“Por Que Resisti à Prisão” – Carlos Marighella
Resenha Livro - “Por que resisti à Prisão” –
Carlos Marighella – Editora Brasiliense
“Por Que Resisti à Prisão” é um relato de
Carlos Marighella sobre sua detenção dentro do Cinema no bairro da Tijuca no
Rio de Janeiro em 9.5.1964, ou seja, pouco mais de um mês após o golpe militar
de 1º de Abril.
Àquele momento, Marighella já era um
militante comunista com alguma experiência ante à repressão. Sua primeira
prisão foi no ano 1932, quando estudante de Engenharia em Salvador, aos 20 anos
de idade, como forma de represália a texto crítico dirigido ao interventor
Juracy Magalhães. Sua segunda prisão ocorreria no 1º de Maio de 1936 como reação
do regime à insurreição da Aliança Nacional Libertadora e do Partido Comunista
Brasileiro de 1935 – evento que passaria à história com a pejorativa nomenclatura
de “a intentona comunista”. Permanece um ano na prisão, onde é torturado pela
Polícia Especial de Felinto Muller. Uma nova prisão política manteria
Marighella na cadeia entre os anos de 1939-45, quando o dirigente do PCB se
dedicou ao trabalho de educação política junto aos presos.
Quando da sua prisão no ano de 1964,
Marighella já estava numa situação de clandestinidade, pelo menos desde o governo
Dutra. Foi deputado constituinte da Bahia no PCB no ano de 1946, mas teve o seu
mandato cassado um ano depois. O mesmo destino tem o PCB, posto na ilegalidade,
sob o argumento de se tratar de uma organização dirigida desde Moscou. A prisão
no cinema Eskye-Tijuca é relatada de forma minuciosa, ora em tom pitoresco, ora
denunciando politicamente o evento. Consta que Marighella vinha sendo
perseguido na rua e adentrou no cinema, onde havia um grande número de crianças
assistindo um filme de Safari. Os policiais determinaram que as luzes fossem
acessas, cercaram o dirigente comunista em cerca de 10 (dez) “tiras”, e
desferiram um tiro a queima-roupa que acertou e varou o peito de Marighella,
com a bala encravando-se no braço. Quando da prisão, e mesmo após o tiro,
Marighella resistiu fisicamente, desferindo golpes de capoeira nos policiais e
gritando palavras de ordem: “Abaixo a ditadura militar fascista! Viva a
democracia! Viva o Partido Comunista”. A saber:
“Os covardes não podiam compreender. Por
que tanta e tão encarniçada resistência de um homem desarmado e ferido? Por que
não se avantajavam fisicamente? Ouvia-os desesperados a dar ordens uns aos
outros. Que me espancassem nas partes mais delicadas do corpo. Que acabassem logo
com aquilo. Temiam o povo em redor, que protestava. Enquanto pude, empreguei a
força de ombros, braços e pernas e agilidade dos golpes de capoeira. Mas minha
força vinha mesmo da convicção política, da certeza de que tudo isso é ditadura
e de que a liberdade não se defende senão resistindo”.
Enquanto os primeiros capítulos são
destinados a relatar a prisão, as
mentiras de que serviu a ditadura para justificar o atentado e as repercussões
do caso, os capítulos finais ganham maior interesse já que são destinados a
refletir sobre o problema da ditadura do ponto de vista do movimento de massas,
da aliança contra a ditadura e da posição dos comunistas. Nestes capítulos já
se prenunciam as autocríticas da esquerda ante a derrota da abrilada de 1964.
Em primeiro lugar, Marighella chama atenção
para a confiança e passividade da esquerda ante a liderança da burguesia
nacional no contexto da polarização política anterior ao golpe.
“A nenhuma resistência organizada ao golpe
de 1º de Abril, exceto a greve geral, foi o resultado mais sensível do erro
tático de confiar na capacidade de direção da burguesia sem o apelo à
organização de massas e à ação e vigilâncias independentes.
A ausência dessas condições levava a
liderança a um salto no abismo, pois não lhe facultava uma base de sustentação
para o avanço do movimento de massas e não lhe assegurava a retaguarda
indispensável para a resistência ante a reação.
A política de conciliação da burguesia
chocava-se com as exigências do movimento de massas. À medida, porém, que a
burguesia via desmascarada sua política de conciliação, defrontava-se, como
sempre, com a alternativa de avançar com as massas ou ser esmagada pelas forças
de direita”.
Como é cediço, a política adotada pela
liderança burguesa foi a total capitulação ao golpe, sem qualquer reação
violenta. A tarefa da vanguarda marxista, neste caso, seria a de alertar o movimento
de massas quanto à capitulação sem resistência ante a direita pelo governo
deposto, preparando o povo para enfrentar com luta os acontecimentos previstos.
Se por um lado as esquerdas não renunciam a
aliança com a burguesia nacional e a pequeno burguesia diante da extrema
direita e do fascismo, tal alinhamento não deve significar, como significou,
ficar à mercê da política vacilante da burguesia nacional, subordinar o
movimento de massas àquela liderança burguesa, representada por Goulart.
Outro problema, de certa forma relacionado,
foi o da confiança excessiva no dispositivo militar do governo derrubado, que
pretensamente reagiria à atividade golpista no interior das forças armadas. A
verdade é que o golpe militar atingiu a esquerda e o movimento de massas com
perplexidade diante das ilusões no aparato ou dispositivo militar que, por uma
situação pontual da correlação de forças, havia derrotado o perigo de golpe no
ano de 1955, com a intervenção de Marechal Lott.
Outras razões suscitadas por Marighella
para a derrota do movimento popular em 1964 foi a negligencia do trabalho de
base em benefício da política de cúpula e a falta de atenção quanto à
mobilização dos trabalhadores do campo. De certa forma, estas críticas já são
um prenuncio do posterior rompimento de Marighella com o PCB e a criação da
ALN, propugnando a luta armada direta contra a ditadura. São em escritos
posteriores, em especial no Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano, em que se
verifica um verdadeiro rompimento em Marighella com a teoria do partido de
vanguarda (marxismo-leninismo).
Com certeza, o profundo impacto da
Revolução Cubana vitoriosa de 1959 sobre a esquerda mundial e latino-americana
em particular levou o comunista baiano à tática da guerrilha e do foquismo como
meio de luta no contexto da ditadura militar – como se sabe o PCB colocou-se
contra a luta armada, em oposição a Marighella.
Em 1969, apontado como inimigo número um da
ditadura militar, Carlos Marighella foi morto numa emboscada da polícia, na
noite de 4 de novembro, em São Paulo. O fascismo policial militar que tão bem Marighella
denuncia neste livro permanece vivo, com um governo golpista tão subserviente
ao imperialismo norte americano, como os gorilas de 1964.
Como bem detectado por Jorge Amado,
Marighella, baiano, filho de operário italiano e mãe descendente de escravos,
representa um arquétipo definitivo de herói peculiarmente brasileiro, sem qualquer
pretensão de inefabilidade, mas amoroso, poeta e amante da liberdade. Disposto a tombar, como de fato tombou, por um mundo mais justo, igual e livre.
Mata-se um Homem, mas o seu ideal jamais. Muitas vezes é preciso que haja o derramamento de sangue, para que os seus ideiás frutifiquem. Mariguella vive e sempre viverá, assim seja.
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