sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

“A Vida de D. Pedro I – Tomo 1º” – Otávio Tarquínio de Souza


“A Vida de D. Pedro I – Tomo 1º” – Otávio Tarquínio de Souza


1830 – D. Pedro I – Óleo sobre Tela de Simplício Rodrigues de Sá (1785-1839). Acervo do Museu Imperial


Resenha Livro “História dos Fundadores do Império Volume II – A Vida de D. Pedro I – Tomo 1º” – Otávio Tarquínio de Souza.
                
As biografias podem ser consideradas um gênero particular da história com diferentes espécies. Há as biografias de caráter enciclopédico, de teor mais informativo, frequentemente vinculadas a alguma coleção. Pode-se citar as autobiografias ou biografias consentidas que tendem a trazer à luz a percepção pessoal do biografado acerca dos acontecimentos. E há biografias com propósitos mais amplos, livros de história em que a narrativa sobre o indivíduo revela e se confunde com um vasto panorama das condições históricas da época.
              
Fora de dúvida que a biografia de D. Pedro I de Otávio Tarquínio de Souza é antes de tudo um livro de História do Brasil que desce às minúcias ao contexto histórico (e especialmente político-administrativo)  que envolve o período desde o nascimento de D. Pedro em 1789 até o ano de 1821, numa conjuntura marcantemente revolucionária em face do processo político que culminaria com a emancipação política do Brasil em 1822. Para sermos mais exatos, os acontecimentos políticos decisivos vivenciados por D. Pedro neste 1º Tomo envolvem: a fuga em retirada da Família Real de Portugal ante as tropas napoleônicas, quando o biografado chega ao Brasil aos 9 anos de idade;  as medidas administrativas que dariam o início do processo de emancipação com a abertura dos portos e o fim do exclusivismo comercial que informa as relações entre metrópole e colônia; a elevação do Brasil à condição de Reino Unido à Portugal e Algaveres; criação do Banco do Brasil, reformas nos portos, vinda da missão artística francesa, permissão para criação de fábricas no Brasil, entre outros.

Na sequência o evento decisivo e eventualmente negligenciado pela sua repercussão histórica no Brasil foi a Revolução na cidade do Porto e o estabelecimento das Cortes Constitucionais. Por um lado disseminam na América a ideia do constitucionalismo e exige em Portugal o fim da monarquia absolutista e sua conversão em monarquia constitucional – posteriormente decretos da corte de Lisboa provocariam revolta e resistência dos brasileiros, como: declaração hostil proibindo a importação de munições militares e navais ao Brasil; a proposta de restituir Montevidéu à Buenos Aires; e especialmente  a competência de Lisboa para a partir de então cuidar de todos os negócios gerais da monarquia no Brasil, despachos dos empregos civis e militares, vencimentos,  etc.

Aqui é importante fazer uma pausa. Uma das propostas e qualidades mesmo desta obra é a de esmiuçar traços psicológicos e de personalidade dos grandes sujeitos históricos e propor relações entre o temperamento, a personalidade, e cada escolha política tomada com as suas consequências. O que é notório é que D. João VI foi um homem muito diferente de D. Pedro I, em que pese a relação afetuosa entre os dois[1]. D. João VI era pusilânime, indeciso, dependente de seus conselheiros pessoais para tomar decisões. Esta hesitação e tendência ao procurar sair-se das crises com uma prudência que resvala na covardia explica a demora na tomada de posição diante da Guerra Napoleônica ao ponto de se retardar a fuga para o Brasil com as tropas napoleônicas já em terras portuguesas. Vejamos como o historiador descreve a triste e patética figura de D. João VI:

“O Bragança, filho de sobrinha com tio, era desajeitado, grosso, balofo, barrigudo, molerão, sem hábitos de asseio para não dizer sujo, descuidado no vestuário, e medroso, acanhado, perplexo, sonso, apurando em manha o que lhe minguava em autoridade, disfarçando em paciência a cogênita irresolução.”

D. Pedro I desde menino em terras brasileiras passava o maior tempo do dia na porção central da cidade e no palácio de São Cristóvão[2].  Na juventude teve muitas mulheres conquanto casado com D. Leopoldina, e consta que teve filhos fora do casamento a quem cuidava nas medidas de seus esforços. 

Era um rapaz valente, com temperamento autoritário, mas ao mesmo tempo capaz de se adequar às tendências políticas do seu tempo, reivindicando o constitucionalismo, e já em 1820-1, assessorado pelo José Bonifácio, se colocando como agente central no processo da emancipação política.
Diante dos acontecimentos decisivos que informam o processo revolucionário de independência do Brasil, D. Pedro diligenciou pessoalmente até aa província de Minas Gerais (com propósitos separatistas) e granjeou a legitimidade para garantir a unidade territorial do futuro Império. D. João VI se curvou à autoridade das Cortes de Lisboa antes mesmo destas estarem prontas. D. Pedro coloca-se ao lado do constitucionalismo num primeiro momento advogando a unidade entre Portugal e Brasil e posteriormente já em 1821 se referindo a si mesmo como “brasileiro” nas missivas e apoiando a ideia de total rejeição das cortes de Lisboa e a criação de uma constituinte brasileira.  

A reflexão que pode surgir aqui é o do papel do indivíduo na história. De que forma os traços de personalidade daqueles que estão à frente dos acontecimentos resultam em determinada variante histórica.

Marx no 18 de Brumário[3] inicia seu livro de história política da seguinte forma:

“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.

Certamente, um rei absolutista e um regente numa monarquia e posteriormente no Império detém enorme influência a partir de suas decisões pessoais. Mas o fundo dos acontecimentos, as tendências mais gerais da história dão-se prioritariamente a partir das forças sócio econômicas e das classes sociais em luta. Talvez seja sintomático que num tomo de 355 sobre parte da vida de D. Pedro pouco se fale da escravidão e do mundo do trabalho que sustenta a opulência e poder desfrutados pela família real, por toda corte de ministros e deputados, bem como a classe senhorial rural – esta sim a classe dirigente que impulsionava os acontecimentos desde os rincões do Brasil e que admitia àquele momento a solução da emancipação política e da  monarquia constitucional convivendo por décadas com a escravidão.



[1] D. Pedro  I manteria uma relação mais distante com sua mãe Carlota Joaquina.
[2] D. João VI e Carlota Joaquina não viveram juntos e ao longo do casamento (feito conforte estritos interesses de estado) foram se tornando mais avessos até inimigos.
[3] “Desde o ponto de vista do materialismo histórico-dialético, a história é determinada pelo desenvolvimento da luta de classes, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas e pelo modo de produção correspondente.  Se o processo histórico desenvolve-se por meio do conflito de classes, as condições gerais da economia e das relações de produção, quando estas entram em contradição com o grau de desenvolvimento das forças produtivas, geram rupturas políticas e institucionais. Abre-se um período de mudanças históricas e nestes marcos projetam-se indivíduos que, forjados em seu tempo, são capazes de exercer liderança e alterar o rumo da história, ao menos a curto e médio prazo. Entretanto, afirma Plekhanov, é pouco provável que a morte prematura de Napoleão teria implicado em rumos tão diferentes na história da França e da Europa do séc. XIX: muitos outros oficiais do exército francês (o mais poderoso da Europa de então) poderia estar a frente dos eventos e à altura dos desafios históricos. O que resta assinalar é que Marx coloca que as grandes questões, os grandes problemas apenas surgem na sociedade quando há a possibilidade de resolvê-los. O que se constata é que o homem faz a história, mas a faz nas condições históricas colocadas, independente da sua vontade. Ademais, a projeção de indivíduos que ganham destaque na história diz respeito às personalidades e inteligências capazes não só de situar o desenvolvimento e o curso/sentido da história, como acertar nas projeções de futuro. A história exige da ação humana consciente uma força para a sua transformação: relações de produção não caem de podre, apenas desmoronam tanto por leis objetivas da história quanto por movimentos subjetivos, associados à intervenção do homem e, mais importante, das classes sociais na história”. http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2013/05/o-papel-do-individuo-na-historia-g-v.html