quinta-feira, 27 de agosto de 2015

“A Guerra de Hugo Chávez Contra o Colonialismo” – Núnzio Renzo Amenta

“A Guerra de Hugo Chávez Contra o Colonialismo” – Núnzio Renzo Amenta




Resenha Livro - 187- "A Guerra de Hugo Chávez Contra o Colonialismo - Núnzio Renzo Aumenta  - Ed. Expressão Popular

Frequentemente, observamos uma interface entre jornalismo e história contemporânea. Trata-se de momentos em que um observador se propõe a narrar acontecimentos que acabem se desdobrando em eventos de proporção histórica (eventualmente a sua revelia), exigindo um trabalho a posteriori de contextualização que situe os fatos observados, as entrevistas feitas, as imagens e fotografias tiradas a primeira mão (elementos jornalísticos) com dados referentes à economia, índices de crescimento econômico, características dos produtos de exportação/importação, dados da sociologia, a estrutura social e de classes, a conformação histórica, eventualmente de origem remota, enfim, todos estes lances que remetem à conformação histórica, sem a qual a narrativa se reduzirá somente a uma simples reportagem superficial, a um relato de fatos, eventualmente importante, mas sem uma densidade teórico-metodológica que tenha o condão de fazer o leitor compreender mais a fundo os acontecimentos.
O livro do italiano Núnzio Renzo Amenta é um livro reportagem que se aventura a passar pela supracitada interface entre história e jornalismo investigativo. A pauta de sua matéria é o Golpe de Estado contra o governo Chávez desferido em 11 de Abril de 2002 – uma ação movida por militares da alta cúpula, o grande empresariado, as chamadas “4 irmãs”, qual seja as 4 principais redes de televisão que tiveram um papel central ao ponto de muito considerarem aquele um golpe midiático. Ademais, constata-se que a Igreja Católica naquele país tem uma tendência muito mais conservadora, reacionária e antipopular do que no Brasil (se imaginarmos o peso da CNBB e sua opção pelos pobres) com relevância da Opus Dai, sendo certo o seu apoio ao golpe de estado anti-chavista. O golpe teve também apoio da Fedecamaras (Federação Venezuelana de Câmaras de Comécio) que meses antes ajudara agitar movimentos de greves patronais para desestabilizar o governo: seria o presidente deste instituto o autonomeado presidente após a retirada de Chávez do Palácio de Miraflores.
Todavia, para se compreender melhor todos estes acontecimentos, talvez seja válida uma exposição sumária do roteiro político venezuelano e seu histórico. Após o exaustivo estudo, Núnzio Renzo qualifica o regime venezuelano de Colonialismo Interno (enquanto o colonialismo externo é uma forma de dominação de uma dominação de um país pelo outro, lá dá-se uma o mesmo com uma oligarquia branca que lesa e vende o país ao imperialismo a troco de corrupção, como se observa na gestão da PDVSA, por ex.). Chávez seria uma primeira expressão de guerra contra o domínio do colonialismo interno.
Regimes políticos corruptos e oligarcas remontam ao ditador Marcos Jimenes dos anos 1950: após um governo ditatorial é derrubado pelas forças armadas e os civis elaboram uma nova constituição. Todavia a situação social permaneceu a mesma com a classe política enriquecendo desmedidamente junto ao setor empresarial e nenhum direito aos cidadão comuns. Sindicatos corruptos, analfabetismo generalizado e alta taxa de mortalidade infantil marcam o período. Cria-se um situação de barril de pólvora que irá detonar no “Caracaço” (27.02.1989), um levante do povo pobre das favelas poucos meses após a reeleição de Carlos Andrés Péres

“A perda do poder de compra da moeda, as especulações dos poderosos com bens acumulados, perspectivas de desenvolvimento nulas, trabalhadores sem emprego aos montes, caos nas instituições, chantagens dos políticos à empresa, comissões nas licitações públicas e aduanas, são só alguns ingredientes. Os políticos ladrões e corruptos confiaram no uso da força pública e das forças armadas, sobretudo porque eram comandadas por pessoas corrompidas; mas se esqueceram que ao fim elas são compostas pelos filhos do povo pobre e humilde. Naquele dia Caracas e seus arredores foram saqueados.  A fúria das pessoas se manifestou de repente enquanto os políticos buscavam desesperadamente uma saída. A saída inevitável foi recorrer ao exército e reprimir o motim com fuzis. Milhares foram mortos e feridos e desapareceram do nada.”

A tática espontânea dos saques e destruição ocorreu com a fúria da população quando se descobriu a grande mentira emitida pelos meios de comunicação e pelos golpistas que Chávez havia renunciado – uma soma de milhares desceram as ruas de Caracas e prometeram “destruir a cidade” caso não restituíssem o presidente. O que é motivo de cogitação aos marxistas é que tais levantes populares são sempre espontâneos, parte ou têm origem nos bairros populares e não contam com a direção de partidos comunistas ou com afinidade marxista.

Continuando a linha da evolução história, o surgimento de Hugo Chávez em rede nacional dá-se com a fracassada tentativa de golpe em 02.02.1992 dirigindo o movimento MBR 200 – Chavez dá um depoimento em rede pública nacional assumindo toda responsabilidade pelo movimento e chamando companheiros que ainda resistiam em armas a renunciar a luta diante a impossibilidade da vitória. Diante da insatisfação popular do governo neoliberal de Carlos Andrés Péres, Chávez e seu movimento foram derrotados nas armas mas saíram vitoriosos politicamente.

A Conquista da presidência deu-se em torno do Movimento pela Quinta República numa coligação junto ao Polo Patriótico. A vitória deu-se nas eleições no fim de 1998 e vitória dos chavistas foi de 56%. A primeira medida da presidência foi a votação de uma assembleia nacional constituinte para aprovar uma nova constituição, medida que foi aprovada pela maioria esmagadora da população com o voto “sim” em que pese toda o peso e propaganda contrária da oligarquia e dos meios de comunicação. O próprio Chávez revela a importância estratégica da constituinte em um discurso:

“Já que tenho um compromisso com o povo, decidi adiantar a assinatura do decreto que convoca o referendo (pela Assembleia Constituinte). Não esperarei até 15 de fevereiro, como já disse. Não, há um clamor pelas ruas, é um clamor do povo. Assim, dentro de poucos minutos, no palácio do governo de Caracas, Miraflores, juramentei aos membros do gabinete em seguida convocarei o primeiro Conselho Extraordinário de ministros. Hoje mesmo, antes de sair do palácio para o encontro popular em Los Proceres (Avenida dos desfiles em Forte Tiuna) assinarei o decreto presidencial chamando o povo venezuelano para o referendo”

Reivindicar o ponto de vista marxista não significa deixar de ter um olhar crítico ao setor político com quem nos identificamos e reservar a carga de munição crítica ao adversário. O Marxismo é meio de interpretação e intervenção sobre a realidade considerada em sua totalidade. Nesse sentido, não é demais destacar o que parece ser óbvio: o movimento do governo no sentido de adiantar referendo parece ter como escopo aproveitar a popularidade do novo presidente desde as eleições. Oportunista? Acreditamos que apenas seria uma manobra oportunista se estivesse sendo cometida entre aliados de um mesmo campo político, e não entre inimigos ferrenhos de uma luta, nos termos do autor, anti colonialista.

Finalmente tem-se em 11 de Abril de 2002 um golpe de estado arquitetado pela elite empresarial, setores vendidos das forças armadas que traíram o país, a Igreja e especificamente a Opus Dai e com intervenção direta dos EUA. Muito se tem dito a respeito de ter sido um golpe midiático.  O fato é que foi suprimido pelos golpista o único canal estatal com que os chavistas pudesse contar a verdade dos fatos. E uma ação dramática e revoltante ocorreu aos arredores do palácio de Miraflores que chega a chocar e enojar não só chavistas mas o mais simples democratas só pode ser bem sucedida numa ação orquestrada com a mídia antichavista.

Os golpistas agitaram através das redes de televisão uma marcha junto ao palácio do governo para pedir a saída de Chávez do poder, se servindo das velhas cantilenas: Chávez quer instaurar um regime comunista junto a Cuba de Fidel; Chávez recebe armas de Cuba; Chávez é autoritário e persegue a oposição; Chávez abriu as fronteiras da Colômbia para as Farcs. Quando oposicionistas marcham até o palácio, franco-atiradores do campo golpista passam a atirar e matam pessoas na passeata – num ato friamente planejado que então utilizarão inimigos de chaves para confundir a opinião pública e responsabilizar Chávez pelas mortes. Mesmo alguns aliados do presidente legítimo iriam vacilar até descobrirem a mentira por detrás de toda esta história.

“Em nenhum país do mundo eu havia visto um emprego tão desleal dos meios de comunicação como na Venezuela, onde em nome da muito abusada liberdade de em imprensa, é permitido mentir, caluniar impunimente e incitar a violência. Na Venezuela, a apologia aos crimes é o esporte preferido  da oposição e todos eles se sentem no dever de difundir golpes e atentados como se fossem brincadeiras de criança”. 

Há diversas outras passagens ao livro de Amenta dignas de nota. A resistência popular ao golpe com a organização de milícias bolivarianas e a mudança de lado ruma a legalidade dos oficiais dentro do “Plano Restituição da Dignidade”. A saída apenas momentânea dos golpistas mas a sua insistência em paralisar o governo com a volta da legalidade. O problema estrutural do racismo na Venezuela. O que se observa é que aquele país passou e passa por uma convulsão com chegada no poder de forças políticas ao menos não formalmente escreva aos velhos esquemas de corrupção e burocracia com base em favores pessoais. A radicalidade política da oposição revela também a ambição de mudanças do governo Chavista e desmente certo posicionamento que procura descarta-lo como um reformista ou, pior, populista, o que é comum nas análises trotskystas.

Talvez o erro esteja em considerar que a origem do socialismo venha de governos e não de revoluções. Desde governos existem trincheiras de batalhas, frentes de lutas de classes, e em Abril 2001, a classe trabalhadora e o povo venezuelano podem dizer a pelos pulmões que venceram uma batalha importante contra a burguesia nacional  e o imperialismo em seu país.
 

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

“Consciência Operária no Brasil” – Celso Frederico

“Consciência Operária no Brasil” – Celso Frederico 


Resenha Livro – 186- “Consciência Operária no Brasil” – Celso Frederico – Ensaios 39 – Ed. Ática

Celso Frederico foi um dos primeiros sociólogos brasileiros a se dedicar, dentro da sociologia do trabalho, especificamente ao problema da consciência dos proletariado brasileiro. Seu pioneirismo soma-se a seus pressupostos teórico-metodológicos que tornam suas pesquisas muito mais totalizantes do que certas tendências na sociologia que vêm no operário brasileiro certo personagem folclórico que, a partir dos anos de 1950-60, saiu do campo, veio tentar a vida na cidade, com as diferenças no estilo de vida, muito menos dura na cidade, aceitou os padrões de acumulação capitalista e se sujeitou à exploração e ao apassivamento.

Desde um ponto de vista Marxista, se utilizando especialmente das contribuições de Lukács e Lênin, todo o eixo da pesquisa empírica de Celso Frederico sobre a consciência de um grupo de trabalhadores de uma Fábrica do ABC paulista tem como corte conceitos como o da “falsa consciência” que na verdade é parte de uma totalidade e seria um momento de uma consciência portadora de uma afirmação. O protagonismo histórico dos trabalhadores, que naquela conjuntura apenas aparece em alguns momentos pontuais, seja em greves ou a partir de 1964 com a proibição das mesmas, em ações de resistência pontuais como amarração da produção (individual e coletiva) e operações tartarugas.

O Estudo inicia com uma reflexão geral sobre o problema da consciência de classe. Parte-se da ideia de que a própria burguesia em suas origens manteve uma consciência revolucionária. Não há de se esquecer o contexto didático da Revolução Francesa com seu Primeiro Estado, representado pela Igreja. O Segundo Estado representado pela nobreza. E o Terceiro Estado, uma frente que envolvia 80% da população francesa agregando burguesia, trabalhadores, artesões e camponeses. Desta situação emergiu uma situação revolucionária que colocou lado a lado trabalhadores e burgueses numa frente revolucionária até os limites históricos (burgueses) da revolução. Essa mudança de orientação também se expressa no plano da consciência, afirma o autor:

“A Contradição entre os interesses individuais e os de classe, e  impossibilidade de apreender teoricamente os problemas decorrentes do desenvolvimento tornam-se patentes nos momentos das crises econômicas inerentes ao capitalismo e nos enfrentamentos com o proletariado. Nesses momentos, as contradições objetivas cristalizam-se no plano subjetivo: a consciência de classe burguesa passa então para a burguesia diante de problemas cujas soluções se encontram para além do capitalismo. A “falsa consciência” da burguesia procurará ocultar a si mesma o momento histórico e eternizará a sociedade em que vive, como uma “segunda natureza”. Para ela como disse Marx, houve uma história, mas agora não há mais”. 

A “Consciência de Classe” não foi especificamente um tema tratado de forma  exaustiva por Marx e Engels mas por marxistas que, posteriormente, aplicaram à questão perspectivas distintas. O que temos mais ou menos como consenso é que a consciência no marxismo é um fenômeno prático: conforme Marx, não é a consciência que determina o ser social, mas o ser social quem determina a consciência. Esta tese aparentemente simples, é porém profundamente reveladora e expressa a vinculação entre a prática social e a consciência: assim Celso Frederico ao sondar e buscar compreender os elementos da consciência dos trabalhadores, deverá inquirir sobre os meios de vida habituais, o cotidiano da fábrica, aquilo que é comum. E também sondar as experiências vividas no passado de participação em mobilizações, como a participação em greves e amarrações na produção, como as lutas  sensibilizaram os entrevistados.

A consciência de classe finalmente não é estática, ela é dinâmica e, dentro do projeto de transformação societária socialista, ela é objeto de uma discussão importante. Lênin em “O Que Fazer”? (1902) lançou as bases desta discussão polemizando com os setores esponteneístas   e outros que ficaram contra sua tese (Rosa Luxemburgo e Trótsky) admitindo Lênin que a consciência operária espontânea no máximo levaria os trabalhadores a adquirir uma consciência sindical. Seria necessário um partido social democrata, um vanguarda para introjetar de “fora para dentro” uma consciência revolucionária sócia democrata. Com os anos esta tese seria levemente mitigada dirigente (“a teoria é o guia para a ação”; “a prática é o critério da verdade”), mas essencialmente a ideia do partido como portador de uma consciência revolucionária persistiu sendo parte formal da teoria leninista do partido.

Se antes esta tese era combatida por anarquistas e outros setores, hoje, diante da crise dos partidos de esquerda, pairam-se maiores dúvidas, enquanto, curiosamente, observa-se uma completa falta de alternativa de direção que unifique e dê coesão aos movimentos de luta no Brasil, como se observou em 2013.  Ou seja, quanto mais se combatem os partidos e se fale em “horizontalidade” e “movimentos sociais”, mais se necessita de partidos comunistas ou bolcheviques de vanguarda para enfrentar o capitalismo em crise geral 2008.

A tese leninista de uma consciência de fora para dentro deve ser corretamente interpretada: significa dar um salto qualitativo na luta econômica por salários e direitos que, do ponto de vista geral, podem apenas gerar ilusões nos operários em torno de institutos como o estado burguês com o dissídio coletivo ou lideranças sindicais de independência e combatividade duvidosa que podem facilmente engambelar suas bases com Negociações Coletivas de Trabalho pouco favoráveis aos empregados. A mentalidade estritamente sindical para ser revolucionária deve unir a luta econômica com a luta política. E na maioria dos casos este passo não pode ser dado pelo sindicato. Daí a importância do Partido Revolucionário.

Voltando à pesquisa de Celso Frederico, tem-se que a consciência de classe em seu movimento de afirmação dá-se com a apreensão da totalidade. Não se trata de colocar em termos de certo e errado os respectivos “falsa e certa consciência”. Para o autor (e aqui teríamos alguma hesitação e aceitar tal tese) o marxismo é uma filosofia monista em que a falsa consciência tem dentro de si uma espécie de embrião da afirmação da consciência afirmativa que seria a apreensão da totalidade. Tal se daria com a intervenção do proletariado como sujeito histórico, o que decorre do conhecer a totalidade, o que envolve o auto-conhecimento e a consciência das contradições.

“Nesse quadro, a consciência dos operários por nós entrevistados aparece cindida: nela coexistem, de um lado a inquietação própria de uma situação de classe marcada pelas agrura de uma carência econômica constante que se expressa nas tensões vividas dentro da fábrica; e, de outro lado, o otimismo individualista e a esperança de dias melhores que caracterizam uma mentalidade enformada por uma visão linear e progressiva da história. Esta cisão permite compreender a convivência do alheamento político com intermitentes conflitos travados às cegas no interior da fábrica”. 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

“Uma Epopeia Brasileira – A Coluna Prestes” – Anita Leocadia Prestes

“Uma Epopeia Brasileira – A Coluna Prestes” – Anita Leocadia Prestes 



Resenha Livro - 185 -  "Uma Epopeia Brasileira: a Coluna Prestes" - Anita L. Prestes - Ed. Expressão popular 

O fenômeno do tenentismo representa basicamente a crise da República Velha no Brasil – envolve o descontentamento de setores de baixa patente das forças armadas nas primeiras décadas do século XX. Não raro os tenentes envolveram-se em conspirações e movimentos que tinham como norte a moralização do regime político, o voto secreto, eleições livres e respeito à constituição de 1891.

Anita Leocádia Prestes, historiadora e filha de Luís Carlos Prestes, relata-nos que existe uma vasta bibliografia sobre o movimento tenentista, não podendo se dizer o mesmo sobre sua expressão político-militar mais duradoura, a Coluna Prestes. Há explicações históricas evidentes: com o fim da coluna (não derrotada pelas forças governistas e seu exílio na Bolívia), tem-se a campanha de sucessão presidencial no Brasil, então governado por Washington Luiz.

O tenentismo, que foi um movimento político em certa medida caudatário das classes dominantes oposicionistas ao Bernardismo, mostrou ser mais uma vez massa de manobra das frações da classe dominante dissidentes do Pacto “Café Com Leite” que dirigiam o país desde os primórdios da República. Assim, a candidatura da Aliança Liberal, com Getúlio Vargas concorrente à presidente, buscou atrair o impulso e o legado progressista do movimento tenentista. Muitos tenentes apoiaram não só a candidatura, como as movimentações que levariam à Revolução de 1930. Uma vez instalados no poder, passaria a não ser conveniente relatar um passado de participação de luta com armas em mão contra o poder instituído. Poucos participantes da coluna escreveram memórias e livros sobre sua experiência.

Seja como for, o evento merece ser ressaltado por sua magnitude. A Coluna, em seu momento de maior densidade, reuniu um contingente de 1,5 mil homens, percorreu 25 mil quilômetros através de 13 estados e derrotou 18 generais em batalhas. Introduziu a partir de técnicas inovadoras desconhecidas então a tática da “guerra de movimento”, enquanto os exércitos oficiais apenas conheciam “a guerra de posição”. A guerra de movimento de assemelha aos métodos de guerrilha com ataques em grupos pequenos que provocam a movimentação do inimigo numa direção e levam a fuga da guerrilha numa outra orientação, o que garantia a sobrevivência dos tenentes sempre em menor número e artilharia deficiente.

Tal situação seria alterada de forma desfavorável aos rebeldes após o acordo feito entre as forças oficiais e coronéis de região do Nordestes que mobilizaram seus cangaceiros como uma forma de milícia particular para caçar a coluna. Coronéis e cangaceiros, com a benção de Padre Cícero, mobilizados para combater o que havia de mais progressivo naquele momento.

“Padre Cícero, famoso sacerdote de Juazeiro, mostrou-se solidário com o governo Bernardes e disposto a colaborar com os legalistas durante todo o período em que a Coluna Prestes marchou pelo nordeste . Quando os rebeldes já se encontravam em território pernambucano, o sacerdote concordou receber Lampião em Juazeiro e participou da cerimônia de concessão da patente de capitão do exército ao chefe canganceiro, abençoando-o  assim como os seus comandados. Nessa ocasião, eles receberam a missão de combater a coluna nos sertões nordestinos, dispondo de armas e munições fornecidas pelo ministro de guerra”. 

Tenentismo e Classe Social 

Uma discussão interessante é que naquele período histórico a insatisfação com a corrupção na política bem como a disposição de pegar em armas para mudar o Brasil partira de setores médios da população – nossa classe operária era bastante incipiente e como o próprio Prestes relataria depois, os tenentes não observavam diferenças entre os estancieros e os trabalhadores do campo, não se cogitando uma reforma agrária que poderia dar contornos revolucionária de massa à coluna.
É conhecida a fórmula de Lênin de que a situação revolucionária é o momento em que “os "de baixo" não querem e os "de cima" não podem continuar vivendo à moda antiga é que a revolução pode triunfar. (LENIN, I. “Doença Infantil do Comunismo” Cap. 9).

Não existia por este critério uma situação plenamente revolucionária no Brasil dos anos 1920, mas uma crise potencialmente revolucionária que poderia ser engendrada com a entrada de cena de camponeses e trabalhadores. Mas a jovem oficialidade do exército e da marinha assumiu a liderança das oposições.

Já o movimento operário inclui uma número restrito da população apenas existindo em alguns cetros urbanos. E mesmo o PCB fundado em 1922 contava com uma débil organização e forte perseguição da polícia.

O encontro de Luiz Carlos Prestes com o marxismo se daria no exílio: a combinação entre o estudo da teoria e sua vivência observando a miséria do povo nos rincões mais distantes do país levaram-no a uma convicção tão inabalável no marxismo que assim permaneceu, sem capitulações, até a morte.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

“Iaiá Garcia” – Machado de Assis

“Iaiá Garcia” – Machado de Assis 

Resenha Livro 184- “Iaiá Garcia” – Machado de Assis – Ed. Núcleo 



Iaiá Garcia encerra o chamado ciclo romântico das obras de Machado de Assis. O romance foi publicado em 1878, 3 anos antes de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), marco na literatura nacional por inaugurar o período do realismo literário, abrindo-se todo um novo estilo artístico no país

É inegável que existe uma clivagem entre as obras da fase romântica de Machado de Assis, desde sua estreia com “Ressurreição” (1872), passando por “Iaiá Garcia”(1878), considerada por alguns críticos como a melhor criação da fase romântica de Machado de Assis.

A obra torna-se uma leitura interessante por condensar elementos de transição e sinalizar aspectos do estilo literário e cogitações que surgiriam nos romances realistas, como algumas passagens de humor, o problema do amor associado à convenção social (Jorge, personagem central,  vai lutar na Guerra do Paraguai, supostamente por patriotismo, mas antes pela não aceitação social de uma relação amorosa), e o esforço de análises psicológicas.

Entretanto, ainda estamos no âmbito do romantismo: há resquícios de uma certa tonalidade retórica que será inteiramente eliminada a partir de Brás Cubas com sua linguagem objetiva, concisa e com minuciosa escolha das palavras e signos; ainda que mediado eventualmente por interesses sociais, o amor ainda prevalece em “Iaiá Garcia” (diferentemente de “Brás Cubas...”), consoante certo tom folhetinesco que marca o estilo romântico.

Aquele mesmo personagem supracitado, de bastante relevância, Jorge, ao voltar da Guerra do Paraguai, assume certo traço de um herói romântico aos moles do romantismo nacionalista em sua primeira fase:

“Poucos dias depois operou-se a marcha de Tuiuti a Tuiu-Cué, a que se seguiu uma série de ações e movimentos em que houve muita página de Plutarco. Só então pôde Jorge encarar o verdadeiro rosto à guerra, cujo princípio não assistira; figurou em mais de uma jornada heroica, correu perigos, mostrou-se valoroso  e paciente. O coronel adorava-o: sentia-se tomado de admiração diante daquele mancebo, que combatia durante a batalha e calava depois da vitória, que comunicava o ardor aos soldados, não recuava de nenhuma empresa, ainda a mais arriscada e a quem uma estrela parecia proteger com suas asas de luz”. 

Além da preocupação meramente decorativa na descrição das personagens, observamos algumas passagens com descrições psicológicas importantes de personalidades com implicações no desdobramento da história. A análise psicológica é um dos traços mais essenciais do realismo. Em “Iaiá Garcia” é o caso de Estela, mulher amada por Jorge:

“Estela era vivo contraste do pai, tinha a alma acima do destino. Era orgulhosa, tão orgulhosa que chegava a fazer da inferioridade uma aréola; mas o orgulho não lhe derivava da inveja impotente ou de estéril ambição; era uma força não um vício, - era o seu broquel de diamante – o que a preservava do mal, como o do anjo de Tasso defendia as cidades castas e santas. Foi este sentimento que lhe fechou os ouvidos às sugestões do outro. Simples agregada ou protegida, não se julgava com direito a sonhar  outra posição superior e independente; e dado que fosse possível obtê-la, é lícito afirmar que recusara , porque, a seus olhos seria um favor e a sua taça de gratidão estava cheia”. 

“Iaiá Garcia” é narrado em terceira pessoa contando com um narrador onisciente. Ao contrário do que o título do livro pode sugerir, não possui um personagem principal, o que faz do romance uma peça atípica confirmando a tendência experimental que seria a regra da fase literária posterior.

Conforme algumas cenas na sala da casa de Luís Garcia, quando se joga xadrez, o romance parece como um tabuleiro em que as peças vão se movimentando e o narrador vai lançando luz sobre os personagens – as ações são concomitantes e não parece haver a ideia de um protagonista. Luís Garcia é pai solteiro e mora num bairro então afastado (Santa Tereza), curtindo sua solidão junto a sua filha pequena, Iaiá Garcia, que no começo da história é apenas uma criança. É amigo de Dona Valéria, mãe de Jorge, personagem a que nos referimos acima. Antes da partida de Jorge ao Paraguai, o jovem de 24 anos confessa seu amor por Estela, e a Luís Garcia pede seus conselhos. Basicamente a história irá, como num tabuleiro de xadrez perambular dentre estes e outros personagens como Procópio Dias (o mais próximo de um vilão), Raimundo (o ex-escravo dócil e sempre fiel), revelando ao leitor do séc. XIX alguns cenários dos usos e costumes do Rio de Janeiro urbano do II Império e sua cultura social: o cortejar das mulheres, as trocas de cartas, os casamentos já resolvidos com antecedência de noivados nem namoros, médicos atendendo em casa e as doenças febris sem soluções com desfechos trágicos.

A centralidade do amor na história de Iaiá Garcia bem como o desfecho do enredo com a paz amorosa de fato enveredam este romance para romantismo literário. Nem uma clivagem nem uma solução inteira de continuidade, mas um pouco de cada elemento pode ser observado na  transição entre Machado de Assis romântico e realista.

sábado, 8 de agosto de 2015

“Jornadas de Junho – A Revolta Popular em Debate” – Plínio de Arruda Sampaio Jr. (Org.)

“Jornadas de Junho – A Revolta Popular em Debate” – Plínio de Arruda Sampaio Jr. (Org.)




Resenha livro 183 - “Jornadas de Junho – A Revolta Popular em Debate” – Plínio de Arruda Sampaio Jr. (Org.) – Instituto Caio Prado Júnior 
As Jornadas de Junho de 2013 foram as últimos grandes manifestações de rua que ocorreram no Brasil, pelo menos desde as passeatas pelo fora Collor no início nos anos 1990. No 1º semestre de 2013 multidões tomaram as ruas em pelo menos 22 capitais e 400 cidades, estimando-se a participação de 3 milhões de pessoas na ruas contando com um dia de Greve Geral. Em diversas cidades os políticos, acossados, suspenderam o aumento das passagens de ônibus – o que poderíamos colocar um dos aspectos vitoriosos das manifestações. 

A dimensão que poderíamos colocar como uma derrota daquelas manifestações seria a intervenção dos meios de comunicação de massa que lograram desviar o foco e a combatividade do movimento original (que teve como ponto de partida a luta pela diminuição das passagens e, dentro deste ponto de partida, o direito à cidade, com o passe livre, dentro do contexto da Copa das Confederações o questionamento das obras faraônicas diante da falta de serviços públicos, entre outros) transformando ou desviando uma luta com um grande potencial de contestação anticapitalista numa espécie de “carnaval” verde-amarelo, buscando dividir manifestantes do “bem” e os “vândalos”, puxando consignas “”sem violência” e “sem partidos” e depolitizando (o que quer dizer tornando inofensivo aos capitalistas e governos) as manifestações. Para quem acompanhou as manifestações do começo ao fim, foi doloroso ver seu início combativo com ações diretas, enfrentamentos e solidariedade entre a militância e terminar num patético carnaval patrioteiro de classe média com bruta montes fascistas buscando tomar nossas bandeiras vermelhas... 

Este autor da resenhas participou desde a primeira passeata no MPL em São Paulo no 6 de Junho de 2013 que contou com cerca de 6000 pessoas – manifestação expressiva se comparada aos anos anteriores. Todas as manifestações contaram com enfrentamento policial, sempre em escala crescente, até o dia decisivo. Foi o grande enfrentamento do dia 13 de Junho, quando a luta entre manifestantes desarmados e a Polícia Militar deixou clara a todos a covardia e a funcionalidade do aparato repressivo ideológico do estado, num ataque sem qualquer provocação dos manifestantes, numa ação claramente autorizada por Haddad e Alckmin, e com expresso apoio da mídia capitalista, promovendo um verdadeiro massacre, prendendo inúmeros manifestantes, 22 jornalistas e sabe-se lá quantos feridos. A indignação e a grande repercussão pela feroz repressão provocou algo novo, uma manifestação de proporções desconhecidas, que a partir de então colocaria governos, empresariado e demais adversários na defensiva. 

No dia 17 de Junho cerca de 100 mil pessoas se concentraram no largo da batata e marcharam pela região. A partir deste momento mobilizações contra o aumento da passagem começariam a ganhar corpo em Porto Alegre e Vitória, e posteriormente Brasil a fora.
“Jornadas de Junho: A revolta popular em debate” é uma série de artigos de intelectuais de esquerda que, cada qual desde sua especialização, irá observar os sentidos do levante que varreu o Brasil, os seus antecedentes, e as perspectivas futuras. Temos artigos de Maria Orlanda Pinassi, Mauro Iasi, Miltom Pineiro, Pedro Fiori Arantes, Plínio de Arruda Sampaio Jr., Ricardo Antunes e Ruy Braga. 

Uma pergunta que se deve fazer logo de início é a razão pela qual o aumento da passagem de ônibus foi o detonador das manifestações. Como muitas vezes foi reiterado nas ruas, as pautas foram além do aumento, falando-se não só na tarifa zero mas em questões que fermentavam um descontentamento oculto e latente na sociedade brasileira e que emergiram nas manifestações: obras da Copa do Mundo, direito à cidade, repúdio à política oficial. Na verdade, os reajustes de alimentos, alugueis, etc. ocorrem de forma diluída ao longo do tempo enquanto o aumento do preço das tarefas afeta a todos ao mesmo tempo, sendo muito claro visualizar os responsáveis pelo aumento, convergindo o ódio popular contra o governo de forma imediata– e os governos bem sabem disso, tanto é verdade que a revolta contra o aumento dos ônibus ocorre desde tempo dos antigos dos bondes que circulavam em início dos anos XX. 

Certamente o aumento seria a causa mais imediata. Porém a crise brasileira é estrutural e as Jornada de Junho é encarado  pelos intelectuais de uma forma geral como um sintoma de um esgotamento. Seria como uma manifestação local do que vimos na Espanha com os Indignados, nos EUA do movimento Ocupe Wall Street ou no Egito na praça T. e refere-se à crise estrutural do capitalismo. Os intelectuais irão sinalizar os aspectos estruturais da crise brasileira, do modelo urbano pautado pelos interesses exclusivamente mercantis em que o carro (com descontos dos IPIs) sobrepõem-se ao investimento em transporte público, a moradia é toda ela voltada à especulação imobiliária e a cidade como um todo à lógica da exploração capitalista, um modelo fracassado e desumano:

“Enfim, a miséria humana que fermenta a sociedade brasileira e contamina todos os poros da vida nacional foi a mola propulsora das “Jornadas de Junho”. É todo o edifício do capitalismo dependente que começou a ser posto em questão, de baixo para cima, pela crescente resistência da população a continuar aceitando condições de vida subumanas. Os motivos que levaram a juventude às ruas revelam uma vontade difusa – ainda que não condensada num programa alternativo de organização da sociedade, mas facilmente reconhecível nas motivações dos protestos – de vencer as permanências do colonialismo, as mazelas do subdesenvolvimento, a prepotência do imperialismo, e, no limite, as bases sociais e os valores da própria civilização capitalista” (Plínio de Arruda Sampaio Jr.)     

sábado, 1 de agosto de 2015

“A Rebeldia do Trabalho” – Ricardo Antunes

“A Rebeldia do Trabalho” – Ricardo Antunes 



Resenha Livro 182 – “A Rebeldia do Trabalho: o confronto operário no ABC Paulista e as greves de 1978/80” – Editora Ensaio / Editora Unicamp
O professor Ricardo Antunes é um dos mais conhecidos estudiosos do mundo do trabalho no Brasil. Este “A Rebeldia do Trabalho” corresponde a sua tese de doutoramento na USP (1986) cujo objeto de estudo é as greves do movimento operário metalúrgico do ABC-SP entre 1978, 1979 e 1980. É professor de Sociologia do Trabalho da Unicamp e tem feito um importante trabalho junto à editora Expressão do Trabalho publicando junto ao grande  público obras referentes ao problema do trabalho, à conformação da classe trabalhadora, sua consciência ou a reestruturação produtiva. Esforço importante na medida em que o capital por meio de seus aparelhos ideológicos e discursos nas empresas, ou seja com importantes disseminação para além do mundo acadêmico, tem colocado em pauta ideias como “fim do trabalho”, “fim da luta de classes”, “fim da classe trabalhadora”, falando em novos “colaboradores” dos empregadores. Contra o discurso ideológico, reafirmar a centralidade do trabalho e dos trabalhadores nas sociedades contemporâneas, longe de ser debate meramente acadêmico, torna-se questão militante. 

Antes de maio de 1978 já se constatava algumas mobilizações e formas de resistência do movimento metalúrgico do ABC. Todavia as principais formas de resistência não passavam de formas individuais, manifestações não organizadas que, de resto, expressavam o descontentamento e formas embrionárias de lutas políticas. A origem dos conflitos no chão de fábrica diziam respeito ao arrocho dos salários, à super exploração e abuso das chefias, às longas jornadas trabalho: tratava-se portanto de razões econômicos que se observavam num plano mais geral com o esgotamento do “milagre econômico” a partir de 1974. Estas primeiras formas embrionárias de resistência iam da destruição e inutilização de peças, destruição premeditada de máquinas, boicotar a lógica da intensidade das jornadas de trabalho passando muito tempo no banheiro ou já coletivamente nas “operações tartaruga” em que um grupo mais ou menos extenso de trabalhadores, como o nome sugere, diminui o ritmo do trabalho, eventualmente, seguindo fielmente os protocolos da produção o que significava quase que parar o andamento dos trabalhos. 

O ano de 1978 seria o estopim para o movimento grevista, ainda que algumas pequenas paralizações teriam ocorrido de forma parcial e espontânea no ABC. As greves de maio de 1978 tiveram como pauta o arrocho salarial e como causas secundárias a luta contra o intervencionismo estatal, democracia e liberdade sindical e contra o despotismo fabril. O que há de se destacar é que foi um movimento espontâneo cujo estopim foi a luta por melhores salários diante de anos consecutivos de arrocho – o sindicato neste sentido foi chamado para representar um movimento que já se colocava em marcha: 

“Resultante das próprias necessidades e instintos de sobrevivência operárias as greves de maio floresceram e viveram o seu curso no leito da espontaneidade. O próprio Sindicato dos trabalhadores em que pese a campanha de conscientização desenvolvida a partir de meadas da década de setenta, surpreende-se com a eclosão do movimento grevista, tendo vivenciado momentos de extrema dificuldade, dados pela sua inexperiência em participar de movimentos daquela amplitude. A ação da direção sindical foi mais no sentido de representação do movimento grevista nas fábricas, quando solicitada  pelos trabalhadores (...)”.

Seria desde as greves de 1978/9 que seriam projetadas a figura da liderança de Lula, dirigente dos sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Enquanto esta articulação ganhava a confiança dos trabalhadores pela base, a Federeção, que se colocava contra os trabalhadores, bem como estado e os patrões, se expunham claramente como inimigos dos trabalhadores – eis o elemento pedagógico da greve, bem como o que é endossado por Antunes, qual seja, o fato de que um movimento de caráter econômico, assumiria também um caráter político, ainda não de combate ao modo de produção capitalista, mas a elementos do qual ele é ponto de partido, como o estado, o regime ditatorial e o despotismo fabril. 

O elemento espontâneo das graves significou que não houve um sindicato ou um partido que preparou, desenvolveu e deu solução de continuidade ao movimento – uma direção de vanguarda inequívoca, “assumindo desde logo nítida dimensão política, de confronto e ofensividade”.  

Ricardo Antunes faz uma análise particular de cada movimento, destacando suas especificidades, em maio de 1978 (vitoriosa), a greve geral de 1979 (vitoriosa) e a greve geral de 1980 (derrotada). É a primeira parte de seu trabalho. A segunda parte é inteira voltada à análise do contexto sócio- econômico do período, com alguma ênfase à situação do emprego, ao regime de contratação de trabalho  e salários nas indústrias da região do ABC: com estas informações, Ricardo Antunes combate uma certa linha na sociologia que buscou identificar os metalúrgicos do ABC como uma espécie de “aristocracia operária” com tendência reformistas por supostamente obter salários mais altos do que os dos restantes do país. Muito pelo contrário: as informações colhidas informam que existia uma tendência crescente de maior arrocho salarial com aumento da faixa de trabalhados com média salarial de 1 e 2 salários mínimos, fazendo com que o nosso proletariado tivesse antes mais características do petersburguense. 

Finalmente, nas conclusões há a amarração das informações levantadas, com algumas discussões importantes sobre o tema da greve e consciência de classes. 

Esta tese de doutorado foi escrita em 1986. No ano de 2015, muitos daqueles que estiveram à frente do novo sindicalismo, à frente de um movimento de trabalhadores de massas, com disposição para piquetes e lutas, chegaram ao governo e capitularam, governaram para os patrões e para os capitalistas contra os trabalhadores, que os lançaram na cena política. O que se extrai em primeiro lugar é que estas lideranças não “propulsionaram”, não foram a fonte de origem das greves, nem de 1978, 1979 ou 1979 – o que poderia corroborar com a tese de que aquela liderança sempre fora oportunista. Todas aquelas lutas operárias surgiram de forma espontânea, como decorrência do acirramento da crise (a partir de 1974) e do esgotamento do modelo econômico e político do regime. 

Em segundo lugar, não se deve com isso fazer desta constatação um culto ao espontaneísmo – foi justamente a falta do preparo (Ricardo Antunes fala em “racionalidade dialética”) o que não levaram o proletariado do ABC a dar uma repercussão regional ou mesmo nacional ao seu movimento, que poderiam dar um contorno muito mais avançado a nossa redemocratização. Não existem soluções simples, mas numa conjuntura nova (2015) em que os elementos apontam para o esgotamento do modelo do PT, está em disputa na esquerda uma direção para dar consequência ao potencial revolucionário dos trabalhadores.