“História
do Brasil Nação – Volume 3 - A Abertura Para o Mundo (1889-1930)” – Lilian Moritz
Schwarcz
(*)
Resenha
Livro - “História do Brasil Nação – A Abertura Para o Mundo (1889-1930)” –
Lilian Moritz Schwarcz - Fundación Mapfre
e Ed. Objetiva
“O
nosso mal tem sido este: quisemos ter estátuas, academias, ciência e arte,
antes de ter cidades, esgotos, higiene, conforto”. Olavo Bilac. Gazeta de
Notícias, 19 de Abril de 1903.
Este
trabalho dirigido pela historiadora da USP Lilian Moritz Schwarcz busca traçar
os principais aspectos da economia, da sociedade, da política e da cultura do
Brasil do período que ficou conhecido como República Velha.
Uma
primeira reflexão a ser suscitada diz respeito às razões da primeira etapa
republicana no país já ter nascido como “Velha” – a denominação foi atribuída a
partir da experiência da Revolução de 1930 e do Estado “Novo” que almejava uma
modernização do país e a busca da especificidade nacional em contraponto ao
período da primeira república, quando as práticas da corrupção eleitoral, a
manutenção do poder político nas mãos das oligarquias agroexportadoras do café
e a perpetuação da superexploração do trabalho através da escravidão por
dívidas mobilizando imigrantes europeus e excluindo a população de origem
escrava: todos estes elementos indicavam que as expectativas de mudanças
abertas pelo advento da república seriam rapidamente frustradas. Uma república
que teria nascido velha e ultrapassada.
Contudo,
as novas pesquisas historiográficas vêm relativizando certas verdades
constituídas acerca do período. É certo que as eleições de bico de pena, a
exclusão das mulheres e dos analfabetos nas eleições, o controle do jogo
político nos rincões do país pelos coronéis, a chamada questão social analisada
como “caso de polícia” implicariam em importante restrição quanto aos direitos
políticos e de cidadania, situação não tão diferente da realidade do Império.
Por outro lado, o advento de novas instituições, a laicização do estado e do
ensino, as tensões interoligárquicas até as vias de fato e diversas revoltas e
lutas sociais engendraram período particularmente rico, complexo, ambíguo e
contraditório.
“Mas
é de bom tom e alvitre manter a distância das falas sempre assertivas das
testemunhas e dos agentes da época, que em sua maior parte se limitou a denunciar as arbitrariedades dessa nova
ordem de Estado. Se tudo isso é fato, é igualmente verdade que foi com o novo
regime que se forjou um processo claro de republicanização de nossos costumes e
instituições. É nesse momento que os diferentes poderes tomaram forma definida,
que se ensaiaram novos processos eleitorais (a despeito de serem ainda muito
marcados pela fraude) e que se rascunharam os primeiros passos no sentido de se
constituir uma sociedade cidadã com modelos inaugurais de participação. O
processo, como veremos, será cheio de recuos, entraves e ambiguidades. Afinal,
a tradição se inscrevia em meio à modernidade e o novo de confundia com o velho”.
SCHWARCZ, Lilian Moritz. “As Marcas do Período”.
Ambiguidades
e contraposições que seriam chamadas pelo nome de “Dois Brasis”. O Brasil dos
Sertões e o Brasil dos novos arranjos urbanos, com uma arquitetura inspirada na
moderna França, com a abertura de grandes avenidas e a expulsão de cortiços e
dos espaços recreativos populares para a periferia. Medidas higienistas para o
combate da cólera, da varíola e da peste
bubônica, chegando a implicar na revolta popular da Vacina no Rio de Janeiro em
Novembro de 1904.
Oposição
entre o caipira e o cosmopolita. Contraposição entre as teorias de pureza
racial em voga como o darwinismo social e o determinismo geográfico e a crua realidade
de mestiçagem. Querelas sobre a fontes do atraso no Brasil tendo como origem a
ração, a saúde e a cultura. O atraso econômico do Brasil, no período analisado atrás
não só de EUA e Inglaterra, mas com índices de crescimento econômicos inferiores
à Argentina e México. E, outrossim, a percepção aparente do progresso com o
advento de bondes, relógios de bolso, telégrafos, carros, jornais, navegação a
vapor, expansão da rede ferroviária, bem como do jornalismo, da educação e do
mercado editorial.
“De
um lado, uma sociedade recém egressa da escravidão, adepta de um modelo basicamente
agrário-exportador. De outro, um novo projeto político republicano, que tenta
se impor a partir da difusão de uma imagem de modernidade e de civilidade,
criada em contraposição ao Império. O que se nota, porém, é, em vez da
dicotomia fácil que encontrava duas faces cartesianamente opostas – Monarquia ou
República, barbárie, ou progresso, atraso ou civilização – a convivência
inesperada de temporalidades distintas e a expressão de um movimento ambíguo
que comportava inclusão e exclusão, avanço tecnológico com repressão política e
social”. SCHWARCZ, Lilan Moritz. “População e Sociedade”.
No
que tange particularmente às lutas sociais, há de se destacar a Revolta de Canudos
(1896-1897) e a Revolta do Contestado (1912-1916) ambas de caráter messiânico,
expondo a realidade do sertão em contraponto às cidades, o atraso contra a
modernidade. Sobre a Revolta de Canudos, temos em 1902 a publicação de “Os
Sertões” de Euclides da Cunha, obra considerada o nosso primeiro ”Best Seller”
do mercado editorial.
Ainda
no que se refere aos movimentos sociais do período, há de se destacar o ano de 1909
quando houve a eleição do primeiro negro no parlamento brasileiro (Monteiro
Lopes), havendo o não reconhecimento do pleito e a mobilização de setores
operários e populares para garantir o mandato:
“Em
1909, o reconhecimento da eleição do primeiro deputado negro no Congresso
Nacional republicano foi alvo de importante campanha de mobilização. Segundo a historiadora
Carolina Vianna Dantas, Monteiro Lopes era advogado, abolicionista, socialista
e republicano histórico. Participava das atividades da Sociedade União dos
Homens de Cor do Rio de Janeiro, era membro ativo da Irmandade de São Benedito
e Nossa Senhora do Rosário e mantinha relações políticas estreitas com o Centro
Internacional Operário. Eleito deputado federal em 1909, correram, entretanto
rumores da imprensa de que seu mandato não seria reconhecido em função de sua
cor. Convocou-se então uma grande reunião de homens de cor no Centro
Internacional Operário, onde foi criada uma comissão permanente contra a
exclusão de Monteiro Lopes e decidida uma ação judicial em favor do deputado
eleito”. MATTOS, Hebe. “A vida Política”.
O
ano de 1922 pode ser considerado como um marco, na medida em que se insere como
um ponto de partida do projeto modernista que se consubstanciaria na revolução
de 1930. No ano de 1922 foi fundado o Partido Comunista Brasileiro. Enquanto os
primeiros ensaios de greves e mobilizações (1917-1918) estavam associados ao
anarco-sindicalismo e ao socialismo reformista, sob a influência do imigrante
italiano, o advento da Revolução Russa de 1917 engendraria a adesão de muitos
ao comunismo, culminando na criação do PCB. Foi igualmente o ano de 1922 em que
ocorreu a Semana da Arte Moderna, além do levante tenentista que se opôs à
ascensão ao poder do presidente Arthur Bernardes que foi obrigado a presidir o
país sob Estado de Sítio. A riqueza e variedade dos eventos políticos, sociais
e culturais do período sugerem uma revisão ao menos quanto à ideia consolidada
de que a República “Velha” não suscitou mudanças de fundo, colocando em
evidência temporalidades distintas, dois Brasis que coexistem e de certa
maneira sobrevivem como desafio inconcluso.
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(*) Nessa pintura, de clara mensagem ideológica,
a República aparece simbolizada pelo grupo de mulheres, concentradas no
trabalho de bordar e tecer bandeira nacional. Atividade eminentemente feminina,
o bordado é uma metáfora e representa a ideia de “construção” e de criação de pontes
e laços. A imagem busca passar a noção de serenidade e calma que a República
procurava asseverar, ainda mais nesse momento conturbado e marcado por revoltas
populares.