sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

“Trotsky O Profeta Banido (1929-1940)” – Isaac Deutscher


Resenha Livro #105 - “Trotsky – o profeta banido – 1929-1940” – Isaac Deutscher


Dividiremos esta resenha em três partes. Na primeira parte apresentaremos algumas informações sobre o autor e uma visão panorâmica sobre esta biografia. Na segunda parte há um destaque sobre a questão das organizações trotskystas e suas dificuldades. A terceira parte é talvez a menos relevante: ofereço o ponto de vista deste autor sobre Trótsky e trotskysmo, bem como uma proposta de balanço histórico.
Mas, não nos adiantemos. Vamos por partes.
Sobre o autor e a obra
Isaac Deutscher nasceu em 1907 na Polônia. Veio de família judia mas ainda durante a idade do bar mitzvah perdeu sua fé e tornou-se ateu. Publicou sua primeira poesia apenas aos 16 anos de idade. Na universidade de Krakóvia aderiu ao marxismo e em 1927 ingressou no então ilegal Partido Comunista Polonês. Em 1931, poucos anos após a morte de Lênin, visitou a União Soviética onde teve contato, observou e estudou sua sociedade, economia e política. Esta viagem tocaria o jornalista de tal maneira que, pouco depois, de volta à Polônia, estava liderando um primeiro movimento de oposição ao stalinismo: pouco tempo depois foi expulso do partido comunista.
Em 1939, durante a II Guerra e com a Polônia já ocupada, Deutscher move-se para Inglaterra onde trabalha como correspondente num jornal judaico-polonês. Lá aderiu ao grupo trotskysta inglês Revolutionary Workers League. É importante destacar portanto que Deutscher militou pessoalmente nas fileiras do trotskysmo, o que, em todo caso, é perceptível em seu texto que resvala na apologia, ainda que sua biografia seja de alta qualidade quanto à técnica e à forma.
A trilogia que narra a vida de Trotsky foi publicada entre 1954 e 1963. Tivemos acesso ao último volume daquela vasta pesquisa. São quase 600 páginas narrando a vida de Trotsky entre 1929 (expulsão de URRS e exílio na Turquia) e 1940 (assassinato no México). Deutscher serve-se de um vasto material (cartas, documentos, atas de reuniões) que Trótsky vendeu ainda em vida para a Universidade de Harvard. Vendeu seu arquivo por míseros 15 000,00  dólares, passava por aperto no México e precisava de dinheiro. Em particular, neste último tombo, ganha destaque a volumosa correspondência trocada entre Trótsky no exílio e seus simpatizantes por todo o mundo, pelos EUA, França, além dos campos de concentração na Rússia – Vorkuta seria aquele que reuniriam os trotskystas.
A perseguição a que esteve submetido Trotsky e seus seguidores certamente foi brutal. Como ocorre comumente com figuras expressivas na história, sua vida particular esteve entrelaçada com sua carreira política, e, especificamente, os dramas políticos engendrariam graves repercussões na vida pessoal. Seus parentes também foram alvo de Stálin. Trótsky perdeu um filho (Sergei) e outro (Liova) que Deutscher apresenta indícios de que teria sido envenenado.
Além dos tormentos familiares, houve a campanha difamatória a que buscava responder por meio de jornais dos EUA (o que acabava realçando a crítica de seus adversários quanto à sua capitulação), além do Boletim da Oposição. Irônicamente, os países que glosavam acerca de seu espírito “democrático” criaram todo tipo de dificuldade para o acesso e permanência de Trótsky. A maioria não permitiu sua entrada. Trótsky saiu da Rússia para uma ilha isolada no mediterrâneo na Turquia. Lá escreveu as duas obras de maior importância nesta fase final de sua vida. “Minha Vida”, que é uma autobiografia. E a sua “História da Revolução Russa”.
Depois esteve por algum tempo na França, impedido de ir à Paris e sempre vigiado pela polícia e agentes Russos. Depois ficou na Noruega, onde também sofreu pressões tanto da extrema direita quanto dos setores estalinistas pela sua expulsão do país. E finalmente foi enviado ao México onde Cárdenas governava e onde foi tratado com cortesia pelos anfitriões.
Trotsky chegou ao México em 1937. Em 1938, sob sua orientação, acompanhou a conferência de fundação da IV Internacional, que era um projeto seu que já vinha sendo esboçado desde o início dos anos 1930. Aqui é importante situar dois momentos distintos, duas estratégias distintas que Trótsky defenderá entre 1929 e 1940. Inicialmente, defende uma reforma por dentro do regime político que purificasse o movimento russo da burocracia stalinista. A partir de inícios dos anos 1930, com a ascensão do nazi-fascismo, vai mudando até defender uma revolução política contra a burocracia soviética bem como a necessidade da construção de uma nova internacional. O que mudou? Trótsky julgou ser a política stalinista no ocidente co responsável pela ascensão do fascismo. Tratava-se da denominada política do terceiro período em que Stálin e os stalinistas equiparavam a social democracia como inimigos do mesmo peso do fascismo, descartando uma aliança com a esquerda reformista contra o fascismo. Isso teria sido feito de forma atrasada e a vitória de Hitler e Mussolini e o perigo do fascismo era, para Trótsky, produto daquela política equivocada de Stálin e da III Internacional.
Um último e curioso fato. Como se sabe, no México, Trótsky esteve hospedado na casa do pintor e ativista político Rivera – com ele e Breton, discutiriam os três sobre arte e lançariam um manifesto pela constituição de uma internacional dos artistas (que não se concretizou). De todo modo, Rivera era casado com a artista Frida Khalo, bem como Trótsky com Nathália. Deutscher chega a insinuar, mas pouco fala sobre o suposto triângulo amoroso – e não seria por ser um fato secundário já que se acredita que Trótsky deixou a casa de Rivera e mudou-se para um local alugado (tendo de vender seu arquivo à Harvard para arcar com os custos) em função da relação extraconjulgal.
Isaac Deutscher é um historiador minucioso e busca sinalizar suas fontes dos fatos narrados. Mas Isaac Deutscher frequentemente cai no tom apologético. Por exemplo quando descreve o contrajulgamento de Trótsky (irrelevante em termos práticos), afirma ser a sustentação oral de Trótsky a do mais perfeito promotor de justiça – em que pese o russo não ter tido formação jurídica.
Destaque
“Os novos adeptos do trotskysmo começavam com a determinação de sacudir o partido que amavam e fazer com que visse a luz que eles próprios, estudando os escritos de Trótsky, haviam percebido com entusiasmo. Mas viam-se, sem demora, cercados em pequenos círculos herméticos, onde tinham de habituar-se a viver como leprosos nobres num deserto político. Pequenos grupos que não se podem ligar a nenhum movimento de massas, dentro em pouco se tornam amargos com a frustração. Por maior que seja sua inteligência e vigor, se não tiverem aplicação prática para estes talentos, acabarão usando sua força numa luta escolástica e intensas animosidades pessoais que levam a divisões intermináveis e anátemas mútuos”.    
Escolhemos este destaque para ilustrar que, em que pese o eventual tom apologético, revela também um olhar crítico. Em outras passagens não se furta a discordar de Trótsky ou apontar alguns de seus erros de análise. Quanto aos trotskystas, o que somos levados a crer é que a formatação das organizações enquanto seitas já datam dos anos contemporâneos a Trótsky. A pulverização dos trotskystas não deve ser explicada, é claro, apenas por problemas políticos internos daquela tradição. Todos os partidos comunistas nacionais estavam via de regra com Stálin contra Trotsky. Os trotskystas se viam isolados frente à hegemonia ora da social-democracia ora do stalinismo. Nestas circunstâncias, alijados do contato direito com a classe trabalhadora e com o seu movimento, o trotskysmo tende a se degenerar. Trata-se de uma assertiva que decorre da reflexão de Deutscher ainda que ele seja fiel do começo ao fim do volume às teses gerais do seu biografado.
Esboço de um balanço sobre Trotsky e trotskysmo
O autor desta resenha reivindica o ponto de vista do marxismo-leninismo. Marx e Engels fundaram uma tradição na Economia Política, uma crítica da economia política que redundaria em revolução em outras áreas do conhecimento – a história, a sociologia e a filosofia. Marx e Engels fundaram o projeto comunista desde o Manifesto (1948) e estiveram durante todavia comprometidos de forma militante com este projeto. Lênin é o dirigente da primeira experiência prática bem sucedida daquele projeto. A primeira experiência durou apenas 72 dias, foi a Comuna de Paris e Marx analisou-a. A vitória da revolução russa – quer seja a coloração política do leitor – é incontestavelmente um fato que marcou e mudou profundamente o séc. XX. Apenas Lênin, o dirigente daquela revolução, está à altura dos pais do socialismo científico. Entendemos que Leon Trótsky e o trotskysmo são um desvio do justo caminho trilhado por Marx, Engels e Lênin. Trótsky esteve a maior parte da vida politicamente contra Lênin. Apenas aceitou a teoria do partido de Lênin em 1917, sendo que aquela teoria data de 1902 (O Que Fazer). Aderiu à revolução russa e dirigiu o exército vermelho, bem como o Soviet de Petrogrado. Mas já em Brest-Litoviski causou enormes males à revolução ao não seguir a recomendação de Lênin e assinar a todo custo o tratado de paz. Antes de aderir ao bolchevismo, havia utilizado palavras duras com relação à Lênin. Chamou-o de Robespierre o que equivale a jacobino, pequeno-burguês. Lênin nunca demonstrou afeto a seu novo aliado, olhou para Trótsky com reservas, ainda que reconhecesse a sua inteligência – em seu testamento final considerou Stálin e Trótsky como os mais capazes. De todo modo, falta à Trótsky a generosidade e o espírito de humildade que estão indissociados do igualitarista (e todo comunista é um igualitarista) e são observados em Lênin. Mesmo nas páginas apologéticas de Deutscher, ficamos sabendo como Trótsky era injustificadamente duro com seu filho Liova, seu correspondente político na França durante os anos de exílio na Turquia. Exigia o impossível do filho, censurava-o amargamente nas cartas. O temperamento carrancudo de Trótsky parece ter contaminado os seus seguidores. Quem já militou com trotskystas sabe que, diante das enormes diferenças entre eles, o que unifica o grupo é a rabugice, a antipatia e a falta de generosidade dentre seus militantes. Mas este, o temperamento, não é, é claro, o maior problema. O trotskysmo do PSTU está contra a Revolução Cubana de 1959, por exemplo. Hoje dizem ter havido total restauração capitalista em Cuba e com isso justificam frente único com os gusanos de Miami para restaurar a democracia burguesa e o capitalismo em sua face mais violenta. O trostkysta comumente não se envergonha de tão ostensivamente fazer frente com o imperialismo. É assim em Cuba, na Ucrânia e na Síria.
E quanto à Stálin?

Pois, certamente também é Stálin um desvio da justa linha trilhada pelo marxismo-leninismo. Faltou a Stálin a grandeza de Lênin que, em vida, jamais permitiria o “culto à personalidade” – seu ascetismo era tamanho que sequer aceitava presente de trabalhadores e envergonhado despachava os presentes de volta. As deformações do estado soviético não nos autorizam em falar em “revolução política” contra a burocracia em 1939! Esta foi uma política contra-revolucionária e aqueles que hoje não são fiéis à revolução cubana seguem o mesmo caminho de seu “profeta”.       

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

“Quincas Borba” – Machado de Assis

Resenha livro #104 - “Quincas Borba” – Machado de Assis – Ed. Ática



Machado de Assis foi da espécie rara de escritores brasileiros que galgou reconhecimento literário ainda em vida. E, no caso de Machado, tal reconhecimento seria particularmente especial e atípico. O escritor nasceu em 1839 no subúrbio do Rio de Janeiro. Mulado e neto de escravo alforriado, além de gago, alcançaria o prestígio nas letras, vencendo os enormes preconceitos raciais da sociedade do segundo império.

Em 1855 publica seu primeiro trabalho, a poesia “A Palmeira” na “Marmota Fluminense”  e a partir de 1858 inicia intensa colaboração em jornais e revistas da capital. E cerca de 40 anos depois, em 1897, seria eleito presidente da Academia Brasileira de Letras. O que ocorre ao longo destes 40 anos? Certamente, não há uma virada brusca em direção ao sucesso, mas antes um longo processos de amadurecimento e criação de um estilo próprio, peculiar.

A crítica costuma, todavia, dividir a obra machadiana em duas fases. A primeira fase aproxima-se no estilo dos traços do romantismo, mais especificamente, do romantismo em sua 3ª fase. Rompendo com a linha byronista da qual Álvares Azevedo foi o mais conhecido representante, o novo romantismo volta-se para a análise social, para a descrição das sociedades burguesas da qual a França de fins do séc. XIX seria um importante modelo. A segunda fase, a fase “madura” de Machado de Assis, avança do romantismo em sua fase social para o realismo, propriamente. No romance, o ponto de virada encontra-se em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), um trabalho original e até experimental para os padrões da época. A partir daqui tem-se o Machado de Assis em sua plena maturidade, revelando-se sua arguta análise psicológica das personagens, as sondagens da alma feminina, a ironia sutil, o humor pessimista, a temática do adultério e recursos particularmente machadianos, como os “fashbacks” e a prática de dialogar diretamente com o leitor de modo que o narrador, em Machado de Assis, não se oculta diante dos fatos narrados, ainda que a objetividade realista (em contraponto ao subjetivismo romântico) ainda se faça presente.

“Quincas Borba” foi publicado em 1891 e insere-se na chamada fase madura do autor. Dentro deste grupo também estão “Dom Casmurro” (1899) e “Essaú e Jacó” (1904).

Machado de Assis foi também importante cronista e contista. As suas histórias oferecem um desenho da sociedade do segundo Império, em particular a sociedade burguesa e urbana, repleta de bacharéis, médicos, políticos, militares, comerciantes, capitalistas, sinhás e escravos. “Papeis Avulsos” (1882) é considerado pela crítica como um divisor equivalente (para os contos) ao “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. É desta compilação de contos o “Alienista”, história que tem como tema central a loucura e que seria retomada em “Quincas Borba”.

A história trágica de Rubião, que de herdeiro universal de um amigo rico e milionário de Barbacena, termina abandonado pelos amigos e conhecidos à medida que se exaure sua riqueza e a sua consciência, história bem ao gosto machadiano, que confunde o riso e o choro, é uma história trágica e cômica. Ressalta-se sempre a motivação pecuniária e o interesse material como elementos constituintes das relações sociais: este é o eixo da crítica de costumes. A crítica da sociedade burguesa, a hipocrisia do matrimônio que esconde dentro de si múltiplas formas de traição, real ou imaginária, todos estes elementos se fazem presentes em “Quincas Borba”.

O capitalista Palha externa ao máximo aquela tendência egoísta do homem: quando lhe convém, trata o rico Rubião com cortesia e tira proveito ao máximo dos bens do amigo. Chega mesmo a olvidar o assédio de Rubião junto a sua esposa Sofia, desde que aquele interesse (pecuniário) o levasse a manter bom termo junto ao amigo. À medida que o dinheiro vai se acabando e Rubião vai dando mostras de perder o juízo, sua ruína vai se revelar em primeiro lugar pelo abandono de Palha, e dos demais amigos dos dias de fartura. O único que lhe resta é o cão, único ser vivo efetivamente fiel na história – ou, além do Cão, o finado Quincas Borbas, que morreu demente.

O que resta de interessante a realçar é o fato de Machado de Assis não revelar sua maestria a partir de histórias cujo enredo impressionam pela imprevisibilidade, pela intensidade dos conflitos, pelas reviravoltas. Há algo de previsível na narrativa machadiana, o que não afasta sempre o interesse do leitor. Ocorre que é da banalidade que Machado extrai suas melhores reflexões e tiradas filosóficas. Basta aqui pensar na história banal e medíocre de Brás Cubas, o que não deixou de engendrar um dos mais belos capítulos de nosso romance.

Quem resume bem tal atitude é o poeta Carlos Drummond de Andrade num poema dirigido ao mestre do Cosme Velho:

“Olhas para a guerra, o murro, a facada

Como simples quebra da monotonia universal”.   

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

“Formação do Brasil Contemporâneo” – Caio Prado Júnior

Resenha livro #103 “Formação do Brasil Contemporâneo” – Caio Prado Jr. – Ed. Brasiliense



“Pessoalmente, só compreendi perfeitamente as descrições que Eschwege, Mawe e outros fazem da mineração em Minas Gerais depois que lá estive e examinei de visu os processos empregados e que continuam, na quase totalidade dos casos, exatamente os mesmos. Uma viagem pelo Brasil é muitas vezes, como nesta e tantas outras instâncias, uma incursão pela história de um século e mais para trás. Disse-me certa vez um professor estrangeiro que invejava os historiadores brasileiros que podiam assistir pessoalmente às cenas vivas do seu passado”.

A primeira edição de Formação do Brasil Contemporânea data de 1942. Originalmente, tratava-se de um primeiro volume de uma história do Brasil que partisse das nossas raízes coloniais ao momento “contemporâneo”. Infelizmente, todo o projeto não chegou a ser executado ainda que esta formação tenha ficado para a historiografia brasileira como uma das mais importantes obras acerca do Brasil colônia.

A abordagem das diversas facetas daquela história (o povoamento, as raças, a economia, o comércio, as vias de comunicação, etc.) terá sempre como ponto de partida a história que vai do descobrimento até fins do séc. XVIII e início do XIX, alguns anos antes da independência (1822). O que o historiador constata após exaustiva pesquisa sobre nossa economia, sociedade e instituições políticas é que o Brasil do início dos XIX expressa uma verdadeira síntese dos 3 séculos anteriores. Mais, o Brasil que Caio Prado enxerga em seus dias, o “Brasil Contemporâneo”, em muito ainda revela daquela realidade colonial, em particular naquilo de que mais essencial consistiu a nossa colonização, qual seja, a conformação de uma economia dependente, inteiramente voltada (e subordinada) aos centros metropolitanos – mais recentemente, utilizar-se-ia o termo imperialismo, significando de todo jeito aquela vinculação e dependência da nossa economia aos mercados estrangeiros consumidores de matérias –prima, produtos agrícolas (no Brasil em destaque o açúcar e o algodão) e os metais preciosos.

Para todos os efeitos, uma primeira e decisiva questão que surge ao leitor desta formação do Brasil implica na atualidade ou não das teses discutidas por Caio Prado. O historiador é muito minucioso e busca encarar nossa história (como não poderia deixar de ser) contemplando seu caráter multifacetado, ainda que delineando alguns elementos comuns – estes denominados como “sentido da nossa colonização”. O sentido da colonização brasileira diverge da experiência norte-americana e as duas histórias são comparadas justamente para realçar as especificidades de cada processo histórico. Os colonos das zonas temperadas buscavam territórios com condições parecidas com a europeia – muitos vinham em função de perseguições religiosas e instalaram, em todo caso, uma colônia de povoamento. Ora, o mesmo não ocorre nos trópicos. O perfil do colonizador aqui é menos a do grupo familiar e mais a do aventureiro, menos a do povoador de um novo mundo e mais a de um explorador em busca de rápido retorno financeiro.

“O sentido da colonização” volta-se ao atendimento dos interesses comercais portugueses e é com base neste comércio – já antes explorado pelos lusitanos nas índias – que se conformará toda estrutura social, política, administrativa, etc. A colônia nada mais é do que uma empresa comercial destinada exclusivamente à grande exportação. Como um “resquício” deste passado colonial, enxerga-se a ausência de preocupação pela metrópole em desenvolver internamente sua colônia. No máximo surge a preocupação de algum povoamento que garanta o domínio lusitano, em risco já no séc. XVI pelos franceses.

O trabalho segue o seguinte esquema. No capítulo “Povoamento”, discute-se o processo de ocupação do território – predominante, conforme o arranjo econômico colonial, no litoral. É no litoral onde estão os portos por onde sairão o pau-brasil, o açúcar, o algodão, o cacau, a prata e o ouro. E o açúcar – primeira forma de exploração extensiva do território – casava-se com o solo e o clima do litoral nordestino. O povoamento do interior apresenta como principais propulsores o cultivo do gado – que se alastra pelo interior nordestino seguindo a trajetória dos rios e posteriormente o sul – e a mineração. Certamente, a intervenção dos bandeirantes bem como as missões religiosas abriram novos caminhos e também são fatores que engendram o povoamento interior.

No capítulo da “Vida Material”, Caio Prado Júnior serve-se de vasta documentação (relatos de viajantes, cartas de governadores de provinciais, algumas estimativas estatísticas, etc.) para discorrer exaustivamente sobre nossa economia (a grande lavoura com uma importância maior e a pequena agricultura de subsistência, com importância bem menor e inteiramente dependente da primeira). Estuda-se a mineração, a pecuária e as produções extrativas: estas últimas são as que predominam no norte, contando com o apoio do indígena. Há finalmente capítulos sobre artes e indústrias, que eram muitíssimo pouco desenvolvidas no país, tanto as técnicas na agricultura que reproduziam as práticas de três séculos, quanto na mineração, também efetivada sem qualquer conhecimento técnico. Isso para não falar da virtual falta de escolas, universidades e, consequentemente, de gente na administração com competência específica para solucionar enormes desafios ligados a um país de vasta extensão e de dificílima comunicação interna.

Finalmente, em “Vida Social”, discute-se nossa organização social – da qual o trabalho escravo é o elemento essencial e a base sobre a qual se enceta algumas características particulares, como o horror ao trabalho, visto como coisa de escravo negro. (E aqui temos mais uma diferença com as colônias de povoamento, ao menos, do norte dos atuais EUA, onde predomina o trabalho livre).

Discute-se nossa administração interna, marcada por um emaranhado de leis, muitas vezes contraditórias e sem uma coerência dentre as normas. Havia mesmo dificuldade de engajar pessoas para as tarefas da administração que se confundiam na figura de juízes não togados, governadores (em geral, os donos dos latifúndios), membros do fisco real. Com estas condições, grassava no país a corrupção na administração, o que é reiterado mais de uma vez pelos viajantes que por aqui passaram. Importante destacar o papel da Igreja que foi, na colônia, como uma parte da administração. Ou seja, as tarefas administrativas eram delegadas também aos membros do clero até porque eram eles os poucos que tinham alguma escolaridade.

“Formação do Brasil Contemporâneo” é uma radiografia exaustiva e profunda de nosso passado colonial. A tese defendida pelo autor é a de que o Brasil do passado ainda é o Brasil do presente, ao menos em aspectos fundamentais, como no que se refere à dependência econômica ou na corrupção administrativa. Se podemos localizar em alguns aspectos maiores ou menores avanços – como no que se refere ao desenvolvimento das comunicações e da integração do território nacional – fica a sensação de que o “sentido da colonização” ainda permanece vivo no Brasil do séc. XXI, um país semi-periférico do capitalismo, com importante pauta de exportação de commodities e dependente dos grandes centros financeiro do capitalismo globalizado. 

Infelizmente, “Formação do Brasil Contemporâneo” ainda é um livro atual.        

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

“Classes Sociais e Movimento Operário” – Edgar Carone


Resenha Livro #102 “Classes Sociais e Movimento Operário” – Edgar Carone – Ed. Ática



Edgar Carone foi importante historiador marxista brasileiro, morto em 2003. Foi simpatizante do PCB e, como historiador, reuniu vasta pesquisa de documentos do partido, além de entrevistas com importantes dirigentes comunistas, como Astrogildo Pereira (primeiro secretário-geral do PCB), Leôncio Bausbaum e Luiz Carlos Prestes.

Carone formou-se e foi professor do curso de História da Universidade de São Paulo, na área de História do Brasil. Escreveu uma História da República Velha (1889-1930), da República Nova (1930-37), do Estado Novo (1937-1945) e da República Liberal (1945-1964).

Este trabalho trata da história política do movimento operário brasileiro, dos seus antecedentes históricos que remontam ao início da industrialização no Brasil ainda no séc. XIX, indo até 1930, ou mais especificamente, até a revolução de outubro de 1930, que colocaria Getúlio Vargas e uma nova fração da classe dominante (organizada na “Aliança Liberal”) no poder.

Na verdade, o foco, o objeto do estudo de Carone, neste livro, é algo mais específico que a nossa classe operária durante a chamada República Velha. O que o historiador busca iluminar são os momentos mais conscientes do ponto de vista político no âmbito da gênese de nosso movimento proletário. E como não poderia deixar de ser, este elemento consciente da classe traduz-se do ponto de vista organizativo no Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922.

O trabalho está dividido em três partes.

A primeira parte é introdutória e oferece o backgound histórico. Aborda-se a co-relação de forças entre as classes sociais no país, destacando-se a gênese do movimento operário bem como o desenvolvimento de uma burguesia nacional, ligada à industrialização a partir de uma relação de subordinação junto ao imperialismo, primeiro inglês e depois norte-americano. Logicamente, além destas duas classes e da pequeno-burguesia urbana, há as tradicionais oligarquias, que dominam o país econômica e politicamente desde o tempo do Império, lançando mão do controle direto do poder a partir da república (1889).

No que se refere à classe operária, destaca-se como o Brasil, assim como os demais países latino-americanos e diferentemente dos países europeus, praticamente não tinha qualquer lei de amparo ao trabalhador. A atitude do estado frente à questão operária é eminentemente repressiva: greves e mobilizações são registradas no Brasil já no séc. XIX e inícios dos XX, sendo reprimidas pela polícia e contanto com a expulsão do imigrante europeu, responsabilizado por trazer ao país “ideias subversivas”.  Outrossim, a título de comparação, vale mencionar as datas leis sociais nos países: criação do ministério do trabalho, Brasil (1930), Argentina (1907) e Inglaterra (1887). Lei de Acidente de trabalho: Brasil (1919), Peru (1906) e Áustria (1887). Previdência Social Alemanha (1883) e Uruguai (1915).

A segunda parte do texto denomina-se “Os anos 20: o PCB (1ª fase, A consolidação, 1922-1925)”. Como se sabe o partido comunista brasileiro foi fundado em 1922 já algum tempo depois do partido comunista argentino (1919). O que pouco se sabe é que já havia no país alguns pequenos núcleos de inspiração socialista e revolucionária, havendo uma tentativa mal sucedida de formação de um partido comunista ainda em 1919. O elemento decisivo que irá contribuir para o esforço de organização partidária virá de fora: a experiência da revolução russa em 1917 faria com que muitos aderissem ao comunismo. É o caso do primeiro secretário geral Astrogildo Pereira, que veio das fileiras anarcossindicalistas, assim como muitos outros que viriam a conformar o PCB.

Pode-se delimitar bem três grandes tendências dentro do movimento operário brasileiro durante os primeiros 20 anos do séc. XX. Há as tendências anarcossindicalistas ou simplesmente sindicalistas, que derivam das ideias libertárias trazidas pelos imigrantes italianos e espanhóis. Com importante presença no início de nosso movimento, os anarquistas vão perdendo espaço ao longo dos anos 1920 até praticamente desaparecerem enquanto corrente expressiva do operariado em 1930. Outra vertente é a dos chamados sindicatos amarelos, de matriz reformista, quando não patronal, ou católicos. Alguns agrupamentos são criações da própria oligarquia para dividir e enfraquecer os trabalhadores. Estes sindicalistas “amarelos” serviam como meio de manobra das classes burguesas, como durante a “participação” de sindicalistas pelegos nos fóruns do BIT, órgão criado pela Liga das Nações para iniciar movimento de regulamentação do trabalho, não como forma de emancipá-lo, mas de controlá-lo e contê-lo em sua força de mobilização. A participação neste fórum foi duramente combatida pelo PCB denunciando o caráter imperialista daquela associação internacional.

A terceira parte trata da 2ª fase de vida do PCB (1925-27). Pode-se dizer que entre 1920-30, em que pesem alguns “rachas”, o PCB permanentemente cresce em tamanho e importância. Certamente foi uma tarefa árdua a dos pioneiros do comunismo brasileiro. Com a lei Celerada (1927) há uma intensa perseguição aos comunistas e aos operários, restringindo o direito de associação e de expressão. Na verdade já antes no governo Arthur Bernardes,  marcado pelo estado de sítio, a perseguição aos comunistas implicava em prisões de dirigentes, fechamento dos jornais e enormes dificuldades de organização.

Um outro problema que os comunistas terão de lidar a partir de 1922 e 1924 é com as revoltas tenentistas. 

Os comunistas viam aquele movimento dos tenentes como uma fração revolucionária da pequeno-burguesia. Os tenentes não tinham uma plataforma única e coesa e as diferenças políticas entre as próprias lideranças (entre, por exemplo, um Juarez Távora e um Luiz Carlos Prestes) apenas ficaria evidente posteriormente, no exílio. De toda forma, tratava-se de um movimento eminentemente militar, mais especificamente ligado aos estratos de baixa patente, que lutava pela moralização da política, pelo voto secreto, contra as manipulações fraudulentas das eleições. Posteriormente, uma tendência mais socialista seria observada em torno de Luiz Carlos Prestes que paulatinamente vai entrando em contato com ideias de esquerda e marxistas no exílio – Astrogildo Pereira e Leôncio Bausbaum, ambos dirigentes do PCB, viajaram ao exterior para discutir política com o “Cavaleiro da Esperança”. Em 1929 os comunistas chegariam a oferecer o posto de candidato à presidente da república pelo PCB a Prestes, convite não aceito por Prestes uma vez que este ainda se via obrigado a se centralizar junto aos seus companheiros tenentistas. Será porém breve esta hesitação: muitos ex-tenentes se envolvem na Aliança Liberal que nada mais era do que uma fração oposicionista da mesma oligarquia que comandava o país. Isso provoca o rompimento de Prestes com muitos de seus antigos companheiros.

Finalmente, a terceira e última fase do partido comunista brasileiro é que vai de 1927 a 1930. Uma versão muito difundida na historiografia é a de que o PCB bem como os demais PCs latino americanos nada mais foram do que linhas de transmissão de uma política definida em Moscou pela Internacional Comunista (ou III Internacional). Edgar Carone mostra como se trata aqui de uma meia verdade. Na verdade, entre 1922 e 1927, há uma relativa autonomia programática do PCB, em que pese a observância das linhas mestras delineadas pela IC. Será entretanto a partir de 1927, com o recrudescimento do stalinismo, que a Internacional, por meio do seu Bureau para América Latina, não só buscará controlar mais diretamente os PCs como, no caso do Brasil, este seria alvo de importantes críticas – que provocariam a defecção de sua direção entre 1930-34.

Será a partir do 6º Congresso da IC que haverá um giro “obreirista” e a definição de uma nova política, antes baseada na ideia de frente ampla anti-fascista, agora baseada no esquema “classe contra classe” com fortes denúncias da social-democracia reformista.

No que se refere à experiência brasileira, as críticas da IC se dão em torno do Bloco Operário-Campones, que deveria ser coordenado e dirigido pelos comunistas, mas que, no Brasil, abria espaço para oportunistas, diminuía a importância do partido, além de ressaltar exclusivamente o trabalho eleitoral. O “obreirismo” recomendava a conformação de uma direção comunista efetivamente proletária enquanto se sabia que no Brasil eram intelectuais pequeno-burgueses que dirigiam os trabalhos.  Esta crise iria perdurar no PCB até 1934. Entretanto, Carone encerra sua análise em 1930.


O que é certo é que a história do movimento proletário brasileiro confunde-se com a história de nosso movimento comunista, pelo menos nas suas origens históricas – afinal, infelizmente, hoje a história do movimento organizado dos trabalhadores é a história do peleguismo cutista e da força sindical, cabendo aos comunista relevância secundária. Sintomaticamente, porém, combinam-se a história do movimento comunista brasileiro e de nosso movimento proletário, sendo a fração comunista aquela que, já no início do séc. XX, tinha uma visão mais apurada sobre a sociedade brasileira, sobre a economia capitalista e a luta entre as classes. Esta falta de visão social de mundo que tanto faltou aos tenentes era parcialmente suprida pelo PCB.    


sábado, 1 de fevereiro de 2014

“O Avesso do Trabalho” – Vários Autores


Resenha Livro #101 “O Avesso do Trabalho” – Ricardo Antunes e Maria Moraes Silva (Orgs.) – Ed. Expressão Popular



O Avesso do Trabalho é o 1º de três volumes publicados pela Ed. Expressão Popular referentes ao mundo do trabalho no Brasil. Esta primeira edição teve como organizadores o prof. da Unicamp Ricardo Antunes e a profª Maria Aparecida Silva, docente da Unesp/Araraquara.
O fio condutor que perpassa todos os artigos refere-se à nova morfologia do mundo do trabalho re-desenhada a partir de uma série de fenômenos sócio-econômicos no capitalismo mundial, a partir da década de 1970. Chama-se este fenômeno de reestruturação produtiva do capitalismo, marcado pela “acumulação flexível” (Harvey), corespondendo a um novo alinhamento técnico-institucional tanto das empresas quanto da organização do trabalho.
A reestruturação produtiva capitalista tem como ponto de partida o início de uma crise estrutural no sistema: seu marco é a 1ª crise mundial do petróleo em 1973. Esta crise estrutural, segundo autores como Mézaros e o próprio Ricardo Antunes, ainda mostra-se presente nos dias de hoje. Sua marca decisiva é o definhamento do Estado de Bem Estar Social do pós-guerra, a desregulamentação da economia, as privatizações e a emergência (também em nível mundial) do neoliberalismo.
No que se refere especificamente ao mundo do trabalho, a reestruturação produtiva introduz novas tecnologias (informáticas, telemáticas e comunicacionais) que promovem importantes alterações na organização e divisão do trabalho.
O tradicional modelo fordista marcado pela grande produção, a massiva concentração operária e a realização de trabalhos repetitivos – modelo muito bem ilustrado no filme “Tempos Modernos” de C. Chaplin – vai sendo transformado em direção ao novo modelo japonês (toyotismo). Na nova morfologia do trabalho, ao contrário do esquema fordista, a quantidade de trabalhadores na fábrica não é mais um indício de grandeza e força econômica das empresas – há a redução da força de trabalho e maior concentração de tarefas, aumentando a produtividade e intensificando o trabalho.
Trata-se agora de reduzir custos, diante da acirrada competição entre os capitalistas, dada a mundialização econômica. A produção de mercadorias em massa é transformada no modelo “Just in time”, em que a produção é limitada pelas oscilações do mercado. A introdução de novas máquinas e tecnologias implica na redução dos postos de trabalho e no desemprego estrutural. Ao invés de uma única tarefa repetitiva, os trabalhadores são forçados a executar cada vez mais tarefas: exige-se maior produtividade de cada trabalhador e este fenômeno é observado de forma geral nos mais distintos ramos da economia, da indústria calçadista ao trabalho dos bancários.
Este primeiro volume apresenta oito ensaios distintos, cada um analisando um aspecto do multifacetado fenômeno da reestruturação produtiva e em particular do novo arranjo organizativo do trabalho.
Maria Aparecida Moraes Silva faz uma análise dos trabalhadores ultra-precarizados dos canaviais paulistas – sua pesquisa de campo voltou-se às condições dos trabalhadores dos canaviais de Ribeirão Preto (SP). Trata-se de uma das mais ricas cidades do interior paulista. E ainda assim, em plenos anos 2000, são denunciados trabalhos equiparados ao trabalho escravo: a mão de obra é recrutada das regiões mais pobres do país, como o Vale do Jequitinhonha no norte de Minas Gerais. As condições de alojamento são ultra-precárias, alimentação reduzida e os patrões se servem do endividamento dos trabalhadores para controlar esta mão de obra. A mídia noticiou o uso de crack por estes trabalhadores, indício da precarização do trabalho e da vida. O trabalho é extenuante e todo ele é feito na informalidade, contando inclusive com a participação de crianças. Certamente, esta imagem contrasta bastante com o que é propagado acerca do agronegócio pela mídia patronal. O fato é que novas tecnologias e pesquisas agroindustriais de ponta estão associadas às formas mais arcaicas e brutais de exploração da mão de obra.
Outro ensaio abordará o problema da indústria de calçados de couro de Franca (SP), também, aqui, sinalizando a co-existência de modernidade e atraso, novas tecnologias de produção e recrudescimento de formas antigas de super-exploração, como o trabalho de mulheres e crianças no domicílio. Há um interessante estudo acerca dos brasileiros que migram ao Japão para lá trabalhar nos mais precários trabalhos na indústria automobilística. Há estudo sobre o trabalho bancário e sua nova morfologia diante das transformações no mundo financeiro com o neoliberalismo – em especial a privatização dos bancos. Há também um estudo bastante interessante desde o ponto de vista da sociologia do trabalho acerca do trabalho dos caminhoneiros. Esta análise implica, entre outros, na discussão sobre a divisão sexual do trabalho e as dificuldades das mulheres atuarem num ramo ainda muito associado à figura do homem – a ponto de encomendadores rejeitarem o serviço de uma caminhoneira pelo fato de ser mulher.
O último ensaio “Qualidade Total e Informática: a constituição do novo “homem-máquina” de Simone Wolf volta-se menos à análise específica de alguma realidade do trabalho e faz uma análise crítica sobre os suportes ideológicos que sustentam a nova configuração do trabalho. A importância aqui reside em sinalizar como devem os trabalhadores resistir diante de uma nova reconfiguração do trabalho marcada pela cooptação e pressão no sentido do trabalhador assimilar e reproduzir os valores e interesses dos patrões. O que se percebe é que por de trás de projetos de “participação” dos operários na organização da produção, o que está por trás de tal movimento é menos um esforço em “democratizar” a empresa e mais aumentar a exploração fazendo com que o trabalhador assuma mais responsabilidades (e mais trabalho), além de haver um claro escopo ideológico no sentido de atenuar as tensões e antagonismos de classe. Certamente, a resistência a esta situação deve passar pela esfera subjetiva, e é papel dos sindicatos e ativistas fazerem a crítica a sistemas produtivos precarizantes como PQT (programa de qualidade total).

De outra monta, a reestruturação produtiva se apoia no desemprego estrutural para pressionar e disciplinar a força de trabalho. A redução da mão e obra e a intensificação das jornadas de trabalho estão associadas com este novo desenho institucional das empresas engendrados pela mundialização do capital. Mais do que nunca, passa a ser necessário voltar os olhos tanto para as fábricas quanto para os enormes contingentes de “excluídos” que cumprem o papel de “exército de reserva” do capital.