“Vamos Aquecer o Sol” – José Mauro de Vasconcelos
Resenha Livro - “Vamos Aquecer o Sol” – José Mauro de Vasconcelos – Ed.
Melhoramentos.
“O público foi cativado por Zezé, esse menino que dizia que o céu não
era para o seu bico. Solidarizou-se com a sua nostalgia precoce. A intensa
afetividade do personagem e da história talvez não agrade alguns críticos, mas
pegou em cheio no coração dos leitores. Daí, o sucesso de José Mauro de
Vasconcellos em livros, cinema e tevê. Um sucesso que se estendeu para dezenas
de países.
Merecem muito respeito os livros que conquistam os leitores pelos
sentimentos. Mais ainda os que alcançam êxito editorial, contando histórias
simples, em termos de elaboração, mas empenhando-se em algo tão difícil de se
conseguir: a empatia do leitor pelos seus personagens. É algo que demonstra que
o autor acertou, não no sentido marquetológico, mas naquela corda universal,
interior e profunda, humana, que faz a literatura entrar na vida da gente. Que
nos faz amar a literatura.”. (AGUIAR, Luiz Antônio).
José Mauro de Vasconcellos nasceu em 1920 em Bangu, região de subúrbio da
cidade do Rio de Janeiro.
Além de escritor de renome internacional, foi jornalista, radialista,
pintor, modelo e ator. Junto com Jorge Amado e José Veríssimo, foi dos poucos
escritores brasileiros que conseguiram sobreviver dos direitos autorais de seus
livros.
“Meu Pé de Laranja Lima” (1968), certamente a sua obra de maior sucesso,
foi publicada em 15 países, entre os quais Hungria, Áustria, Suíça, Argentina e
Alemanha.
O fato de não ser um escritor muito mencionado e estudado em meios
acadêmicos reflete aspectos da vida do escritor. Os seus livros basicamente expressam
as experiências pessoais do escritor e se inspiram em sua vida aventureira e
errante, mais do que da leitura de livros – a despeito de ainda criança, ter
lido José de Alencar, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, e obras
estrangeiras as de Alexandre Dumas.
De família pobre, nosso escritor mudou-se para a casa de parentes em
Natal/RN, onde foi matriculado num seminário. Bom aluno de português e
literatura, mal aluno de matemática e ausente frequentemente das aulas que
matava para nadar nas águas do cais do porto.
A personalidade inquieta de Vasconcellos o fez voltar para o Rio de Janeiro
pouco após se formar no seminário, a bordo de um navio cargueiro e portando uma
simples maleta.
Desde o Rio de Janeiro, iniciou sua peregrinação pelo Brasil. Foi
treinador de boxe e entregador de bananas na então capital do país; pescador no
litoral fluminense; professor primário num núcleo de pescadores de Recife;
garçom em São Paulo, etc. etc.
Uma vez ao ano, partia para excursões para o Brasil profundo, onde
entrava em contato com populações indígenas, dando ensejo e inspiração para
livros como “Rosinha Minha Canoa” (1962) e “O Garanhão das Praias” (1964),
ambas obras que se passam na região do Araguaia.
Esportista desde a infância (gostava particularmente da natação)
representou papel de galã em filmes e novelas.
Ou seja, José Mauro apenas não alcançou projeção, sintomaticamente, na
academia. Seu espírito livre não era compatível com aquele mundo, sendo, para
todos os efeitos, um homem simples, cujos romances foram populares, tanto no
seu objeto quanto no alcance do público.
Na sua vida, a aversão ao mundo enclausurado da academia se deu ainda
jovem, quando abandonou o curso de medicina em Natal, já no segundo ano, para
viajar pelo país. Consta que na década de 1940, ganhou uma bolsa de estudos na
Espanha, onde frequentou aulas por duas semanas, para depois, largar tudo e
viajar pela Europa.
“Vamos Aquecer o Sol” (1974) é a continuação da descrição da infância do
escritor, iniciada no mencionado “Meu Pé de Laranja Lima”. Os dois livros
formam uma unidade, com a narrativa em primeira pessoa de “Zezé” (ou seja, José
Mauro), desde sua infância de penúria material no Rio de Janeiro até a sua adolescência
em Natal/RN, quando residiu na casa de um padrinho severo e pouco amoroso.
Zezé, quando morava no Rio de Janeiro, vivia em condição de pobreza ao
ponto de sua família não ter condições de lhe comprar um presente de natal. A
pobreza era agravada pela violência dos adultos, apenas atenuada pela amizade
do português Manuel Valadares, que ensinara o protagonista que “uma vida sem ternura
não vale a pena de ser vivida”. Esta dura realidade também era mitigada através
da imaginação, das fantasias e do mundo lúdico das crianças, que são capazes de
brincar dialogando com seres inanimados, do Pé de Laranja Lima, ao passarinho
que vive no coração do menino, passando pelo piano chamado “João”.
A continuação da vida de Zezé se dá no livro “Vamos Aquecer o Sol”,
quando a criança já tem 11 anos de idade e abandona a vida relativamente livre
e desregrada do RJ para ser obrigado a se matricular num seminário em Natal, além
de ser compelido a passar horas a fio estudando piano, sob a vigilância
permanente de sua madrinha, atividade que era odiada pelo menino.
Enquanto antes podia brincar na rua, subir em goiabeiras e atanazar
vizinhos, era agora obrigado a viver uma rígida rotina imposta por adultos
pouco afetuosos – situação provisória, em todo o caso, já que Zezé
frequentemente consegue burlar as regras impostas, para matar aula, ir para o
cinema escondido, roubar frutas do vizinho e fazer reinações na escola,
acarretando punições frequentes.
Uma certa nostalgia dá o tom da história à medida que a criança vai
crescendo. O sapo cururu que mora no coração do menino serve para estimulá-la a
criar confiança em si e coragem para, depois de cumprir a sua missão, deixar
Zezé seguir sozinho. Maurice Chavalier, artista de cinema que povoa o mundo de
imaginação do protagonista, suscita uma ternura paterna ausente na vida real,
deixando de se fazer presente quando a criança passa para a adolescência e descobre
o amor. Ao crescer, estes entes fantásticos irão abandonar o imaginário da
criança, que passa a ter que confrontar o mundo real, mantendo, por outro lado,
alguma saudade de seu passado de criança. Daí o tom nostálgico daquele que
gradualmente vai deixando o mundo infantil.
“Aquecer o Sol” significava a possibilidade de iluminar a alma, não a
deixar triste como um dia nublado de chuva. Uma habilidade tão simples e fácil de
ser executada na infância e completamente desaprendida na vida adulta.
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