domingo, 24 de fevereiro de 2013

"A Guerra Civil Na França" - Karl Marx


Resenha Livro #53 “A Guerra Civil na França” – Karl Marx

 

A Comuna de Paris foi a primeira experiência na história de um governo operário, sob bases econômicas cooperativistas, sob os signos do igualitarismo e do laicismo. Durou 72 dias: o governo operário na capital francesa vai de 26 de março até 28 de maio de 1871. Desde a 1ª Intenacional (Associação Internacional dos Trabalhadores), Marx atua em prol da Comuna de Paris, objeto das maiores calúnias pelos jornalões burgueses europeus.

“Que é a Comuna, essa esfinge tão atordoante para o espírito burguês”?, pergunta-se Marx em 1871, quando redige o folheto “Guerra Civil na França”. O documento esclarece o leitor acerca dos acontecimentos de Paris sob um ponto de vista não burguês, elucidando a luta de classes que perpassa a guerra franco-prussiana e tem como principal vítima o proletariado francês.

Thieres, líder dos capituladores instalados em Versalhes, estabelece uma paz com a Prússia cujos termos envolviam o esmagamento da Comuna de Paris. Os traidores da republica social parisiense abandonaram estrategicamente canhões e armas que serian utilizados pelas forças armadas prussianas para atacar a Comuna. Por suposto aquela “esfinge” já era motivo de temor por toda burguesia europeia e a capitulação francesa envolvia e perpassava pelo massacre daquela experiência, denunciando o caráter classista daquela luta.

A guerra franco-prussiana inicia-se em 1870: claramente, a França subestimava de início o poderio militar prussiano. Na verdade as hostilidades entre franceses e alemães remetem às guerras napoleônicas, cujo final foi o exílio de Napoleão em Elba e a vitória da Santa Aliança, da reação monárquica sobre a República. Após a ascensão de Napoleão III (sobrinho de Napoleão I), por meio de um golpe de Estado, a França consolidaria o Segundo Império, cuja vida seria breve e se encerraria com a derrota dos franceses na guerra franco-prussiana.

A capitulação oficial de Paris foi conduzida por Thiers em fevereiro de 1971. Entretanto, a população de Paris recusou-se a depor as armas. Havia diferenças políticas entre a capital e as províncias. Durante a guerra, as províncias francesas elegeram para a Assembleia Nacional Francesa deputados monarquistas (os “Rurais”), bancada  francamente favorável à capitulação ante a Prússia. A população de Paris, no entanto, opunha-se a essa política. Marx lembra que as províncias sofriam com a desinformação provocada pela burguesia francesa, que impedia qualquer forma de comunicação entre as províncias e a Comuna, além de todas as mentiras reinteradas a respeito a república social de paris. Louis Thiers, político experiente, sistematicamente ironizado por Marx, foi elevado à chefia do gabinete conservador com a queda do Segundo Império. Tentou esmagar os insurretos parisienses. Estes, porém, com o apoio da Guarda Nacional e de combatentes que se recusavam a atirar em crianças e mulheres, derrotaram as forças legalistas, obrigando os membros do governo a abandonar Paris e dirigir sua política desde Versalhes. Segundo Marx, toda a escória da sociedade parisiense, ou seja, sua parcela improdutiva, fugiu junto com a burguesia. A partir da medida socialista de eliminação das forças armas e da polícia, e a constituição do povo em armas, Marx comenta a redução total da criminalidade em Paris.

Enquanto a Comuna resistia, Thiers foi buscar auxílio junto à Prússia para esmagá-la. Publicamente, o astuto político dizia não ceder um palmo de terra francesa aos alemães. Entretanto, seus termos de rendição envolveram a entrega de Alsácia e Lorena à Prússia. Além disso,  a França foi obrigada a pagar uma indenização de guerra de cinco bilhões de francos de ouro. A Prússia, de outro lado, garantiu que fossem libertados 100 mil prisioneiros de guerra franceses, os quais foram admitidos para reprimir a Comuna.

Depois de pouco mais de dois meses de lutas, a Comuna foi esmagada pelas tropas da reação.

A Comuna de Paris nos legou a bandeira vermelha do igualitarismo e a canção da Internacional. Legou-nos igualmente uma série de medidas que nos fazem crer ser aquela experiência, algo à frente de seu tempo. Limitou por exemplo o salário máximo de cada mandatário a valor correspondente ao salário de um trabalhador; eliminou o trabalho noturno, legalizou os sindicatos, instituiu a igualdade de sexos, tornou eletivo o cargo de juiz, incorporou o internacionalismo não só no discurso, mas na prática, com a participação de estrangeiros nos órgãos de funcionamento da comuna. Separou a religião do estado e eliminou o ensino religioso. Todas estas mudanças introduzidas pelo governo operário não poderiam subsistir a um cerco de centenas de milhares de homens armados amplamente pelas principais potencias europeias. Ainda assim, em meio a fome e a todas as dificuldades, a Comuna subsistiu brava e heroicamente por 72 dias todas as atrocidades da reação.

Marx não detalha o número de mortos, mas ilustra em diversas passagens a forma bárbara como a reação esmagou a Comuna. Estima-se que 80.000 pessoas foram mortas pelas tropas da burguesia franco-prussiana, das quais 20.000 foram executadas, sumariamente. Fala-se que só interrompeu-se o banho de sangue quando se constatou que o enorme número de cadáveres disseminaria doenças na cidade. Das 40.000 pessoas presas, uma parcela foi levada à Ilha da Nova Caledônia, onde, ainda hoje, é possível ver as marcas deixadas pelos comunards. Presos numa ilha perdida num lugar esquecido do mundo, as marcas dizem “Viva a Comuna”. Mais de um século passou-se e a luta da Comuna por uma sociedade igualitarista permanece tão viva quanto as marcas das prisões da Nova Caledônia.   

sábado, 16 de fevereiro de 2013

"As Origens do Fascismo" - José Carlos Mariátegui


Resenha # 51 - “As Origens do Fascismo” – José Carlos Mariátegui – Luiz Bernardo Pericás

 

Sobre o autor

José Carlos Mariátegui foi um jornalista e ativista marxista peruano. Filho de mãe índia e de pai branco funcionário público, começou a trabalhar ainda jovem, em 1909, como ajudante e entregador do periódico La Prensa. Pouco tempo depois, começou a escrever os seus próprios artigos. Já próximo de ideias socialistas, funda em 1919 o Jornal La Razón, que toma partido em favor dos operários peruanos em sua luta pela redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e em favor dos estudantes da Universidade de San Marcos e de sua luta por uma Reforma Universitária no país.

Naqueles anos, a conjuntura política do Peru estava marcada por crise que criaria condições para uma reviravolta na vida de Mariátegui. Augusto Leguía toma o poder por meio de um golpe de estado e instaura uma ditadura naquele país, fazendo como que o La Razón colocasse-se no campo de oposição política. Com o risco de ser preso, é oferecida ao jovem periodista a possibilidade de ir viver na Europa para trabalhar como “agente de propaganda” do governo – este convite do governo foi aceito por Mariátegui mesmo com as críticas de opositores mais radicais que viam ali uma capitulação. O fato é que nos três anos e quatro meses em que viveu no Velho Continente, Mariátegui teve oportunidade de observar de perto as rápidas transformações sociais por que passava a Europa do contexto histórico posterior à 1ª Guerra Mundial, além de ter tido contato com novas ideias, culturas e movimentos artísticos (dedicando um escrito particular sobre o Futurismo e a política).

Participou em 1921 do Congresso do Partido Socialista Italiano. Conheceu intelectuais, artistas e ativistas políticos que passariam a influenciar o seu pensamento: em particular Georges Sorel. (Marxista heterodoxo, influenciado por Proudhon, Sorel foi teórico francês da linha do sindicalismo revolucionário, muito popular na Itália dentro da Confederação Geral do Trabalho). E, em menor medida, seria influenciado por Antônio Gramsci. (Não se sabe ao certo se Mariátegui chegou a conhecer pessoalmente o revolucionário italiano que iria depois dirigir a ala revolucionária do Partido Socialista Italiano que se converteria no Partido Comunista Italiano. De qualquer forma, Mariátegui se refere ao movimento fascista e sua inserção na legalidade como um “transformismo”, fazendo menção portanto a uma categoria de análise gramsciana).

Sobre a obra

Talvez o título “As Origens do Fascismo” não represente muito fielmente o conteúdo da obra organizada pelo professor Luiz Berdardo Pericás. O livro representa uma coletânea de artigos e ensaios jornalísticos, escritos na Itália e publicados em órgãos da imprensa Peruana: El Tiempo, La escena contemporânea, Variedades, etc. Os textos versam principalmente sobre a conjuntura política da Itália entre 1919 e 1923 – por tal intervalo de tempo coincidir com a gestação do fascismo, sua tomada do poder em 28 de Outubro de 1921, sua consolidação no poder e sua “crise” com o assassinato do deputado socialista Matteotti pelos camisas negras, por estas razões explica-se as “Origens” do título da obra. Por outro lado, os assuntos tratados pelos artigos não versam apenas sobre o problema do fascismo. Mariátegui demonstra ter uma sensibilidade incomum ao abordar temas como o futurismo, as características do Partido Socialista Italiano ou ao traçar rápidas descrições de personagens políticos importantes, como os liberais Giolitti primeiro ministro italiano antes da tomada do poder político pelos fascistas e Francesco Saverio Nitti, primeiro ministro da Itália entre 1919 e 1920. A sensibilidade é perceptível no texto a partir da capacidade de Mariátegui de destacar detalhes dos movimentos políticos e das principais forças políticas da Itália, eventualmente não percebidos pelo senso comum, e por ser capaz de traçar um belo raio x do ascenço fascista desde suas origens – capacidade ímpar para um estrangeiro há pouco tempo instalado no país. Mariátegui parece conhecer bem os principais fatos políticos e os seus respectivos personagens, o que provavelmente só foi possível por meio de sua curiosidade jornalística e de contatos pessoais.

A conjuntura política italiana daquele momento era explosiva. A Itália participara da 1ª Guerra Mundia, sem contudo obter as vantagens materiais das demais potências vencedora. A divisão política do país entre apoiadores ou não da entrada na guerra teria implicações posteriores: Mussolini, por exemplo, que inicialmente foi um militante da esquerda do Partido Socialista Italiano, rompe justamente com partido por defender enfaticamente a entrada da Itália na Guerra. De outro modo, a política internacional do pós-guerra também dividia as forças políticas de Itália, incluindo as distintas frações burguesas. Um setor da burguesia moderado, liderado por Giolliti defendia uma política colaboralcionista, que se colocasse pela paz naquele contexto histórico, participando de forma colaborativa com os demais países.

O deputado Gabriele d'Annunzio, precursor e fonte de influência sobre a ideologia fascista, liderou um exército de 2000 voluntários e tomou a cidade de Fiume. Fundou-se um movimento d’annunziano, cuja perspectiva era a da expansão das fronteiras itálicas. Em contraponto aos colaboracionistas, os fasci defendiam uma política externa claramente imperialista e exigiam tratados internacionais que colocassem a Itália numa melhor posição, após a primeira guerra mundial. Numa conjuntura de crise, guerras e revoluções, a orientação burguesa colaboracionista tinha apelo muito menor do que a demogogia e o chauvinismo fascista.

Sobre o Fascismo

Para Mariátegui o Fascismo não pode ser considerado um conjunto teórico de ideias sistematizadas, tal qual o marxismo ou o liberalismo. Via, em primeiro lugar, o fascismo como um movimento do tipo miliciano e militar, um movimento contra-revolucionário cujo propósito seria o de salvaguardar o país da ameação da revolução operária. (Nesse sentido, Mariátegui chama atenção para a total capitulação da burguesia italiana ao fascismo, encarando-o como uma ofensiva preventiva contra a revolução proletária). Ademais, o fascismo seria a continuação do  d’annunzionismo, ainda que o d’annunzismo não fosse fascista. Mussolini imitou de D’Annunzio: o modo de governo em Fiume, a economia do estado corporativo, emotivos rituais nacionalistas, a saudação romana, seguidores devotados com camisas negras, respostas brutais e uma forte repressão contra a dissidência.

Segundo Mariátegui, “o fascismo podia vencer na guerra; não podia vencer na paz. O fascismo não é um partido; é um exército. É um exército contra-revolucionário, mobilizado contra a revolução proletária num instante de febre e belicosidade, pelos diversos grupos e classes conservadoras. O fascismo é, por conseguinte, um instrumento de guerra.”.

Quanto à violência, Mariátegui descreve a ação de grupos milicianos de camisas negras que, portando porretes, invidiam e destruiam cooperativas de trabalho, jornais socialistas, sindicatos e comunas dirigidas por socialistas. Benedito Crocce – importante filósofo da história e opositor do fascismo  – teve sua biblioteca destruída pelos fascistas. Mas foi como o assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti que o fascismo entraria em crise. Setores burgueses, que antes viam naquele movimento um obstáculo para o ascenço operário, passam a retirar o seu apoio ao governo do Partido Nacional Fascista. A opinião pública exige esclarecimento e a punição dos assassinos e os “métodos” do fascismo passam a ser questionados por setores que até então apoiavam ou não combatiam os fasci. Neste momento, pode ser que Mariátegui tenha subestimado a capacidade do fascismo de se manter no poder, o que ocorreria até o final da 2ª Guerra Mundia, quando Mussolini foi executado pela população.

Mariátegui via naquela “crise”, indício de que o fascismo não perduraria no tempo sem que houvesse algum tipo de “normalização institucional”, de forma a trazer de volta o apoio da burguesia constitucional e liberal. Haveria assim uma pressão pela legalização daquele movimento que nasceu operando por meio de práticas ilegais e violentas. Naquela conjuntura histórica Mariátegui não teve tempo de ver ascender o nazismo na Alemanha, o que corroboraria para o fortalecimento e permanência do fascismo no poder. De outra monta, Mariátegui negligenciou a capacidade de mobilização do fascismo, por meio de seus mitos, do seu nacionalismo exacerbado, da sua retórica, do seu anti-internacionalismo e anti-comunismo, da sua pregação a uma volta ao passado do Império Romano, reivindicando um caráter de potência imperialista à itália. Ainda que faltasse substância teórica aquele movimento, ainda que o fascismo não tivesse uma delimitação de classe, abrangendo operários, predominantemente a pequeno burguesia e frações dos grandes capitalistas, o mesmo foi capaz de sobreviver por mais tempo do que Mariátegui previa. Entretanto, tal como Walter Benjamim, Mariátegui conseguiu perceber um traço marcante do fascismo: este é o resultado de uma revolução derrotada. Aqui, há uma conclusão simples e atual: o fascimo é a reação absoluta ao ascenço operário. Derrotado este, vitorioso aquele.  

Mariátegui subestima o fascismo? Perspectivas do fascismo segundo Mariátegui (1924)

“A ditadura fascista, consequentemente, terá uma fisionomia menos carcteristicamente fascista a cada dia. Sustentada pela sólida maioria parlamentar que ganhou nas últimas eleições, adquirá um perfil análogo ao de outras ditaduras desta Itália da Unidade e da dinastia de Saboya. Crispi, Pelloux, o próprio Giolitti governaram a itália ditatorialmente. Suas ditaduras estiveram desprovidas de todo gesto demagógico e se conformaram com um papel e um caráter burocrático. A ditadura de Mussolini, estrondosa, retórica, olímpica e d’annunziada em suas origens, como convém nesta época tempestuosa, acabará por contentar-se com as modestas proporções de uma ditadura burocrática. Perderá pouco a pouco sua ênfase heóica e sotaque épico. Empregará para conservar o poder os recursos e expedientes oportunistas da velha democracia”.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

"Teoria da Organização Política V. II" Ademar Bogo (Org.)



Resenha Livro #50 “Teoria da Organização Política” Volume II. Ed. Expressão Popular. Ademar Bogo (Org.).



 “Teoria da Organização Política” (V. II) corresponde à compilação de escritos de dirigentes revolucionários do século XX, tendo por fio condutor a questão de como organizar a classe trabalhadora e seus aliados para a derrubada do capitalismo e a construção do Socialismo. Nesta seara, discute-se a relação entre partido político e as massas, as características essenciais do partido revolucionário em cada conjuntura e a combinação da luta anti-imperialista com a luta por um novo tipo de sociedade (ideias presentes particularmente nos escritos de Mariátegui, Che, Ho Chi-minh e Agostinho Neto). Destacamos dois nomes presentes em “Teoria da Organização Política V. II”, um peruano e um brasileiro.

José Carlos Mariátegui

Filho de pai espanhol e funcionário público e mãe índia, Mariátegui nasceu em 1894 no interior do Peru. Em 1909 passa a trabalhar como funcionário de um jornal diário e dois anos depois escreve seu primeiro artigo, tornando-se, com o passar do tempo, jornalista.  Em 1919 é enviado pelo governo do Peru à Itália para atuar como agente de propaganda: na Europa, tem contato com o marxismo e com as ideias de A. Gramsci, participando do congresso do Partido Socialista Italiano (1921). Em 1929 publicou sua principal obra (a única traduzida no Brasil): “Sete ensaios de interpretação da realidade peruana”. Nos escritos de Mariátegui observa-se em primeiro lugar uma preocupação incomum na literatura marxista com a questão da cultura e, especificamente, da identidade latino-americana como elementos prementes da luta revolucionária. Em outro sentido Mariátegui se coloca como alguém à frente de seu tempo: já na década de 1920 denuncia as ilusões de setores da esquerda com as burguesias nacionais e as pequeno-burguesias, como supostos aliados da luta anti-imperialista. “Nem a burguesia, nem a pequena burguesia no poder podem realizar uma política anti-imperialista”. Em primeiro lugar porque Mariátegui não superestima ou romantiza a luta anti-imperialista, enquanto certos setores falam em uma “segunda independência”, situando a burguesia nacional dentro desta luta. Para Mariátegui o anti-imperialismo não é um fim em si mesmo, mas um momento da revolução socialista. “Em suma, somos anti-imperialistas porque somos marxistas, porque somos revolucionários, porque contrapomos ao capitalismo o socialismo como sistema antagônico”. 

O outro elemento central no pensamento de Mariátegui é o papel da cultura e do imaginário social quanto à composição, aos movimentos e aos conflitos das classes sociais. Assim, enquanto na China, a aliança com a burguesia nacional forjou-se por meio de uma luta comum contra o invasor japonês, na América Latina “a aristocracia não se sente solidária com o povo por não ter história e nem uma cultura comum”. O mito da “segunda independência” desconsidera o fato de não haver contradições de fundo entre as burguesias nacionais e o imperialismo – as elites dominantes veem-se antes como parceiras do antigo colonizador do que colaboradoras das lutas populares. Tal concepção mostrar-se-ia correta pela forma mais dolorosa possível na América Latina – a confiança do movimento de massas em lideranças da burguesia “nacionalista” ou pequeno-burguesa negligenciou a fraqueza destas direções frente ao inimigo imperialista e sua preferência em ceder o poder à reação do que apostar suas forças na revolução operário-popular. Em termos práticos, esta política levou à vitória dos diversos golpes militares na América Latina e a implementação das mais brutais ditaduras. Quanto ao elemento cultural, ele também está presente, em Mariátegui, nas suas considerações, no Peru, acerca das massas indígenas, que deveriam ser protagonistas no processo de revolucionário naquele país.

Luiz Carlos Prestes

Se por um lado Prestes é um conhecido personagem da história brasileira do séc. XX – do movimento tenentista e da Coluna Prestes até a sua adesão ao Partido Comunista – pouco se discute e se lembra dos seus escritos e de sua colaboração teórica.

Prestes foi durante 30 anos dirigente do PCB, atuando como secretário-geral. Via de regra, deixou-se centralizar pelas orientações da III Internacional Comunista, o que o levou a alguns equívocos, decorrentes das diferenças de condições objetivas e subjetivas para a luta revolucionária, dentro da experiência soviética e brasileira. Assim, no Manifesto de 5 de Julho da Aliança Nacional Libertadora, quando aborda a unificação nacional e a luta contra o imperialismo e o “feudalismo” (sic) no Brasil, deposita confiança numa suposta “parte da burguesia nacional não vendida ao imperialismo”. A própria caracterização do Brasil como um país ainda com resquícios “feudais” dava suporte ao “etapismo”, concepção segundo a qual o Brasil deveria primeiro passar por uma revolução que resolvesse as suas tarefas democrático-burguesas, eliminando o feudalismo, para depois passar à ofensiva socialista. Esta estratégia (sem delimitações de classe e ancorada na ilusão de uma frente política com a Burguesia) corroborou para a tragédia do golpe militar 1º de Abril de 1964: a falta de confiança no movimento de massa e a permanência de uma direção pequeno-burguesa e vacilante criou as condições para a dispersão dos movimentos sociais após o golpe.

Quanto aos escritos de Prestes, particularmente interessante é a sua Carta Aos Comunistas (1980). Trata-se de um documento elaborado quando da volta de Prestes do exílio. Aborda a crise política do PCB do final dos anos 1970. O partido deixava de exercer um papel de vanguarda e, sob o efeito de forças externas que visavam aniquilar o comunismo no Brasil, deixava-se domesticar, transformando-se num partido reformista. Prestes responsabiliza a direção do partido pela sua atual situação: a direção não preparou os comunistas para enfrentar a ditadura e não tomou sequer providências para defender seus militantes da repressão. Além disso, a direção era incapaz de se debruçar sobre a realidade brasileira (problema que, como vimos, também se reproduziu quando Prestes dirigia o partido) e não exercitava a "auto-crítica".

Enfim, “o oportunismo, o carreirismo e compadrismo, a falta de uma justa política de quadros, a falta de princípios e a total ausência de democracia interna no funcionamento do partido” são os principais problemas do PCB, relatados por Prestes. A carta situa-se nos marcos da realização do VII Congresso do Partido Comunista Brasileiro. Posteriormente, este partido foi terminantemente extinto, criando-se em seu lugar o direitista PPS. Mais recentemente e a partir de um esforço militante digno de respeito por parte de todos os comunistas brasileiros, o PCB foi re-construído e atua hoje no campo de oposição de esquerda aos governos social-liberal de Lula/Dilma.

Em fevereiro de 1980 Prestes rompe pela com o PCB. A esta altura, sua crítica ao partido diz respeito à sua adaptação à realidade institucional, perdendo de vista a perspectiva revolucionária:


"Nós, comunistas, não podemos abdicar de nossa condição de lutadores pelo socialismo, restringindo-nos à suposta “democracia” que nos querem impingir agora os governantes, nem às conquistas muito limitadas alcançadas pela atual “abertura”, que na prática exclui as grandes massas populares. Não podemos concordar com uma situação que assegure liberdades apenas para as elites, em que a grande maioria da sociedade continua na miséria e sem a garantia dos mais elementares direitos humanos. Um partido comunista não pode, em nome de uma suposta democracia abstrata e acima das classes, abdicar do seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia, em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos trabalhadores.”


A crítica ao reformismo é atual e aplicável aos partidos de “esquerda” voltados a administração do capital no país.      

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

"O Capital" - Karl Marx



Resenha Livro # 49 – “O Capital – O Processo de Produção do Capital” – Livro I Volume I



Impressões decorrentes de uma visão panorâmica de “O Capital”

Ler a famosa crítica à economia política que é “O Capital” pode parecer ou dar a impressão de ser uma tarefa árdua. De fato, aqueles que tiveram contatos com obras de autores marxistas (ou autores que reivindicam algumas de suas categorias de análise), já devem ter ouvido falar em mais valia absoluta, mais valia relativa, capital constante, capital variável, força de trabalho, modo de produção, meios de produção e capital. E, de fato, “O Capital” é um livro essencialmente analítico e teórico, que se serve das experiências históricas apenas e na medida em que as mesmas ilustram o desenvolvimento de uma teoria, uma teoria para explicar a sociedade do capital, e, em última análise, interpretar o mundo em que vivemos. Em certas passagens estas teorias determinam verdadeiras leis econômicas. (Por exemplo, a determinação do valor da mercadoria a partir do tempo médio socialmente necessário de trabalho para a sua composição).

Ocorre que Marx, além de teórico da mais importante obra de análise crítica do capitalismo, foi, ele próprio, um militante comunista. (O fato de Marx ter participado da construção da 1ª Internacional e o aspecto “militante” da vida do velho Mouro, são sintomaticamente esquecidos por uma parcela da esquerda marxista “academicista”, exclusivamente engajada no debate teórico, sem qualquer compromisso com uma prática política cotidiana e consequente, uma efetiva intervenção na luta política colocando todo o saber e o conhecimento acumulado nas universidades à serviço das lutas e da organização dos trabalhadores).

Pois bem, voltando a Marx, o fato do velho Mouro estar efetivamente engajado nas disputas políticas e ideológicas (“batalha das ideias”) de seu tempo implicou em importante preocupação no sentido de que suas ideias fossem compreendidas, inclusive pelo mais humilde operário. É perceptível o esforço com que Marx tenta ser didático, mesmo quando aborda temas inicialmente bastante abstratos, como “o duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria”  ou “a forma relativa de valor” e “a forma equivalente de valor”.

Todos estes conceitos vão sendo enunciados de forma quase exaustiva, por meio de exemplos abstratos ou exemplos da história do capitalismo na Europa, ou até mesmo por fórmulas matemáticas e expressões algébricas: é como se Marx fosse o professor que soubesse que o tema de sua aula é árido e de difícil compreensão, e, especialmente por isso, tenta ser o mais claro/didático possível.

Outrossim, Marx diferencia-se de toda uma tradição de economistas burgueses que são incapazes de ver as relações de exploração e de dominação de classes que existe, que são intrínsecas ao processo de formação de capital. Ao criticar a tradicional economia política burguesa, nestes momentos, a leitura pode ser um pouco mais difícil, já que ele discute temas candentes na época e no contexto por que passava a Europa do séc. XIX, destacando a revolução social introduzida para Revolução Industrial, a luta pela regulação da jornada de trabalho e os efeitos econômicos das distintas jornadas, as novas tecnologias de produção e suas implicações nas condições de vida da classe operária. A diminuição de extração de mais valia absoluta e aumento de extração de mais valia relativa, por meio da intensificação do ritmo de trabalho, sob jornadas de trabalho mais curtas, é relatada por Marx por meio de dados/relatórios oficiais sobre a classe de trabalhadores da Inglaterra a partir de meados do século XIX– o cenário descrito é de penúria, fome, péssimas condições de trabalhos, insalubridade no trabalho e nas instalações onde moram os proletários, jornadas de 10 a 12 horas de trabalho, e presença de crianças de até 5 anos de idade trabalhando nas fábricas.  

Estrutura da Obra

Tivemos acesso ao Livro I Volume I do Capital, publicado pela Ed. Civilização Brasileira, que trata da produção do capital. O Capital é uma relação social que pode ser descrita algebricamente como M (mercadoria força de trabalho) - D (retribuição monetária da força de trebalho correspondente ao mínimo necessário para a reprodução da força de trabalho - M' (valorização do capital por meio da extração de trabalho excedente, a chamada mais valia).

O Livro I foi o único publicado por Marx ainda vivo, e foi o único volume que contou com revisões do próprio autor. A edição da Civilização Brasileira contém o Prefácio da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Edições na Alemanha, além dos prefácios das edições francesas e Inglesas. No Livro 2, publicado em 1885, discute-se o processo de circulação do capital. O livro 3 trata do processo global da produção capitalista (1894) e, finalmente, o Livro 4 – publicado por Karl Kautsky – trata das Teorias da mais valia (1905).

A guiza de conclusão.

Não é nosso objetivo aprofundar cada um dos conceitos e das ideias originais introduzidas por Marx em “O Capital”. Neste ponto, vale ressaltar que a profundidade de diversas passagens do texto com certeza podem ser melhor apreendida a partir de esforço coletivo de leitura e debate da obra, por meio de um grupo de estudos, portanto, estudando e destacando trecho por trecho, destrinchando cada detalhe e buscando traduzir a crítica feita por Marx a partir da  atual conformação do capital: em que medida as análises de Marx permanecem atuais e dão conta de explicar, por exemplo, as crises cíclicas do capital? Como não participamos de tal “grupo de discussão” e como a nossa intenção com as resenhas é apenas a de introduzir o leitor às obras, convidá-lo a lê-las e provocar algum tipo de reflexão crítica, encerramos esta resenha com algumas passagens-chave, em que, por meio de sínteses, Marx dá algumas mostras de sua genialidade. Sua crítica ao capital é o que há de mais avançado em toda literatura da economia política dedicada à análise das sociedades modernas.

“Uma teoria que considera a moderna produção capitalista mero estágio transitório da história econômica da humanidade tem, naturalmente, de utilizar expressões diferentes daquelas empregadas por autores que encaram esse modo de produção como imperecível e final”.


“O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer quando as condições práticas das atividades cotidianas do homem representem, normalmente, relações racionais claras entre os homens e entre estes e a natureza. A estrutura do processo vital da sociedade , isto é, do processo da produção material, só pode depreender-se do seu véu nebuloso e místico no dia em que for obra de homens livremente associados, submetida a seu controle consciente e planejado. Para isso, precisa a sociedade de uma base material ou de uma série de condições materiais de existência, que, por sua vez, só podem ser o resultado natural de um longo e penoso processo de desenvolvimento”.


“A parte do capital, portanto, que se converte em meios de produção, isto é, em matéria-prima, materiais acessórios e meios de trabalho não muda a magnitude de seu valor no processo de produção. Chamo-a, por isso, parte constante do capital, ou simplesmente capital constante.


A parte do capital convertida em força de trabalho, ao contrário, muda de valor no processo de produção. Reproduz o próprio equivalente e, além disso, proporciona um excedente, a mais valia, que pode variar, ser maior ou menor. Esta parte do capital transforma-se continuamente de magnitude constante em magnitude variável. Por isso, chamo-a parte variável do capital ou simplesmente capital variável. As mesmas partes do capital, que do ponto de vista do processo do trabalho, se distinguem em elementos objetivos e subjetivos, em meios de produção e força de trabalho, do ponto de vista do processo de produzir mais valia, se distinguem em capital constante e variável. “