: “classe oprimida pelo despotismo
feudal, associação armada se auto-governando comuna, aqui livre república
municipal, lá terceiro estado tributário da monarquia, depois, durante o período
manufatureiro, contrapeso da nobreza das monarquias limitadas ou absolutas,
pedra angular das grandes monarquias, a burguesia, após o estabelecimento da
grande indústria e do mercado mundial, conquistou finalmente o poder político
exclusivo no Estado representativo moderno. O governo moderno nada mais é que
um comitê administrativo dos negócios comuns da classe burguesa”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário