“Fogo
Morto” – José Lins do Rego
Resenha
Livro - “Fogo Morto” – José Lins do Rego – Editora Nova Fronteira – 27ª Edição
Quando
da publicação de “Fogo Morto” no ano de 1943, José Lins do Rego já era um
escritor consagrado. Trata-se do seu décimo livro, escrito após a publicação de
outras obras de destaque, como “Menino de Engenho” (1932), “Doidinho” (1933), “Banguê”
(1934) e “Usina” (1936). Em todo o caso foi este romance considerado a obra
prima, o ponto mais alto da produção literária regionalista do escritor
paraibano.
O
autor nasceu em 3 de Junho de 1901 no engenho Corredor, Município do Pilar, Estado
da Paraíba. Seus pais eram da família Rego Cavalcanti, ligada há muitas
gerações ao mundo rural do nordeste. Desde menino José Lins do Rego ouvia
histórias nas fazendas, sabia dos contos populares, das músicas e de um
folclores regional que retrataria em seus livros. Sua obra reflete o
patriarcalismo rural dentro de uma perspectiva que parte do particular para o universal – ainda que seus personagens sejam
sertanejos com uma fala coloquial e popular, suas cogitações e emoções pessoais
são retratadas de modo a produzir personagens facilmente identificáveis e
compreendidos por leitores de qualquer época e lugar.
Frise-se
que a história deste “Fogo Morto” se passa justamente no Pilar, entre os anos
de 1848 até os anos posteriores à abolição da escravatura (1888) e advento da
República (1889). O cenário envolve fazendas de cana de açúcar e algodão,
coronéis, foreiros, escravos, trabalhadores livres pobres, cangaceiros, sinhás
que vão estudar no Recife.
O
livro se situa num contexto histórico de decadência de uma sociedade constituída
sob as bases da economia do açúcar, do mandonismo dos senhores de engenho, do
trabalho escravo. Nos três séculos de ocupação colonial do nordeste, o ciclo da
cana constituiu a base da riqueza e opulência de senhores de engenho – com a
crise da economia do açúcar e a mudança do eixo econômico do país do nordeste
para o sudeste, particularmente com a expansão da economia do café em meados do
século XIX, aquela sociedade fortemente hierarquizada e desigual caminha no
sentido da desagregação. Este movimento
descendente foi muito bem retratado nos livros “Casa Grande e Senzala” e “Ordem
e Progresso” de Gilberto Freyre, trabalho que influenciou pessoalmente o
romancista.
Esta
decadência é produto de uma modernização tardia do Brasil que o historiador
Nelson Werneck Sodré em seu livro sobre o II Império caracteriza como o advento
da “República dos Letrados”. Um contexto de desenvolvimento das cidades, da
constituição de jurisdição, de juízes e bacharéis que substituem a imposição da
lei pelo poder inconteste do senhor de engenho. E, principalmente, um contexto
de decadência da própria economia agrária de origem colonial, coroada com o fim
tardio do trabalho escravo: neste “Fogo Morto”, uma das passagens mais
interessantes é justamente a descrição do abandono da fazenda de Santa Fé pelos
escravos do Coronel Lula. Este coronel era particularmente violento com os seus
escravos, que festejavam sua liberdade com festa e dança na rua, sem, contudo,
esboçar a menor intenção de se vingar.
Grandes
obras de arte se diferenciam entre outros aspectos por alcançar um nível de
profundidade nas análises das diferentes subjetividades de modo que escapa ao
leitor qualquer cogitação no sentido de se identificar vilões e heróis,
mocinhos e bandidos, bem e mal. Tanto o coronel quanto o escravo, o delegado de
polícia e o cangaceiro, o marido, a mulher e a filha no âmbito da família –
todos são retratados neste romance encarando suas contradições, suscitando as
suas alegrias e sofrimentos de modo a engendrar a compaixão do leitor. Todos
parecem ser vítimas de uma realidade subjacente de desigualdade e
arbitrariedade imposta por forças invisíveis – sabe-se que cangaceiros lutam
contra as tropas do governo, mas não se tem notícia da origem e das razões
essenciais do conflito. Não há espaço para maniqueísmos, e a crítica social
neste caso não resvala num estéril proselitismo, na mera defesa panfletária do
oprimido contra o opressor.
MODERNISMO
José
Lins do Rego se situa no contexto do nosso modernismo literário em sua 2ª Fase,
no mesmo âmbito de escritores como Graciliano Ramos, Rachel de Queirós e José
Américo de Almeida. Trata-se de escritores que vêm a consolidar o movimento
modernista oriundo da geração de 1922, com a proposta de se romper com uma arte
tradicional vinculada a modelos e formas importadas da literatura estrangeira –
do romantismo, do realismo e do naturalismo literário se verifica composições
que formalmente se baseiam nas escolas artísticas europeias, enquanto o
movimento vanguardista modernista propunha a antropofagia artística, a
incorporação da cultura estrangeira sem com isso imitá-la ou utilizá-la como
modelo formal acabado.
A
chamada geração de 1930 teve como foco os romances regionalistas, com destaque
para os problemas sociais e com uma prosa com linguagem coloquial e regional. A
narrativa preza pela objetividade, com temáticas politizadas sem com isso
abandonar a introspecção e a análise psicológica das personagens.
HISTÓRIA
O
romance conta a história de três homens, cujos detalhes e ambientações se
entrelaçam para formar um único enredo: Mestre José Amaro, seleiro, foreiro,
homem extremamente austero consigo mesmo e com os outros, confundido pela
população com lobisomem; o Coronel Lula do engenho do Santa Fé; e o curioso
Capitão Vitorino, comparado por alguns críticos ao personagem Dom Quixote, um
velho envolvido com a política local, muito desbocado, mas de bom coração.
A
obra é dividida em três capítulos, cada um focado no ponto de vista dos três
personagens – como num painel, as histórias vão se entrelaçando formando um quadro
em que se contempla as diferentes perspectivas, conforme o olhar de cada
personagem. A história também possui um
interesse suplementar na medida em que este modernismo é tributário da tradição
do realismo literário: a objetividade da narrativa revela aspectos da
sociedade, economia e cultura do nordeste Brasileiro do séc. XIX, de interesse
para o historiador. Mais uma vez, a literatura nos serve para a melhor
compreensão da questão nacional.
Sensacional a análise... vou buscar aqui o livro pra lê-lo.
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