segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

“História do Brasil Nação – Volume 3 - A Abertura Para o Mundo (1889-1930)” – Lilian Moritz Schwarcz


“História do Brasil Nação – Volume 3 - A Abertura Para o Mundo (1889-1930)” – Lilian Moritz Schwarcz  

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Resenha Livro - “História do Brasil Nação – A Abertura Para o Mundo (1889-1930)” – Lilian Moritz Schwarcz  - Fundación Mapfre e Ed. Objetiva

“O nosso mal tem sido este: quisemos ter estátuas, academias, ciência e arte, antes de ter cidades, esgotos, higiene, conforto”. Olavo Bilac. Gazeta de Notícias, 19 de Abril de 1903.

Este trabalho dirigido pela historiadora da USP Lilian Moritz Schwarcz busca traçar os principais aspectos da economia, da sociedade, da política e da cultura do Brasil do período que ficou conhecido como República Velha.

Uma primeira reflexão a ser suscitada diz respeito às razões da primeira etapa republicana no país já ter nascido como “Velha” – a denominação foi atribuída a partir da experiência da Revolução de 1930 e do Estado “Novo” que almejava uma modernização do país e a busca da especificidade nacional em contraponto ao período da primeira república, quando as práticas da corrupção eleitoral, a manutenção do poder político nas mãos das oligarquias agroexportadoras do café e a perpetuação da superexploração do trabalho através da escravidão por dívidas mobilizando imigrantes europeus e excluindo a população de origem escrava: todos estes elementos indicavam que as expectativas de mudanças abertas pelo advento da república seriam rapidamente frustradas. Uma república que teria nascido velha e ultrapassada.

Contudo, as novas pesquisas historiográficas vêm relativizando certas verdades constituídas acerca do período. É certo que as eleições de bico de pena, a exclusão das mulheres e dos analfabetos nas eleições, o controle do jogo político nos rincões do país pelos coronéis, a chamada questão social analisada como “caso de polícia” implicariam em importante restrição quanto aos direitos políticos e de cidadania, situação não tão diferente da realidade do Império. Por outro lado, o advento de novas instituições, a laicização do estado e do ensino, as tensões interoligárquicas até as vias de fato e diversas revoltas e lutas sociais engendraram período particularmente rico, complexo, ambíguo e contraditório.

“Mas é de bom tom e alvitre manter a distância das falas sempre assertivas das testemunhas e dos agentes da época, que em sua maior parte se limitou  a denunciar as arbitrariedades dessa nova ordem de Estado. Se tudo isso é fato, é igualmente verdade que foi com o novo regime que se forjou um processo claro de republicanização de nossos costumes e instituições. É nesse momento que os diferentes poderes tomaram forma definida, que se ensaiaram novos processos eleitorais (a despeito de serem ainda muito marcados pela fraude) e que se rascunharam os primeiros passos no sentido de se constituir uma sociedade cidadã com modelos inaugurais de participação. O processo, como veremos, será cheio de recuos, entraves e ambiguidades. Afinal, a tradição se inscrevia em meio à modernidade e o novo de confundia com o velho”. SCHWARCZ, Lilian Moritz. “As Marcas do Período”.

Ambiguidades e contraposições que seriam chamadas pelo nome de “Dois Brasis”. O Brasil dos Sertões e o Brasil dos novos arranjos urbanos, com uma arquitetura inspirada na moderna França, com a abertura de grandes avenidas e a expulsão de cortiços e dos espaços recreativos populares para a periferia. Medidas higienistas para o combate da cólera, da varíola e  da peste bubônica, chegando a implicar na revolta popular da Vacina no Rio de Janeiro em Novembro de 1904.

Oposição entre o caipira e o cosmopolita. Contraposição entre as teorias de pureza racial em voga como o darwinismo social e o determinismo geográfico e a crua realidade de mestiçagem. Querelas sobre a fontes do atraso no Brasil tendo como origem a ração, a saúde e a cultura. O atraso econômico do Brasil, no período analisado atrás não só de EUA e Inglaterra, mas com índices de crescimento econômicos inferiores à Argentina e México. E, outrossim, a percepção aparente do progresso com o advento de bondes, relógios de bolso, telégrafos, carros, jornais, navegação a vapor, expansão da rede ferroviária, bem como do jornalismo, da educação e do mercado editorial.  

“De um lado, uma sociedade recém egressa da escravidão, adepta de um modelo basicamente agrário-exportador. De outro, um novo projeto político republicano, que tenta se impor a partir da difusão de uma imagem de modernidade e de civilidade, criada em contraposição ao Império. O que se nota, porém, é, em vez da dicotomia fácil que encontrava duas faces cartesianamente opostas – Monarquia ou República, barbárie, ou progresso, atraso ou civilização – a convivência inesperada de temporalidades distintas e a expressão de um movimento ambíguo que comportava inclusão e exclusão, avanço tecnológico com repressão política e social”. SCHWARCZ, Lilan Moritz. “População e Sociedade”.

No que tange particularmente às lutas sociais, há de se destacar a Revolta de Canudos (1896-1897) e a Revolta do Contestado (1912-1916) ambas de caráter messiânico, expondo a realidade do sertão em contraponto às cidades, o atraso contra a modernidade. Sobre a Revolta de Canudos, temos em 1902 a publicação de “Os Sertões” de Euclides da Cunha, obra considerada o nosso primeiro ”Best Seller” do mercado editorial.


Ainda no que se refere aos movimentos sociais do período, há de se destacar o ano de 1909 quando houve a eleição do primeiro negro no parlamento brasileiro (Monteiro Lopes), havendo o não reconhecimento do pleito e a mobilização de setores operários e populares para garantir o mandato:

“Em 1909, o reconhecimento da eleição do primeiro deputado negro no Congresso Nacional republicano foi alvo de importante campanha de mobilização. Segundo a historiadora Carolina Vianna Dantas, Monteiro Lopes era advogado, abolicionista, socialista e republicano histórico. Participava das atividades da Sociedade União dos Homens de Cor do Rio de Janeiro, era membro ativo da Irmandade de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário e mantinha relações políticas estreitas com o Centro Internacional Operário. Eleito deputado federal em 1909, correram, entretanto rumores da imprensa de que seu mandato não seria reconhecido em função de sua cor. Convocou-se então uma grande reunião de homens de cor no Centro Internacional Operário, onde foi criada uma comissão permanente contra a exclusão de Monteiro Lopes e decidida uma ação judicial em favor do deputado eleito”.  MATTOS, Hebe. “A vida Política”.

O ano de 1922 pode ser considerado como um marco, na medida em que se insere como um ponto de partida do projeto modernista que se consubstanciaria na revolução de 1930. No ano de 1922 foi fundado o Partido Comunista Brasileiro. Enquanto os primeiros ensaios de greves e mobilizações (1917-1918) estavam associados ao anarco-sindicalismo e ao socialismo reformista, sob a influência do imigrante italiano, o advento da Revolução Russa de 1917 engendraria a adesão de muitos ao comunismo, culminando na criação do PCB. Foi igualmente o ano de 1922 em que ocorreu a Semana da Arte Moderna, além do levante tenentista que se opôs à ascensão ao poder do presidente Arthur Bernardes que foi obrigado a presidir o país sob Estado de Sítio. A riqueza e variedade dos eventos políticos, sociais e culturais do período sugerem uma revisão ao menos quanto à ideia consolidada de que a República “Velha” não suscitou mudanças de fundo, colocando em evidência temporalidades distintas, dois Brasis que coexistem e de certa maneira sobrevivem como desafio inconcluso.

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(*)     Nessa pintura, de clara mensagem ideológica, a República aparece simbolizada pelo grupo de mulheres, concentradas no trabalho de bordar e tecer bandeira nacional. Atividade eminentemente feminina, o bordado é uma metáfora e representa a ideia de “construção” e de criação de pontes e laços. A imagem busca passar a noção de serenidade e calma que a República procurava asseverar, ainda mais nesse momento conturbado e marcado por revoltas populares.

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