FRANKLIN TÁVORA E A LITERATURA DO NORTE
João Franklin da Silveira Távora foi
jornalista, deputado provincial, historiador ligado ao IHGB e romancista. Ficou
conhecido na história da literatura brasileira como fundador da chamada Literatura
do Norte, escola assim designada por Sílvio Romero, precursora do regionalismo
literário nordestino, cuja maior expressão se daria dentro da geração
modernista do início do século XX, com escritores como Graciliano Ramos, Rachel
de Queiroz e Jorge Amado.
Nosso escritor nasceu em 13 de Janeiro de 1842
no sítio Serrinha da Glória, antiga Candeia, região encravada na Serra de
Baturité, no centro-norte do Ceará. Era filho de Camilo Henrique da Silveira
Távora, alcunhado de “o indígena”, um
liberal simpático aos movimentos revolucionários de 1817 e 1824.
A Revolução
Pernambucana de 1817 foi um movimento de caráter liberal e republicano, cujas
origens remetem à divulgação das ideias revolucionárias da revolução francesa e
a oposição ao absolutismo monárquico Português: o descontentamento dos liberais
pernambucanos foi agravado pelos enormes gastos pecuniários decorrentes da
chegada da Família Real Portuguesa no Rio de Janeiro, com aumento de impostos
para manter o luxo da corte e para travar guerras na Cisplatina, sem prejuízo
da nomeação de portugueses para os cargos públicos em detrimento da nobreza da
terra.
Já em 1824 eclodiu a Confederação do Equador,
movimento de caráter mais nitidamente separatista, liderado pelo padre Frei
Caneca e que contou com apoio financeiro dos EUA, que já naquele tempo se interessava
pela fragmentação territorial do Brasil, a balcanização de um grande país como meio
de melhor subjugá-lo.
O radicalismo político pernambucano, tanto
1817 quanto 1824, encontra sua origem mais remota em 1710/1711 na Guerra dos
Mascates, que seria tratada com minúcia pelo escritor nos livros “O Matuto” e “Lourenço”.
Politicamente, Franklin Távora seguiu os
passos do pai: sempre foi um progressista, defendendo a abolição da escravidão,
a república e a reforma das instituições de ensino.
Entre os anos de 1859 e 1863, o autor de “O
Matuto” estudou na Faculdade de Direito do Recife, quando fundou e participou
de centros, sociedades e associações de estudantes voltadas a atividades
literárias e políticas. Neste período, também se aproximou do jornalismo, com o
nobre objetivo de ajudar financeiramente a família, que passava por
dificuldades. Começou como tipógrafo e foi evoluindo para
revisor de provas, repórter, editor, chefe de redação e, mais tarde, fundador
de jornais.
Sua aproximação com a política deu-se neste
período de participação na imprensa, tendo atuado no “Jornal do Recife”,
fundado em 1859 por José de Vasconcellos e, alguns anos depois, no Jornal “A
Situação” liderado pelo Conselheiro Francisco de Paulo Silveira Lobo, filiado ao
Partido Progressista.
Já ligado a este último partido, foi eleito
deputado provincial de Pernambuco para mandato entre 1867/1868, quando tinha
apenas 25 anos de idade. Já no primeiro ano de mandato, é nomeado para o cargo
de Diretor Geral da Instrução Pública, cargo que hoje equivale ao secretário
estadual de educação.
Ao assumir o encargo, declarou que pretendia
reformar as instalações da Diretoria-Geral, dos diversos colégios a ela
vinculados, reorganizar administrativamente as atribuições dos professores e
lutar pela liberdade de ensino em Pernambuco. Neste trabalho, encontro ferrenha
oposição do Partido Conservador.
Dada a sua orientação política liberal e
progressista, Távora se empenhou na campanha de libertação dos escravos na
imprensa, sendo responsável por traduzir a famosa carta endereçada ao mundo por
Vitor Hugo contra a escravidão, na qual o autor de Os Miseráveis alertava: “Ter
Escravo é merecer ser escravo”.
O que é curioso é que o seu posicionamento
político progressista, ao contrário do que se poderia supor, não fez com que o
escritor deixasse de ser simpatizante do lado de Olinda e dos senhores de
engenho, contra os mascates de Recife, em seus dois livros sobre a Guerra dos
Mascates.
Na verdade, mais do que um conflito entre comerciantes
burgueses e latifundiários, o escritor via naquela guerra as sementes do movimento
de libertação do Brasil em relação à Portugal: a oposição retratada na obra de
dava entre a opressão da metrópole e a reação nacionalista liderada pelos
nobres de Olinda. Ainda que numa leitura
mais economicista ou marxista daquele conflito, o lado burguês e citadino de
Recife aparecesse como “progressista” em relação ao lado aristocrático dos
senhores de engenho de Olinda. O conflito, nesta perspectiva, se deu entre o
comércio de natureza capitalista e a agricultura de natureza escravista ou,
como querem alguns, “feudal”.
A GUERRA DOS MASCATES
“Só uma vista curta não verá na guerra
dos mascates, antes uma luta travada por dois grandes princípios, do que uma
revolta filha de preconceitos ridículos e costumes atrasados. Certo concorreram
não pouco para essa luta o costume e o capricho antigo, inflexíveis ambos; mas
o seu papel nessa grande representação foi mais secundário do que principal. A
parte essencial e verdadeiramente dramática da ação, essa pertencia a dois
grandes interesses, assim das sociedades modernas, como das antigas – ao
comércio e a agricultura, princípios que, quando acordes em seu
desenvolvimento, trazem a propriedade e riqueza dos povos, e, quando
divergentes, o seu atraso senão o seu aniquilamento”. (O Matuto).
A Guerra dos Mascates (1710/1711) de fato
ficou conhecida na história como a oposição entre as duas cidades, o que de
fato foi a exteriorização geográfica do conflito. As suas origens, como não
poderia deixar de ser, se deram no plano econômico.
Anos após a expulsão dos holandeses de
Pernambuco, a economia da região entrou numa crise decorrente da baixa do
açúcar no mercado internacional e da concorrência do açúcar produzido nas
Antilhas.
A concorrência afetou os ricos senhores de
engenho de Olinda, que entraram em decadência por não mais obterem os mesmos lucros
com a produção açucareira. Por esta razão, os proprietários dos engenhos foram obrigados
a contrair empréstimos com os comerciantes portugueses, chamados de mascates, que
ocupavam Recife e possuíam dinheiro para emprestar aos senhores de Olinda,
porém cobravam juros altíssimos pelos empréstimos, ocasionando o endividamento
cada vez maior dos olindenses. Até então, Recife era apenas um porto e um “bairro”
de Olinda. Porém, com o desenvolvimento econômico, seus moradores passaram a
postular a sua independência em relação a Olinda, o que foi um dos elementos
detonadores do conflito.
Embora dependentes economicamente dos
comerciantes portugueses, os senhores de engenho pernambucanos não aceitaram a
emancipação político-administrativa do Recife, até então uma comarca
subordinada a Olinda. A emancipação do Recife foi percebida como uma agravante
da situação dos latifundiários locais (devedores) diante da burguesia lusitana
(credora), que por esse mecanismo passava a se colocar em patamar de igualdade
política.
No romance Lourenço, a indignação da nobreza
da terra é bem capturada na seguinte passagem:
“- Que víamos antes da luta? Dois
interesses, um estrangeiro, outro brasileiro. Levados a cobiça, e não
satisfeitos com serem senhores do comércio e das indústrias, os portugueses
europeus queriam chamar a si a agricultura, impondo aos agricultores obrigações
que redundavam em ficarem estes à mercê daqueles. Como não pudessem, por meios
lícitos, levar a efeito o seu intento, maquinaram criar a vila onde tinham e
onde têm a sua força, e tornar-se, por este modo, árbitros dos preços dos
gêneros que haviam de ser forçosamente tachados por almotacés do seu plano; e
este diabólico intento estaria de todo realizado, se a nobreza não pusesse para
fora o governador que tivera o arrojo de promover a criação da vila maldita”.
Nos dois romances que tratam da Guerra dos
Mascates, o escritor realça a violência do conflito, que opôs bandoleiros
mascates liderados por Camarão e Tundacumbe e outros tipos populares, e uma
nobreza altiva que se recusou a capitular e chegou mesmo a desenvolver uma “guerra
de guerrilhas”, até a obtenção do perdão de El-Rei três anos após o início da
guerra.
Como dito, no romance, o escritor claramente
se posiciona favorável aos nobres de Olinda, vistos como precursores do nativismo
e do movimento da independência, de acordo com o nacionalismo da escola
literária romântica.
Vejamos como eram retratados os mascates:
“Afiguravam-se estes aos seus olhos
vultos patibulares, visões pavorosas como demônios em que ele acreditava.
Tinham calças arregaçadas e
enlameadas, as jaquetas pegadas ao corpo, chapéus ainda umedecidos e demudados,
nas faces estampado o sono, o cansaço, a fome e a maldade, nas mãos armas
sinistras e ameaçadoras.
Grande parte desta força passante, de
duzentos homens, era composta de caboclos; no restante havia de tudo – negros, curibocas,
semibrancos e até brancos”.
Mais do que uma história épica da Guerra dos
Mascates, temos neste romance uma descrição da fisionomia física e moral do
“matuto” que é o sertanejo agricultor, o lavrador, o almocreve, bem como da sua
estrutura familiar, dos costumes, do folclore, das festas populares, do papel
da religião, dos enlaces conjugais. Mais do que um romance histórico, temos a
partir da leitura deste romance regionalista uma fonte preciosa do sertanista
brasileiro:
“No tocante ao traje, ver um dos
matutos era o mesmo que ver os demais. Camisa por cima de ceroulas de algodão –
eis em que ele consistia.
Todos tinham os pés nu, e quase todos
por cima do cós das ceroulas o longo cinto de fio, cofre portátil onde traziam
o dinheiro, terminando em cordões com bolotas nas pontas, os quais serviam para
dar muitas voltas em torno da cintura antes do laço final. Metida entre o cinto
e o cós guardava cada um sua faca de ponta presa pela orelha da bainha. Da arma
só aparecia o cabo, figurando a cabeça de uma serpente que tinha o restante do
corpo oculto.”.
OS ÚLTIMOS MOMENTOS DA VIDA
Já no final da vida, com a morte da mãe e uma
doença nos pulmões, Franklin Távora abandona a literatura e os trabalhos
institucionais, passando, inclusive, por dificuldades financeiras.
O escritor morreu no dia 18 de agosto de 1888,
com poucas pessoas comparecendo ao enterro. Sílvio Romero, um dos poucos
escritores presentes no velório, resumiu com estas palavras o drama vivido pelo
seu amigo: “Cumpre destacar em síntese o valor deste escritor, sempre muito
maltratado pelos literatos de seu tempo.”.
BIBLIOGRAFIA
“O Matuto” – Franklin Távora – Editor Iba Mendes – www.poeteiro.com
“Lourenço” – Franklin Távora – Editor Iba Mendes – www.poeteiro.com
“Franklin Távora” – Cláudio Aguiar – Série Essencial –
Academia Brasileira de Letras – Imprensa Oficial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário