terça-feira, 28 de maio de 2013

“Ler Marx” - E. Renault, G. Duménil e M. Löwy

"Ler Marx" - E. Renault, G. Duménil e M. Löwy

Resenha Livro 59# “Ler Marx” – E. Renault, G. Duménil e M. Löwy – Ed. Unesp

Este livro pode ser indicado como um guia introdutor das ideias de Karl Marx. A obra reúne três grandes ensaios que abordam as ideias de Marx desde a perspectiva da ciência política, da filosofia e da economia política, nesta ordem.

Os autores têm clareza de que existe certa arbitrariedade em dividir a obra de Marx em torno destas três grandes disciplinas. Toda esta obra é basicamente interdisciplinar, ainda que cada uma acabe dando relevo ora à política, ora à história, ora à sociologia, ora à filosofia ou teoria do conhecimento, ora à economia política. Outrossim, a divisão tem caráter didático e certamente ajuda a organizar toda produção de Marx (boa parte da qual inconclusa ou escrita de forma fragmentada) e orientar os rumos de cada uma de suas preocupações, conforme a respectiva disciplina. Agrupar o conhecimento ajuda a melhor compreendê-lo também como um todo. Outro ponto favorável ao esquema de organização do livro pensado pelos três pesquisadores franceses é o de buscar algumas sínteses decorrentes de uma leitura que acompanha a evolução histórica do pensamento de Marx, sínteses da política, da filosofia e da economia marxistas.

No âmbito da filosofia, as diferenciações entre o jovem e o velho Marx são mais significativas: Marx parte de determinada percepção que o localizava no campo dos jovens hegelianos de esquerda, supera a perspectiva idealista da história introduzindo a ideia da materialidade da vida social implicar em relações de propriedade e esquema jurídico-político correspondente, chegando a sua fase de maturidade com a “Ideologia Alemã”, em que a filosofia converte-se em filosofia da História. Por suposto, a análise filosófica de Marx, a cargo de E. Renault não poderia deixar de destrinchar as 11 teses de Feuerbach, culminando na talvez mais especial contribuição do marxismo à filosofia: para além de interpretar, é necessário transformar o mundo.

O ensaio sobre a política é de autoria de Michael Löwy. Como não poderia deixar de ser, uma análise sobre a perspectiva da política segundo Marx caminha junto com a sua própria experiência de vida e de militância. Assim, textos vitais como “O Manifesto Comunista” também são instrumentos de propaganda política e não propriamente estudos de ciência política decorrentes de uma pesquisa científica, como no caso dos três volumes do Capital. Mais uma vez, a obra acompanha a evolução do pensamento de Marx: da esquerda hegeliana ao comunismo, tendo como texto fundamental aqui a Crítica à Filosofia do Direito de Hegel (1843). Segundo Löwy, “essas notas dão testemunho da rápida radicalização do pensamento do jovem Marx ao longo do ano; constituem seu rompimento não apenas com a identificação hegeliana entre Estado racional e Estado prussiano, mas com toda concepção hegeliana de estado”.  A desmistificação da política e do estado criaria as condições para uma teoria política cuja prática envolvesse a superação e supressão do aparato estatal.

Os textos políticos evoluem e vão dialogando com os acontecimento que Marx vivencia, dentre eles o da conformação da 1ª Associação Internacional dos Trabalhadores, para quem Marx escreveu o preâmbulo dos estatutos da associação. Este pequeno texto, de uma objetividade e profundidade intrigantes, prescreve: que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores (independência de classe); que a luta dos trabalhadores não é uma luta por privilégios de classe, mas pelo fim de toda dominação de classe; a sujeição econômica é o fundamento da servidão no capitalismo, implicando, no trabalhador, aviltamento intelectual e dependência política; a necessidade de solidariedade entre os trabalhadores das diferentes profissões num mesmo país e união fraterna entre os trabalhadores dos diversos países (internacionalismo); entre outros.

Outro momento chave na produção filosófica e política de Marx decorre da experiência da Comuna de Paris, a partir da série de textos reunidos sob o nome de “Guerra Civil na França”. As maiores atrocidades praticadas pela burguesia, pelo clero e pelas classes proprietárias da França – dirigidos por Thiers – expôs de forma verdadeiramente pornográfica aquilo que já vinha sendo discutido desde a crítica a filosofia do direito de Hegel, a projeção dos interesses de classe na política e no estado. Nas palavras de Marx, “A civilização e a justiça da ordem burguesa revelam-se sob sua luz sinistra sempre que os escravos dessa ordem se levantam contra os seus mestres”.  

Continua Marx, delimitando a perspectiva de superação do estado e sua confrontação com os episódios da comuna: “Não foi portanto, uma revolução contra essa ou aquela forma de poder do estado, legitimista, constitucionalista, republicano ou imperial. Foi uma revolução contra o próprio estado, e esse aborto sobrenatural da sociedade; foi a tomada pelo povo e para o povo de sua própria vida social. Não foi uma revolução para transferir esse poder de uma fração das classes dominantes para outra, mas uma revolução para acabar com esse terrível aparelho de dominação de classe”.

Não há qualquer escapatória. A leitura dos textos originais de Marx não autorizam interpretações que de alguma forma compatibilizam o marxismo como ferramenta filosófica e de prática política e uma estratégia de reformas ou de ajustes do estado capitalista. Marx já ridicularizava e combatia tal posição ainda em vida, como é visto em “Crítica do Programa de Gotha” (1875). Diz Marx, de forma a dissipar qualquer dúvida quanto à radicalidade de seu projeto: “Acreditar que se pode construir uma nova sociedade com o apoio do estado como se constrói uma nova estrada de ferro é digno da imaginação fértil de Lassale (...) Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação revolucionária de uma em outra, ao qual corresponde um período de transição política, em que o estado não pode ser outra coisa senão a ditadura revolucionária do proletariado”.

terça-feira, 21 de maio de 2013

"Marx Sociologia" - Otávio Ianni

"Marx Sociologia" - Otávio Ianni


Resenha livro #58 “Marx: Sociologia” – Org. Octávio Ianni / Coordenação Florestan Fernandes Ed. Ática



                Tivemos acesso a esta obra, que corresponde a um dos livros de toda uma coleção de textos de sociologia dos principais autores desta disciplina entre os séculos XIX e XX. Como se sabe, os pensadores que iniciam a análise da sociedade desde um ponto de vista “científico” (considerando a noção particular de ciência na história das ideias de fins do séc. XIX) são E. Durkheim, francês, para quem a sociedade possuiria um caráter orgânico, funcionando a totalidade das relações sociais como um corpo humano. (Havendo, nos momentos de desequilíbrio orgânico, aquilo que o sociólogo francês chamava de Anomia). Max Webber seria o segundo autor fundamental da sociologia, destacando-se seus estudos que relacionam o desenvolvimento do capitalismo com os valores e a ética introduzida pelas diversas variantes do protestantismo, dando destaque a uma de suas alas mais radicais, o Calvinismo. Finalmente, Marx é objeto de um livro particular na coleção, havendo uma seleção de textos por conta do sociólogo da USP Otávio Ianni.

                Ainda que o próprio marxismo sugira um olhar totalizante das relações sociais, propiciando a criação de obras interdisciplinares, é possível destacar nos diversos textos de autoria de Marx ênfases em determinadas disciplinas, dado os aspectos mais específicos das pautas, questões, na sociologia, decorrentes das relações sociais, das relações de produção dominantes e de sua expressão enquanto relações de propriedade ou formas jurídico-estatais de arranjar todas as exigências de valorização do capital.

Assim, para quem tem interesse em conhecer mais do Marx historiador, é válida a leitura do “18 de Brumário”, quando o autor não só analisa a experiência da França sob a direção de Napoleão III mas oferece, por meio das análises, pistas de qual é o procedimento teórico-metodológico para se desvendar o sentido da história. Assim, sob a perspectiva marxista, o movimento da história deve ser analisado a partir da expressão dos embates de classes, da conformação, da força e das deficiências das classes sociais, além do estudo do grau de desenvolvimento das forças produtivas comparando-o com o estágio de desenvolvimento histórico das relações de produção, de forma a se constatar se a conjuntura aproxima-se ou distancia-se de uma situação revolucionária.

                De outra monta, para aqueles que têm interesse em analisar Marx enquanto economista político, sua obra de maior envergadura, o Capital, oferece a mais bem acabada análise do capitalismo, suas formas sutis de exploração, além de introduzir conceitos chaves para a compreensão daquele modo de produção: valor, trabalho, mais valia absoluta, mais valia relativa, etc.

                No que se refere à sociologia, há de se perceber que a tarefa de sistematizar textos de Marx sobre o tema envolve um trabalho mais complexo. Como dissemos, ainda que seja possível dividir a obra do filósofo revolucionário alemão a partir das disciplinas determinantes de cada obra, esta separação possui algo de arbitrário e contraria certamente a orientação metodológica de Marx. Assim, ainda que o tema da Economia Política esteja premente em “O Capital”, a obra também possui desenlaces de filosofia (quando busca analisar o que é alienação) e política (quando a crítica da economia política possui por trás de si a intenção de revolucionar o mundo). No que se refere à sociologia, o trabalho de Otávio Ianni certamente revela o enorme domínio do sociólogo da USP sobre o tema objeto de estudo. Afinal, as questões de sociologia – a produção da sociedade, as classes sociais e suas contradições, a questão da consciência, o papel social do estado e sua relação com a sociedade civil – vão aparecer não em um ou dois livros específicos de Marx, mas em trechos particulares de praticamente todas as suas obras.

O ponto de partida da crítica de Marx envolve o questionamento da filosofia clássica alemã (desde o rompimento com o hegelianismo de esquerda, invertendo a dialética, do céu à terra, da terra ao céu); a crítica do socialismo utópico francês, havendo no livro, trechos da obra “Miséria da Filosofia” em que Marx combate desvios idealistas e evolucionistas quanto à história em Proudhon; e a crítica da economia política clássica inglesa, que encontra seus limites justamente por não se propor a questionar e ir além do modo de produção dominante.

Por meio da crítica destas três linhas de pensamento, Marx desenvolve uma teoria segundo a qual a anatomia da sociedade está nas suas relações de produção – e aqui há o pulo do gato, o salto qualitativo quanto à contribuição de Marx à sociologia, a partir do momento em que Marx equipara a totalidade da vida social a edifício cujas bases estão nas relações de produção (estrutura) a partir da qual se projeta a política, o direito, as artes, a religião e a cultura (elementos da superestrutura).

Outra preocupação sociológica discutida por Marx é a questão do estado. Este, como já dito, define as relações de propriedade dominantes, que por sua vez são implicações das relações de produção. Existe no que tange ao estado uma aparência que omite ou obscurece as relações de exploração e dominação – as classes dominantes são capazes de impor os seus interesses de classe a toda a sociedade civil como se fossem interesses universais. O Estado em Marx é assim uma colossal superestrutura, um poder organizado de uma classe sobre a outra, ainda que surja como um ente que representaria  todas as classes. Nas palavras de Marx “O Estado se funda na contradição entre o público e a vida privada, entre o interesse geral e o particular. (.,.) O governo moderno não é senão um comitê administrativo dos negócios da classe burguesa”.

Entretanto, desde que a história é a história da luta de classes, o domínio de uma classe sobre a outra nem sempre é pacífico: ocorre por vezes o que poderíamos chamar de anomalias históricas, a exemplo do bonapartismo a partir da eleição francesa de 1984 – que pelo sufrágio universal masculino e por meio do voto predominantemente camponês levou ao poder Napoleão III. Trata-se de um momento da história de crise de hegemonia, situação em que nenhuma classe ou fração de classe vê-se capaz de assumir os rumos do estado, fazendo com que o mesmo aparentemente “pairasse” sobre a sociedade e sobre as classes sociais. Entretanto, o bonapartismo é também um mecanismo burguês de perpetuação do capitalismo: trata-se de um regime necessário para a própria sobrevivência das classes possuidoras, exprimindo-se em alguma medida também alguns interesses da classe antagônica à burguesia, o proletariado.

O conjunto de textos utilizados como base para a coleção são: Contribuição à Crítica da Economia Política; O Capital; A Sagrada Família; a Miséria da Filosofia; 18 de Brumário e Cartas a Kugelmann; Revolução e Contra Revolução na Alemanha; e a Ideologia Alemã. A seleção cumpre importante papel para aprofundamento das análises sociológicas do marxismo envolvendo os temas da política, das classes sociais, do estado, da consciência e da teoria da história. Sua leitura e estudo são fundamentais, ainda hoje.       

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Saias na USP: Alguns apontamentos sobre tática, estratégia e opressões


Saias na USP: Alguns apontamentos sobre tática, estratégia e opressões



A questão da tática e da estratégia foi, no movimento socialista, objeto de interesse pelos marxistas somente a partir da III Internacional. Isso significa que até a II Internacional, não havia uma delimitação clara entre estratégia e tática, diluindo-se a primeira na segunda, não se condicionando a segundo às exigências da primeira. “Isso não era casual, tinha a ver com a entrada naquilo que Lenin chamou de “época de crises, guerras e revoluções”, e com a enorme experiência adquirida a partir da revolução de outubro, e em geral com os grandes enfrentamentos entre revolução e contrarrevolução que se sucederam”[1]. 
A luta revolucionária do proletariado envolve a constituição de uma vanguarda (organizada necessariamente em partido revolucionário) que se coloque a altura dos desafios históricos, que dirija as massas exploradas e oprimidas pelo capital, a partir de um movimento que, de forma unificada e orquestrada, golpeie com todas as forças sociais disponíveis a burguesia, expropriando-a de seu poder econômico e político. A expropriação política diz respeito à dissolução imediata do estado e suas instituições adjacentes, processo que só pode ser forjado em meio a um processo ou conjuntura revolucionária, com a criação de organismos de duplo poder (como os Sovietes entre fevereiro e outubro de 1917 na Rússia), com o esmagamento do aparato repressivo-ideológico do estado burguês, expulsão de todos políticos profissionais, magistrados, burocratas de alto escalão e partidos políticos da grande e média burguesia, apenas se permitindo a existência política dos partidos que apoiam as bandeiras da revolução: a ditadura do proletariado como a forma social transitória que caminha para o comunismo, uma nova sociedade não mais fracionada em classes, infinitamente mais livre e igual que a sociedade capitalista.

E mais: a luta pelo poder envolve a constituição de milícias operárias e o armamento do proletariado, concomitante à dissolução da polícia e de todo aparato repressivo do estado burguês, para garantir o processo de transição, sendo necessária uma generalização mundial da revolução. Do ponto de vista político, há a construção de um novo poder a partir dos órgãos de produção, os conselhos de fábrica ou os "soviets", baseando-se o movimento no método do coletivismo, da democracia direta e da horizontalidade/igualdade entre os distintos partidos que apoiam a revolução. Todos os órgãos de representação e decisão política passam a ser controlados diretamente pela base, por meio de mandatos revogáveis.
Para assegurar a vitória política sobre a burguesia, para além da dissolução de todos os seus órgãos de poder, no plano moral é necessária a mais total disciplina partidária da vanguarda que deve, de forma coordenada, dirigir a revolução sem substituir o sujeito histórico (afastando-se de todo subsititucionismo ou blanquismo), mas atuando de forma permanente junto ao povo e aos trabalhadores, criando as bases de uma nova democracia socialista. É necessário igualmente um controle estrito das direções políticas pelas bases como forma de se evitar a burocratização do poder que, ao longo do séc. XX, conduziu ou vem conduzindo experiências revolucionárias à restauração capitalista.
Estes são alguns dos elementos gerais de estratégia a partir do qual devemos pensar as táticas políticas. A vitória tática é uma vitória episódica de uma batalha específica contra a burguesia. A vitória estratégica é a vitória histórica da guerra travada entre os capitalistas e o proletariado (a frente das massas exploradas, incluindo os camponeses, dirigidos pelo proletariado industrial e urbano) em nível mundial.
Nos principais processos revolucionários do séc. XX, os movimentos sociais e o movimento dos trabalhadores, via de regra, não conseguiram ir além do momento democrático da luta revolucionária, ocorrendo vitórias de "batalhas" (tática) e quase nenhuma vitória de “guerra” (estratégia). A exceção de uma experiência pós-capitalista (revolução social) é Outubro de 1917. Neste sentido, quanto às vitórias táticas, podemos citar a queda da ditadura na Nicarágua pela revolução Sandinistas, a Revolução de 1959 em Cuba, a Revolução dos Cravos em Portugal, a Revolução Vietnamita, os enfrentamentos de Allende no Chile nos anos 1970 ou mesmo a Revolução Iraniana (ainda que dirigida pelo clero islâmico, houve lá uma revolução política), como desenlaces de vitórias ou avanços no plano da tática: comparando-se à Revolução Russa, as principais revoluções do século XX não passaram de "fevereiro", não implicaram em revoluções não só políticas, mas sociais, que tivessem como perspectiva a superação do modo de produção capitalista e não apenas a remoção de ditaduras, de regimes corruptos ou obscenamente subordinados ao imperialismo.
Neste debate entre o que é tático e o que é estratégico, é necessário estabelecer alguns critérios de diferenciação, para pensar o que determina e o que é determinante na luta pelo socialismo. Deve-se como ponto de partida perceber como estes dois elementos relacionam-se entre si: deve-se entender a tática como algo indissociado da estratégia. Para manter a analogia com a linguagem militar, podemos dizer que uma guerra só é vencida após a vitória das diversas batalhas decisivas. Por outro lado, uma vitória tática só pode ser considerada como tal quando nos aproxima de algum modo da nossa estratégia. Sob este critério elementar (a indissociabilidade entre tática e a estratégia e a repercussão de uma verdadeira vitória tática sobre o desenlace da luta estratégica) é que devemos afirmar onde há uma vitória e onde há uma derrota, quando nos aproximamos ou quando nos afastamos do fim geral do movimento, a emancipação dos trabalhadores e dos homens frente ao mundo do capital.
É nestes marcos, desde uma reflexão envolvendo tática e estratégia, que, acreditamos, deve ser pensado o debate sobre opressões, como um momento de uma luta tática com potencialidade de repercutir favoravelmente no plano da estratégia. As opressões de gênero/raça/orientação sexual são em primeiro lugar expressões colaterais da exploração essencial do modo de produção capitalista, a luta entre capital e trabalho. O machismo reserva às mulheres os mais baixos salários, e a uma segunda ou tripla jornada de trabalho, envolvendo não só o emprego menos qualificado, mas tarefas como cozinhar, arrumar a casa, cuidar dos filhos, lavar e passar a roupa, etc. O machismo combina-se com o racismo, reservando à mulher negra as ocupações ainda mais precarizadas nas relações de trabalho: para quem está na universidade, basta observar a massa de trabalho terceirizado de limpeza, composto basicamente por mulheres e negras, sem direito, na universidade, à creches, lavanderias públicas e restaurantes gratuitos, eliminando a 2ª ou 3ª jornada. A violência contra LGBTT's envolve uma cultura homofóbica criada por certa indústria cultural que reitera padrões de heteronormatividade e não acolhe a diversidade de fato, ainda que o faça eventualmente no âmbito do discurso. Desde os programas de humor, até a propaganda, o cinema e a internet, o padrão hegemônico de heteronormatividade, machista, racista e homofóbico, se inserem na lógica do capital através dos meios mais insólitos. É válido citar os resultados da inadequação de homens e mulheres aos padrões heteronormativos: patologias como anorexia, bulimia e a depressão, trotes universitários opressores em diversos níveis, chistes e agressões a gays, lésbicas, travestis e trans, seguranças de festas e shoppings reprimindo manifestações de amor de homossexuais, etc. Poderíamos continuar por horas citando os exemplos, sendo válido mencionar apenas mais um: a apropriação pela indústria cultural da cultura racista, machista e homofóbica para a produção de qualquer tipo de bem/mercadoria cultural destinada ao consumo: dos programas humorísticos, até novelas e peças publicitárias que se servem das opressões para alimentar o lucro da Indústria Cultural.
Se consideramos as opressões como algo decorrente das exigências de valorização do capital, passa a ser incompatível lutar por diversidade e não lutar contra o sistema de miséria material e moral que produz a violência contra LGBTTs, que naturaliza a violência contra a mulher ou mesmo a responsabiliza pela violência sexual por meio de julgamento acerca da roupas usadas, além da violência cotidiana perpetrada pela polícia a jovens negros e negras das periferias. Como algo associado ao modo de produção capitalista, mais uma vez, percebemos como o problema da tática e da estratégia não podem ser dissociados, mas entendidos como dos momentos de uma luta comum, momentos que informam dialeticamente um ao outro. Assim, lutamos contra o capitalismo (estratégia) por que lutamos contra as opressões (tática). Lutamos contra as opressões (tática) por que lutamos contra o capitalismo (estratégia). A luta contra as opressões, cada batalha específica é um movimento tático que pode ou não nos aproximar da estratégia. Nestes marcos, acreditamos ser necessário tornar de forma prioritária as manifestações das opressões mais abertamente associadas à exploração do capital, como ponto de partidas: aqui as opressões podem ser mais facilmente desnaturalizadas por estarem mais diretamente relacionadas com as condições materiais de existência. Neste sentido, falta ao movimento, na universidade, lutar por creches, lavanderias e restaurantes públicos, combatendo as extenuantes duplas/triplas jornadas de trabalho.
Da luta tática avança-se na própria luta por uma percepção crítica do que é o trabalho sob o capitalismo, como o mundo se apoia na exploração do trabalho para a extração de mais-valia e o processo de valorização do capital. Quanto à violência contra LGBTT's, cada denúncia de ataques deve ser respondida igualmente sob o ângulo da estratégia, buscando, desde o caso concreto, fazer as mediações entre a brutalidade dos homofóbicos e a conivência do poder instituído (dado um parlamento que se nega a criminalizar a homofobia), denunciando igualmente as igrejas que ganham fartos dinheiros por meio de isenção de impostos ao mesmo tempo em que sustentam discursos de ódio ou pregando uma "cura" gay. No que tange o racismo, o patriarcalismo dominante numa ex-colônia escravista como a nossa deixa explícito como a acumulação inicial de capital comercial no ambito do colonialismo serviu-se da exploração escravista: a escravidão persiste explicando o racismo no Brasil. Todas as opressões, batalhas táticas, apenas avançarão pontualmente quando aproximarem-se da luta estratégica, pelo fim do capitalismo e pelo socialismo.
Saudamos a iniciativa dos companheiros que, em solidariedade ao colega vítima de homofobia na EACH, estão utilizando saias como forma de mostrar apoio. Entretanto, nossa intenção com este artigo foi a de, a partir da discussão sobre tática e estratégia, dar uma proposta de interpretação da questão das opressões sob o capitalismo, assinalando que uma luta consequente, que vá até a raiz do problema, envolve necessariamente revolucionar o mundo. 

Paulo Henrique de Oliveira Marçaioli – Independente da Juventude às Ruas  

terça-feira, 14 de maio de 2013

“O Papel do Indivíduo na História” - G. V. Plekhanov




Resenha Livro 57# “O Papel do Indivíduo na História” – Plekhanov

“O Papel do Indivíduo na História”, além de nomear o livro, é também o título do 3º e último capítulo da obra. Os outros dois capítulos iniciais também versam sobre o que poderíamos chamar de teoria ou filosofia da história: “Da Filosofia da História” e “Da Concepção Materialista da História”.

Assim, o que perpassa todos os artigos do pensador marxista russo é a preocupação em delinear o que é o materialismo histórico e o materialismo dialético. Tal exposição diz respeito à análise da história, situando, igualmente, outras correntes historiográficas e, particularmente no 3º capítulo, polemizando com outras correntes teóricas (subjetivistas e correntes materialistas que negam absolutamente a importância do elemento individual na história).


G. V. Plekhanov (1856-1918) é um dos introdutores do marxismo na Rússia, considerado como pertencente da primeira geração dos marxistas daquele país. Ainda que tenha se aliado aos mencheviques e não tenha apoioado a revolução de outubro de 1917, ainda é reivindicado como referência teórica. Vale mencionar as palavras de Lênin, que alerta sobre a necessidade de não fazer este autor cair no esquecimento.  “A melhor exposição da filosofia do marxismo e do materialismo dialético é a feita por Plekhanov. (...) Penso que não demais observar aos jovens membros do partido que não é possível tornar-se um verdadeiro comunista, dotado de consciência de classe, sem estudar – friso estudar   - tudo o que Plekhanov escreveu sobre filosofia, pois é o que há de melhor na literatura internacional do marxismo”.

O texto do autor russo certamente remete ao ponto de vista de um homem do final do séc. XIX que, mesmo sob a orientação do marxismo, não deixa de projetar certa intenção de dar contornos de cientificidade às análises. Plakhanov escreve como um cuidadoso cientista que vai didaticamente descrevendo para onde caminha sua linha de raciocínio, como se chega a determinada conclusão, etc. Há algo de empírico na sua narrativa. Certamente, o marxismo não seria uma corrente filosófica que não passaria totalmente imune ao predomínio da ideia da construção de uma ciência social equiparável às ciências naturais, ou seja, da pretensão de cientificidade e  estrita objetividade da análise das relações sociais, predominante na corrente filosófica positivista.

Certamente, os marxistas de então tinham a pretensão de apreender de forma científica uma realidade, ainda que, também certamente, o marxismo e seu entendimento da totalidade das relações sociais projetadas pelo modo de produção, alcançasse o maior grau de profundidade nas análises do que todas as demais correntes de pensamento. Desde o período em que a burguesia deixa de ser uma classe revolucionária para ser uma classe social dominante interessada em manter sua condição, ou seja, uma classe reacionária, a sua economia política clássica e “revolucionária” (Smith-Ricardo) degrada-se em economia política vulgar e “reacionária” (Malthus- Hill). Igualmente, conformando-se o proletariado enquanto sujeito em si para sujeito para si, sob a inspiração do marxismo, este sujeito social poderá ter condições de manter um olhar mais profundo da realidade, por sua posição social no mundo e por sua capacidade de,  como classe, superar historicamente o modo de produção capitalista.

Da Filosofia da História

O 1º capítulo é na verdade uma conferência dada por Plekhanov em Genebra em 1901. Neste ensaio, o autor faz resgate das principais correntes que explicaram as razões de ser das mudanças históricas. A concepção teleológica da história, a mais primitiva, é marcada pelo pensamento pré-científico, que encontra em motivos sobrenaturais – incompatíveis com método científico – a explicação do curso da história. Santo Agostinho, por exemplo, estabelece que os acontecimentos históricos estão inteiramente submetidos à providência divina.

A concepção idealista da História representa um avanço. Esta linha afasta-se das explicações sobrenaturais, estabelecendo que são as opiniões mais ou menos dominantes de certa sociedade é a causa mais profunda do desenvolvimento da história. Por esta perspectiva, Voltaire afirmarava ser o cristianismo a causa da queda do império romano. Entretanto, a concepção idealista ainda mantém limites. Segundo Plekhanov, in verbis:

“A concepção idealista da História é verdadeira no sentido de que há nela uma parte de verdade. Sim, há verdade. A opinião tem grande influência sobre os homens. Temos, pois, o direito de dizer que governa o mundo. Mas, não temos o direito de perguntar se esta opinião que governa o mundo não é governada por sua vez? Em outros termos, podemos e devemos perguntar se as opiniões e os sentimentos dos homens são algo submetido ao acaso. Formular essa pergunta é resolvê-la imediatamente em sentido negativo. Não, as opiniões e os sentimentos dos homens não estão sujeitos ao acaso. Sua origem e evolução estão subordinados a leis que devemos estudar”.

Depois de ir delineando a evolução da teoria da história, desde os enciclopedistas, até os historiadores da reação pós-revolução francesa, passando por Hegel, Plekhanov chega até a concepção marxista da História, a única ferramenta teórico-metodológico capaz de explicar as leis gerais do movimento histórico. Para Marx, são as relações de produção que determinam todas as outras relações que existem entre os homens na sua vida social (cultura, política, direito, arte, etc.). As relações de produção por sua vez não são dadas ao acaso, mas pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Assim, determinadas pelo desenvolvimento das forças produtivas (capacidade de domínio do homem sobre a natureza, o que envolve desenvolvimento de técnicas de produção), o mundo assistiu a diversos tipos de sociedade: caçador, agricultor, comercial, industrial e financeiro. Diz Plekhanov: “Cada um desses tipos de sociedade é caraterizado por certas relações entre os homens, relações que não dependem de sua vontade e que são determinadas pelo estado das forças produtivas”.

As relações de produção igualmente projetam/decidem as relações de propriedade. Se no feudalismo, o modo de produção implicava em determinados institutos que informavam as relações de propriedade (institutos como servidão, descentralização político-administrativa, vassalagem, hegemonia relativa das ideias da Igreja Católica), sob o capitalismo opera a lógica da propriedade privada e da disponibilidade no mercado da força de trabalho, convertida em valor de troca, em mercadoria, enquanto o "espírito do capitalismo" é informado pela emergente ética protestante.

“O Papel do indivíduo na História” segue com as análises sobre as distintas concepções materialistas da história, destacando-se especificamente Labriola.

Já no último capítulo, há a busca do estabelecimento de uma síntese entre as correntes historiográficas subjetivistas (que super-estimavam a influência do indivíduo na história, condicionando todos os grandes eventos da história às particularidades individuais dos líderes de cada tempo) e as correntes deterministas, para quem a história se desenvolve exclusivamente por meio de leis e funções independentes da vontade do homem. 

Desde o ponto de vista do materialismo histórico-dialético, a história é determinada pelo desenvolvimento da luta de classes, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas e pelo modo de produção correspondente.  Se o processo histórico desenvolve-se por meio do conflito de classes, as condições gerais da economia e das relações de produção, quando estas entram em contradição com o grau de desenvolvimento das forças produtivas, geram rupturas políticas e institucionais. Abre-se um período de mudanças históricas e nestes marcos projetam-se indivíduos que, forjados em seu tempo, são capazes de exercer liderança e alterar o rumo da história, ao menos a curto e médio prazo. Entretanto, afirma Plekhanov, é pouco provável que a morte prematura de Napoleão teria implicado em rumos tão diferentes na história da França e da Europa do séc. XIX: muitos outros oficiais do exército francês (o mais poderoso da Europa de então) poderia estar a frente dos eventos e à altura dos desafios históricos. O que resta assinalar é que Marx coloca que as grandes questões, os grandes problemas apenas surgem na sociedade quando há a possibilidade de resolvê-los. O que se constata é que o homem faz a história, mas a faz nas condições históricas colocadas, independente da sua vontade. Ademais, a projeção de indivíduos que ganham destaque na história diz respeito às personalidades e inteligências capazes não só de situar o desenvolvimento e o curso/sentido da história, como acertar nas projeções de futuro. A história exige da ação humana consciente uma força para a sua transformação: relações de produção não caem de podre, apenas desmoronam tanto por leis objetivas da história quanto por movimentos subjetivos, associados à intervenção do homem e, mais importante, das classes sociais na história.

     

terça-feira, 7 de maio de 2013

“Um Reformismo Quase sem Reformas – uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira” – Valério Arcary


“Um Reformismo Quase sem Reformas – uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira” – Valério Arcary - Ed. Sundermann 2011

Resenha livro # 56

Valério Arcary é historiador, professor do IFSP  e dirigente do PSTU, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado. O seu livro corresponde à uma compilação de 10 artigos que versam basicamente sobre a experiência do governo do PT à frente do governo nacional. É, nesse sentido, uma obra que está inteiramente permeada de polêmicas junto aos setores da esquerda governista. De fato, a experiência da eleição de Lula em seus dois mandatos foram objeto das maiores confusões no âmbito da esquerda. Houve quem visse os fenômenos do aumento real do salário mínimo, a expansão do crédito e a atenuação da miséria de parcela significativa da população por meio do bolsa família como um sinal de que se tratava de um governo aliado do povo e da classe trabalhadora. Por outro lado, outros setores mais críticos ao governo, vislumbrando corretamente o compromisso histórico firmado entre a direção do PT e a burguesia brasileira (acordo materializado na “Carta ao Povo Brasileiro” de 2002 e na nomeação de Henrique Meirelles à chefia do Banco Central), porém dizendo ser este um governo “em disputa”, de forma que construir alternativas ao bloco governista, tanto do ponto de vista partidário quanto no âmbito sindical, criaria melhores condições para um encaminhamento ainda mais à direita do governo.

Quanto a este problema específico, qual seja, a polêmica acerca da viabilidade do PT enquanto instrumento da revolução brasileira, dois capítulos do livro são dignos de nota. Em “A invensão de uma esquerda internacionalista para o novo século, à luz dos dilemas do marxismo alemão e russo de há cem anos atrás”, Arcary traça um paralelo bastante pertinente entre a experiência do PT e a atuação dos socialistas revolucionários frente à capitulação do partido dos trabalhadores ao papel de gestor do capitalismo brasileiro e as experiências de degeneração do partido social democrata alemão – fenômeno do qual Rosa Luxemburgo extraiu as lições acerca destas tensões envolvendo a pressão pela unidade da esquerda e a exigência de um partido independente dos trabalhadores. Há igualmente uma comparação com a experiência de Lênin, o seu “racha” com o social-chauvinismo da segunda internacional com a conformação da III Internacional, para além da divisão entre mencheviques (“minoria” , reformista) e bolcheviques (“maioria”, revolucionária).

O que há de se destacar aqui é que as condições brasileiras – de país periférico do capitalismo mundial e com uma classe operária com significativo peso social, porém inexperiente quanto aos embates de classe – fizeram com que o transformismo do PT, sua adaptação à ordem e seu compromisso mesmo de ampliar o ajuste neoliberal com contra-reformas, todo este processo de degeneração ocorreu numa escala de tempo muito menor, foi um processo acelerado em comparação à Alemanha e França, que transformou um partido que se forjou a partir das experiências da luta de classes durante a fase final da ditadura, desde o avanço  grevista de 1978/1979, como  um partido operário independente – ainda que desde seu início já preso à lógica reformista e parlamentar de seus grupos dominantes. A consolidação daquela direção à frente do partido e as primeiras experiências de mandatos parlamentares e nos executivos foram criando as condições para a consolidação de um partido que aparecesse como uma alternativa viável à burguesia brasileira e imperialista, particularmente em momentos de crise, fenômeno premente na América Latina, destacando-se as lutas de classes na Venezuela, Bolívia, Equador, entre outros, ao longo dos anos 2000.      

Ao credenciar-se como uma alternativa burguesa à gestão do capitalismo brasileiro, o PT logrou alcançar resultados mais satisfatórios, desde o ponto de vista da dominação do capital, do que a experiência do PSDB no governo. Assim, Valério alerta-nos, em seu capítulo dedicado à análise do mensalão em 2005, como o próprio imperialismo norte-americano ajudou a blindar o governo durante a crise – por meio da visita ao Brasil de enviado da casa branca com o intuito especifico de levar o apoio do imperialismo ao PT frente à crise instaurada pela revelação do instituto da compra de votos no congresso nacional. Se setores da esquerda como o MST erroneamente viam nas movimentações de setores da burguesia brasileira (por. ex. a seção paulista da OAB, além da oposição de direita do PSDB/PFL) um movimento para derrubar o “governo popular” – incorrendo no erro de não observar o apoio incondicional ao governo das frações mais importantes da burguesia nacional, da burguesia financeira (lembrando que o próprio Lula afirmava sem pudor que os bancos não lucraram tanto em seu governo, não sem razão[1]) e do agronegócio (Lula foi considerado o “herói dos usineiros”), além do próprio imperialismo norte-americano que encontrara no Brasil um interlocutor entre países que diferentemente do nosso não canalizaram o mal estar do ajuste neoliberal nas urnas, mas nas ruas: o Brasil, portanto,  desempenhando um papel sub-imperialista na América Latina, tendo como aspecto mais emblemático de sua subordinação ao jugo do imperialismo mundial, a sua intervenção à serviço dos EUA no Haiti. Não só atendendo os interesses externos: preparando também do ponto de vista técnico as forças armadas para a ocupação e controle policial das periferias dos grandes centros urbanos, tais quais os morros do RJ.  

Um reformismo sem reformas é uma boa escolha de título de livro que se propõe a  se debruçar acerca da experiência de um governo que se apoiou e se apoia em uma retórica de esquerda, enquanto governa para os capitalistas, para os banqueiros e para o imperialismo. Esta situação não diz respeito exclusivamente à suposta “falta de vontade” do governo aprovar reformas progressistas, como a reforma agrária ou a reforma urbana, apoiando-se na mobilização de massas. Ocorre que, ao contrário do que ocorreu a partir da segunda metade do século XX, quando as burguesias nacionais dos países centrais, temendo novas revoluções de outubro,  aceitaram negociar reformas junto ao proletariado, abre-se agora um novo período histórico pós 1989/1991. Há de se destacar que o capitalismo em nível mundial passa por uma nova fase, afastando-se crescentemente dos padrões do estado de bem estar social e retirando direitos sociais, econômicos e laborais – por meio do ajuste neoliberal dos anos 1990 e agora desde o endividamento dos estados nacionais decorrente de políticas de auxílio estatal às quebras de bancos e empresas abertas pela crise mundial de 2008.

Em outras palavras, e ao contrário do que afirmam os discursos otimistas do governo que nomeia a si próprio como “desenvolvimentista”, vivemos numa época histórica em que fica cada vez menos possível a concessão das grandes reformas estruturais pelas quais a revolução brasileira aspira. Aqui ousaríamos acrescentar um elemento ao nome do livro do professor Arcary. Além de ter sido o governo Lula e ser o atual governo Dilma, um governo sem reformas (sem reforma agrária, sem reforma urbana, sem reforma que combata o monopólio da mídia, sem reformas laborais que ampliem direitos como a redução de jornada de trabalho, etc.), com concessões tímidas envolvendo aumento real do salário mínimo e do salário médio do trabalhador manual, além do bolsa família, e, ainda, com contra-reformas, como a reforma previdenciária (que implicou na expulsão de parlamentares à esquerda do PT e na fundação do PSOL em 2003), e agora a proposta de reforma trabalhista por meio do ACE (Acordo Coletivo Especial), reforma decorrente de uma ironia trágica da história: o principal sindicato que impulsionou o movimento operário do ABC em fins dos anos 1970, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é simplesmente o autor do projeto de lei que representa o mais grave ataque aos direitos laborais desde a mobilização do exército a mando do governo FHC para quebrar a greve dos petroleiros em 1995. Em outras palavras, além de não avançar nas reformas democráticas – por substituir o sujeito social da mudança, do proletariado liderando as massas populares aos acordos junto às oligarquias regionais (Ex. José Sarney), à burguesia financeira da avenida paulista e ao imperialismo, hoje personificado na figura de Obama, para quem Lula é o “cara”- além de não avançar nas reformas democráticas, fez e faz o governo contra-reformas, ao mesmo tempo em que alimenta ilusões no povo na viabilidade do estado burguês. Como uma esfinge enigmática, muitos estudos mais ainda serão necessários para compreendermos o que significou o governo nacional do PT nestes últimos 10 anos, destacando-se sua mutação (e a de seu braço sindical, a CUT) de partido operário independente em partido da gestão do capitalismo brasileiro, de sindicato combativo, a sindicato autor de projeto de lei que ataca direitos laborais.      




[1] De acordo com matéria do Correio Braziliense, a partir de dados consolidados do próprio Banco Central, as 100 maiores instituições financeiras do país acumularam lucros de R$ 127,8 bilhões entre 2003 e 2009, os sete anos de governo Lula. Nem mesmo a crise econômica que balançou o planeta impediu os lucros do setor. Ao contrário, o setor foi um dos poucos que passaram incólumes e ainda aumentaram seus lucros. Fonte: http://www.pstu.org.br/node/15441 Acesso em 07.05.2013