terça-feira, 21 de setembro de 2010

Rosa Luxemburgo – tensões entre o econômico e o político na Revolução.




Resenha #3 - Rosa Luxemburgo - Os Dilemas da Ação revolucionária

As ideias de Rosa Luxemburgo remetem, no senso comum do campo da esquerda, às suas críticas à burocracia, ao papel espontâneo das massas como elemento central da luta pelo socialismo. Pensar em Rosa é lembrar-se de sua polêmica com Lênin correspondente às relações partido x sujeito histórico.

Destacou-se, neste senso comum, uma suposta concepção que aponta a "ingenuidade" de Rosa Luxemburgo. Ingênua interpretação da História, fundamentando o “colapso” do capitalismo às suas leis de bronze previstas por Marx. Ingênua interpretação da política, a partir da reivindicação intransigente da democracia operária, da ação mais ou menos espontânea das massas em contraponto ao modelo leninista de partido que dirige essas massas – enquanto em Rosa, o partido político deve antes dar conteúdo político e palavras de ordem corretas ao movimento de massa, interpretá-lo , portanto.

A partir do estudo da pesquisadora Isabel Maria Loureiro pudemos constatar como todo o senso comum tem a sua razão de ser na conformação da batalha das idéias e disputas de poder. O luxemburguismo foi, de fato, isolado pelo stalinismo. Rosa foi majoritariamente entendida como uma intelectual “ambígua”, identificada com uma interpretação particular do movimento operário alemão que se mostrou historicamente derrotado. Toda a contribuição de Rosa no sentido de explicitar a importância da organização independente dos trabalhadores e da democracia operária radical perdem sua “conveniência”.

No maio de 1968, o pensamento de Rosa passa a ser resgatado, de maneira a ressaltar seus aspectos mais libertários. Luxemburgo tematiza a relação entre espontaneidade e consciência de classe, a união entre partido e classe cuja implicação é a centralidade da greve de massas e uma concepção democrática do socialismo. Além disso, apenas indicamos as críticas ao autoritarismo e à concepção de democracia em Rosa, que a afasta tanto do reformismo e do autoritarismo, facilitando a sua reivindicação em 1968. Autoritarismo, mesmo num contexto revolucionário, passa a ser contraproducente: “todo o regime de Estado de Sítio que se prolonga leva ao arbítrio e todo o arbítrio tem um efeito depravante para a sociedade (...) Ditadura de classes, isso significa que ela (classe) se exerce no mais amplo espaço público, com participação sem entraves, a mais ativa possível das massas populares numa democracia sem limites”.

No Brasil, mais recentemente, a fundação do PT e o grupo político ligado a Mário Pedrosa passam a reivindicar as idéias de Luxemburgo.

O Acerto de Contas

Evidentemente, toda a produção intelectual de determinado autor não pode ser traduzida ao interessado do presente em termos excessivamente lineares ou teleológicos, de forma a descrever toda a evolução de um pensamento individual a esquemas fixos, sem história. Tal preocupação é ainda maior no caso de Rosa Luxemburgo: além dos aspectos teóricos, destacamos sua intensa participação política, como militante da ala da esquerda radical do SPD e posteriormente do grupo Spartakus. O pensamento de Rosa corresponde às diversas respostas que uma militante intelectual dá num contexto especialmente conturbado – 1ª Guerra Mundial e a adesão traidora da social-democracia à guerra (contrariando o grupo de Rosa), a perseguição política, a experiência da Revolução Alemã, dos conselhos e do seu esvaziamento político. Tempos de agitação política, tempos de intensa participação da nossa autora, de maior ênfase na “prática” do que na “teoria”, corroborando para certas “ambiguidades” encontradas por alguns em Rosa. Ambiguidades que são, antes, diferentes análises de diferentes momentos feitas para diferentes finalidades: daí a importância da pesquisa histórica do pensamento de Rosa.

Feita a ressalva, passa a ser objeto de Isabel Loureiro identificar aquilo que é permanente ou mais geral no pensamento de Luxemburgo, de maneira a acertar contas com esse “senso comum”. Isso significa especialmente fazer a pergunta que também aflinge a nossa autora alemã: por que fracassaram os revolucionários da Alemanha? Para além da traição da social democracia, encontramos aquilo que é mais permanente na luta pelo socialismo: a relação entre teoria e prática,organização e espontaneidade, economia e política. A busca pela unidade histórica entre os pólos: 1- Da concepção materialista da história que enfatiza certas “leis gerais” e objetivas; 2- O fazer história pelo indivíduo ou sujeito histórico, ainda que não arbitrariamente, mas contando com “decisões individuais”, “ações audazes”, etc. Nas palavras de Rosa, “a Marcha da História realiza-se certamente de acordo com leis próprias, infalíveis. Mas os homens são portadores dessas leis. Eles não Fazem arbitrariamente a história, porém, fazem-na eles mesmos”.

Partidos Políticos, Massas e Democracia

Nesta relação entre teoria e prática ou indivíduo e história, Rosa tende a reforçar o pólo da espontaneidade da classe nos momentos de ascensão das lutas, enquanto, nos momentos de retrocesso, remete à sua confiança nas “leis de bronze da história” e no “otimismo” pela revolução.

Sua compreensão sobre o papel do partido político também destaca um ou outro pólo baseando-se na sucessão de acontecimentos na Alemanha. O Partido ora atua como intérprete do movimento de massas, ora como uma espécie de “reserva moral” – é no trágico momento em que os trabalhadores alemães voluntariamente se inscrevem para lutar na 1ª Guerra, acenando ao jogo do imperialismo e à destruição mútua dos trabalhadores europeus, que a tese da reserva moral da organização – ainda que inicialmente má compreendida pelas massas - é levantada por Rosa.

O papel do partido político em Rosa é agitar e esclarecer, sempre. Mas nos momentos de agitação, ele deve ser um porta-voz, enquanto nos momentos de recuo, ele se converte em canal de “esclarecimento".

Outros dois aspectos são essenciais e perpassam todo o pensamento de nossa autora.

Em primeiro Lugar, Rosa sempre foi adversária do partido político que se pretende substituir as massas - não há separação entre vanguarda consciente e massa, porque a massa, ao formar-se como classe revolucionária, torna-se vanguarda, afastando o aspecto da burocracia. O sujeito histórico em Rosa Luxemburgo são as massas e não o partido político.

Em segundo Lugar, Rosa nunca advogou uma teoria do “colapso” e sua análise sobre a fase imperialista do capitalismo assim como suas intervenções em vida nunca remeteram à ideia, assim como em Marx, de que o socialismo supostamente brotaria sem qualquer intervenção organizada dos trabalhadores: socialismo por geração espoantânea. Mais uma vez, o “senso comum” que, em Rosa, aplicou-lhe a pecha de “determinista” volta-se ao campo das disputas de poder, desta vez partindo da social democracia moderada da Alemanha.


A Greve Espontânea de Massas e a derrota da revolução

A greve espontânea de massas é o aspecto central do pensamento político de Luxemburgo, no sentido de ser uma fonte da geração de unidade entre econômico e político, o espontâneo e o organizatório, o inconsciente e o consciente. Através da luta livre e espontânea criam-se condições para que as massas se eduquem, deliberem sobre problemas que surgem no calor do momento e livrem -se do jugo da ideologia burguesa.

Se a ação livre das massas é esclarecedora, seria ela também eficaz, seria realmente capaz de tomar e manter o poder político? Não teria a excessiva confiança por estas massas sido parte de um balanço sobre as diversas derrotas do movimento dos trabalhadores, sua adequação ao capitalismo e ao reformismo, sua adesão voluntária às guerras e ao nacionalismo, aos oportunismos da direita e da social-democracia?

Neste ponto, Rosa aproxima-se mais da idéia da paciência revolucionária do que qualquer saída que levaria a um vanguardismo autoritário. Nos limitamos a finalizar aqui, com uma resposta bastante aproximada que Rosa poderia dar a estas perguntas partir da conclusão de Isabel Maria Loureiro:

“No Limite, Luxemburgo, num rasgo característico de qualquer revolucionário de esquerda, diz-nos: as massas não conhecem seus verdadeiros interesses. Entretanto, distingue-se dos bolcheviques ao não pôr a vanguarda esclarecida no lugar da massa ignorante, mas esperar a “varinha mágica” da “vida” fazer a classe despertar, a unidade teoria/prática dar-se de maneira orgânica e não mecânica: o tempo e a derrota seriam os grandes aliados da revolução socialista”.

Dialeticamente, derrotas passam a fazer parte da vitória, no futuro.

Numa conjuntura em que a revolução e o socialismo aparentam ter sido abolidos da ordem do dia e, no Brasil, num quadro de altíssimo popularidade de um governo capitalista pelo povo e trabalhadores, a paciência revolucionária, os papéis do partido enquanto "reserva moral" dos trabalhadores, agitação e esclarecimento, assim como as críticas à falsa democracia burguesa são itens que remetem à atualidade do pensamento de Rosa Luxemburgo. Um amigo meu já havia me dito que "Rosa era uma autora muito citada e pouco compreendida". Neste momento, seu resgate naquilo de há de mais fundamental - a teoria da praxis - torna-se central para combater a hegemonia do pensamento reformista.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Subjetividade, símbolos e a luta pelo Socialismo


Resenha#2 - Ensaios sobre Consciência e Emancipação - Mauro Iasi - Ed. Expressão Popular



"O desvelamento de um aspecto antes velado vale mil vezes mais do que um belo discurso valorativo que mantenha escondido, aos olhos de quem quer se libertar, um um elo de correntes que o oprimem". Mauro Iasi

Um dos argumentos mais recorrentes dentre aqueles que se colocam ora como franco adversários ora como "agnósticos" da teoria marxista decorre da suposta filiação de Marx a certo "economicismo" que reduziria as mais diversas possibilidades da vida às leis tendenciais do modo de produção histórico correspondente. Na verdade, combater o estruturalismo que determina os aspectos sociais, culturais e políticos da sociedade como manifestações mais ou menos objetivas da economia foi também uma batalha travada pelo próprio Marx em Vida.

Engels, após a morte de seu colega e como se já prevendo uma interpretação equivocada do materialismo dialético, afirma assim: "Segundo a concepção materialista da história, o fator que em última instância determina a história é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx, nem eu afirmamos, uma vez sequer, algo mais do que isso. Se alguém a modifica, afirmando que o fator econômico é o único fator determinante, converte aquela tese numa frase vazia, abstrata, absurda".

Se o marxismo vulgar reduziu os fenômenos de forma a torturar, enquadrar os eventos a suposta marcha inevitável da história, é a partir da retomada dos conceitos originais de ideologia, consciência, classe, etc. que Mauro Iasi produzirá sua série de ensaios reunida na edição "Ensaios sobre a Consciência e Emancipação" pela Ed. Expressão Popular. Nosso objetivo é abordar alguns temas discutidos por Iasi de maneira a explicitar algumas das diversas possibilidades de se pensar os aspectos subjetivos vinculados à consciência e emancipação política. Neste primeiro artigo, abordaremos, rapidamente a análise sobre as fases de consciência.

Fases da Consciência

Assim como na História, ao se analisar as fases da consciência política, não se deve estabelecê-la como algo linear, em que cada etapa independa e exista sem os elementos que sobrevivam de experiências passadas ou sem os germes de uma etapa posterior. Além disso, fica estabelecido que a consciência "movimenta-se", transita dentre diversas fases de maneira a apresentar avanços e recuos dentro da percepção ora mais ora menos crítica de sua participação enquanto indivíduo inserido na História.

Feito o aviso inicial, o autor busca diferenciar as fases (ou estados) da consciência – da alienação, vinculada já às experiências da mais remota infância em que há a captação de um concreto aparente, limitado, que generaliza as relações estabelecidas anteriormente à sua existência de forma a naturalizá-la. No âmbito do senso comum, os discursos de que “as coisas não mudam”, “sempre foram e sempre serão assim”, ou seja, a naturalização do indivíduo faz com que o mesmo “interiorize as relações, as transforme em normas, estando pronto para reproduzi-las em outras relações através de associação. A própria “naturalização” encontra resistência a partir de experiências que levem, da rebeldia a eventual organização em torno de reivindicações coletivas, a consciência em si. A luta sindical, os movimentos populares em torno de reivindicações específicas , as greves, etc. são manifestações desta nova fase.

Reformismo e A Consciência em Si

O que é particularmente curioso neste terreno é que são nos momentos de vitória das lutas específicas que se criam condições para o retrocesso, seja na revalidação das relações de opressão anteriores (ao trabalho alienado e ao capitalismo) seja na conformação de burocracias e no carreirismo de certas lideranças que vivem do jogo coorporativista. É só a partir do momento em que as demandas em si se ampliam num movimento para si, para a transformação do conjunto das relações sociais que haverá a terceira e última fase da consciência, a consciência revolucionária.

O aparente excesso de teleologia do esquema proposto por Mauro Iasi – talvez acentuado pela rápida exposição deste artigo – não é de todo condenável, em primeiro lugar por ser o seu texto um ensaio didático e expositivo. As chamadas “fases” voltam-se antes à ilustração – tipos ideais no sentido webberiano, nos atreveríamos. E, o mais importante, mesmo a fase revolucionária não é de todo livre de contradições. Muito pelo contrário. Ao afirmar uma nova sociedade em contraponto aos valores do seu tempo, aspectos do próprio universo subjetivo do indivíduo são contestados. Família, religião, arte, escola, amizades, tudo passa por uma espécie de crivo a partir do qual o indíviduo é pressionado a conciliar e a negar, em nome da busca pelo prazer e da manutenção dos princípios políticos. “O indivíduo que se torna consciente é, antes de tudo, um novo indivíduo em conflito. (...) O indivíduo sob essa contradição, com o grau de compreensão alcançado e diante da realidade objetiva, que não reúne condições materiais para uma superação revolucionária, tem diferentes caminhos a trilhar. Pode buscar mediações políticas que construam junto à classe os elementos que Lenin denominava de “condições subjetivas”, ou, diante de insucessos nessas tentativas, caminhar para ansiedade e depressão”. (IASI, Pg, 36 e 37).

Não nos atreveríamos a firmar com tanta convicção que o indivíduo que se reivindica revolucionário ou se organizará e atuará politicamente ou passará por momentos de crise existencial. Lembraríamos aqui, por exemplo, dos oportunistas que se apropriam da formação política e da sua consciência de classe contra a classe trabalhadora. Há, ainda, os céticos, os resignados, os religiosos, os apressados, os imobilistas, os pessimistas, todo um conjunto de massa indefinida que, somente com a conjugação apropriada das condições subjetivas com eventos desencadeadores pela luta de classes fará com que tendam cada vez mais aos lados do capital e do trabalho.

Ainda sobre a importante obra de Mauro Iasi, pretendemos, futuramente, trabalhar ainda os conceitos de ideologia, consciência de classe e o debate sobre a questão da fé.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A atualidade do Trabalho em Marx na Batalha das ideias.


Resenha Livro #1 - "A Dialética do Trabalho" - Org. Ricardo Antunes - Ed. Expressão Popular



A série de artigos organizados por Ricardo Antunes no livro "A Dialética do Trabalho" da Ed. Expressão Popular cumpre papel decisivo e atual.

Em primeiro lugar, é a partir da apresentação dos textos históricos de Marx e Engels que o leitor terá acesso introdutório às diversas dimensões (econômicas, sociais e filosóficas) que o trabalho assume na tradição marxista. O contato com as fontes originais - em que pesem dificuldades de tradução e os recortes das seleções de textos fragmentados - são provavelmente o melhor ponto de partida para eventuais aprofundamentos.

Em segundo lugar, o trabalho de Ricardo Antunes é mais um aporte para fazer frente à ideologia capitalista sob sua atual roupagem "pós-moderna". Os atuais apologistas do fim do trabalho combatem as supostas "teleologias" conceituais, incapazes de contemplar uma realidade fragmentada e pautada mais por pequenas contingências e menos pelos processos ou tendências gerais.

No que se refere ao conceito do Trabalho, sua negação conceitual pelo pos-modernismo é emblemática. Afinal, a negação da validade da categoria do trabalho não é exatamente uma "novidade", é antes produto histórico do modo de produção capitalista (do qual o pós-modernismo é sub-produto) que, ao alienar o trabalhador de seus meios de produção, cria condições históricas para a rearticulação do trabalho em um sentido anti-humano, em trabalho alienado, ou em "não trabalho".

O Capitalismo funda o momento histórico em que o trabalho deixa de ter a finalidade de satisfazer a necessidade humana em sua interação com a natureza (fim) convertendo o trabalho na expressão da nova relação social fundada na propriedade privada, capital e dinheiro (meio).


A Dupla dimensão do Trabalho: Retomar o sentido do Trabalho

Verificamos uma dupla dimensão do Trabalho. Em primeiro lugar, há o seu caráter emancipatório, decorrente do desenvolvimento da sociabilidade humana e da própria transformação do homem em sua relação com a natureza mediada pelo trabalho - é sobre a centralidade do trabalho na afirmação do homem como sujeito social e na capacidade de planificar seus atos sobre a natureza a partir de sua vontade que Engels identifica a passagem do Macaco ao Homem - primeiro artigo da coleção.

Acrescentaríamos, ainda sobre a dimensão emancipatória do trabalho, a participação revolucionária da classe operária na superação do trabalho assalariado no âmbito do capitalismo. Salta aos olhos do leitor a radicalidade política dos textos originais de Marx, em especial em sua Crítica ao Programa de Gotha onde destacamos sua crítica frontal ao reformismo ou às saídas meramente jurídicas ou no âmbito da democracia capitalista. "O governo é o órgão da sociedade encarregada da manutenção da ordem social", afirma lipidamente Marx. Outras passagens interessantes colocam o que, mais tarde, Lênin chamaria de "definhamento" do Estado a partir de um processo de transição revolucionária conduzida pelos trabalhadores (produtivos ou não) que vai além das "ilusões democráticas" do programa lassaliano. Marx refere-se ainda às experiências da economia de cooperativas, reivindicando sua autonomia em relação ao Estado. Marx crítico da burocracia também surge na crítica à Educação, que deve, num programa revolucionário, banir a influência da Igreja e do Governo. "É o Estado que precisa ser educado pelo povo", afirma o autor.

No que se refere ao caráter alienante do trabalho, reportamos a passagem do texto "Preço, Salário e Lucro" de Marx. É um trecho longo, mas vale a pena resgatá-lo pela força simbólica com que descreve o trabalho alienado e o condicionamento do homem à máquina. "O homem que não disponha de nenhum tempo livre, cuja vida - afora as interrupções puramente físicas, do sono, das refeições etc. - esteja toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e brutalizada intelectualmente, para produzir riqueza para outrem. E, no entanto, toda a história da indústria moderna revela que o capital, se não tiver um freio, tudo fará, implacavelmente e sem contemplações, para conduzir toda a classe operária a esse nível de extrema degradação".


Conhecer as categorias do mundo do trabalho (trabalho produtivo, força de trabalho, salário, capital, mais valia, etc.) não tem a finalidade meramente acadêmica, não cumpre função descritiva de fenômenos, mas torna-se ponto de partida para compreender a complexidade do trabalho no sentido de retomar o seu sentido humanizador e transformar a história. Se o trabalho situa-se dentro de um quadro em que a alienação naturaliza a forma assalariada como "justa", cabe a reflexão e o debate sobre a forma como se conformou o trabalho na história e, particularmente, no capitalismo, quando o trabalho não mais satisfaz, mas degrada: "O homem estranha-se em relação ao próprio homem, tornando-se estranho em relação ao gênero humano", já alerta Antunes no prefácio da obra.

Se partimos do ponto de vista de que as condições sociais não estão simplesmente dadas ao "acaso" ou a "naturalidade da essência humana", será com contribuições como a desta coletânea que poderemos, em alto e bom som, afirmar que, assim como a História, o trabalho não acabou.