domingo, 8 de janeiro de 2023

LIVRO DE UMA SOGRA POR ALUÍSIO AZEVEDO

 LIVRO DE UMA SOGRA POR ALUÍSIO AZEVEDO




 

Resenha Livro – “Livro de Uma Sogra” – Aluísio Azevedo – Edições Iba Mendes

 

Aluísio Tancredo Gonçalves Azevedo nasceu em 14 de abril de 1857 na cidade de São Luís do Maranhão.

 

Era filho de um vice-cônsul português, sendo certo que o próprio escritor futuramente abandonaria a literatura aos 38 anos, para virar diplomata, tendo servido na Espanha, Inglaterra, Itália, Japão, Paraguai e Argentina.

 

O nosso escritor, quando criança, não era exatamente de família nobre e abastada, mas certamente nunca passou por privações materiais.

 

No ano de 1871 Aluísio se matriculou no Liceu Maranhense à época dirigido pelo professor Francisco Sotero. No mesmo ano começou a ter aulas de pintura com o artista italiano Domingos Tribuzzi.

 

Da pintura, passaria à caricaturista, sendo certo que a sua literatura teria alguma influência desta espécie de arte e manteria interfaces com suas charges: seja a proposta de uma narrativa objetiva que retratasse a realidade tal como ela é, seja na criação de tipos sociais com uma intencionalidade de promover crítica social e até mesmo humor.

 

“O Mulato” foi o segundo livro publicado pelo escritor maranhense, lançado no ano de 1881, mesmo ano, diga-se de passagem, da publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis.

  

Supracitada obra não guardaria a mais pálida semelhança com o primeiro trabalho do autor, chamado “Uma Lágrima de Mulher” (1880).

 

O primeiro livro ainda se pode caracterizar como romance folhetinesco, todo ele se situando inclusive na Itália, sem referências nacionais. Já o segundo romance é tido por muitos como a primeira obra naturalista produzida no país, o que é discutível desde que o menos conhecido Inglês de Souza com sua proposta de literatura amazônica, já produzia livros naturalistas cerca de uma década antes d’o Mulato.

 

Boa parte da crítica literária, capitaneada por Antônio Cândido, buscam dividir a obra de AluísioAzevedo entre os trabalhos propriamente naturalistas, que seriam os que alcançariam maior expressão e importância literária e outras obras de menor relevância, de tipo romântico, folhetinesco e mais comerciais.

 

Dentre as ditas “grandes obras” do nosso escritor temos “O Mulato” (1881), “Casa de Pesão” (1883) e “O Cortiço” (1890), este último considerado o melhor livro de Aluísio Azevedo.

 

Esta divisão entre romances naturalistas e meros trabalhos folhetinescos torna-se questionável à luz da leitura de “Livro de Uma Sogra”, último trabalho do escritor maranhense, publicado no ano de 1895.

 

Trata-se de um romance de tese sobre o casamento, em tom satírico e com um ajuste de contas com a produção naturalista anterior.

 

Ainda que algumas premissas do naturalismo como o determinismo biológico e a presença das pulsões naturais como condicionantes da ação humana se façam presentes, a história, por outro lado, é narrada em primeira pessoa por uma voz feminina, com o seu tom sentimental, que se serve ocasionalmente de passagens bíblicas e da experiência prática da vida doméstica, para criticar o matrimônio convencional, fadado via de regra ao tédio e a uma incompatibilidade crescente entre o amor físico e o amor sentimental.

 

Nem romântico, nem puramente naturalista, portanto.

 

Como se sabe, Aluísio Azevedo pertencia a uma geração que apostava no advento da República como um marco da evolução política do país. A literatura realista-naturalista, ao retratar de forma objetiva a realidade e pioneiramente tratar dos extratos populares, ainda que de uma forma superficial e ocasionalmente estereotipada, seria parte deste projeto modernizador.

 

A república veio e causou a decepção daquela geração de literatos: Raul Pompeia se suicidou, Olavo Bilac foi preso e exilado e Aluísio Azevedo, precocemente, aos 38 anos, abandonou a literatura para se tornar diplomata.

 

Em se tratando do seu último livro, “Diário de Uma Sogra” (1895) revela já um escritor não preso aos esquemas rígidos do naturalismo, com o seu viés puramente cientificista, em que o homem é mero produto de leis naturais, condicionado que está pelo meio social, pela origem racial e pelos instintos naturais. Trata-se, antes, de uma sátira daquelas teses, ao narrar a história de Olímpia, uma mulher autoritária que se baseia em algumas daspremissas naturalistas relativas ao amor (entendido como o instinto de conservação da vida) para manipular sua filha e seu genro em torno de um novo programa do matrimônio, produzindo uma vida conjugal insólita e eventualmente cômica.

 

Leandro de Oviedo é um amanuense de secretaria, rapaz pobre, mas equilibrado, de coração generoso e inteligência medíocre.

 

Casado com Palmira, enfrenta uma série de dificuldades com a sua sogra Olímpia, que desde o pedido de casamento, impõe uma série de condições para a consumação do enlace: o casal não deveria residir na mesma casa; as visitas teriam, mesmo após o casamento, a periodicidade controlada pela sogra; o casal não dividiria o quarto; o sexo não poderia se consumar nos momentos da menstruação; e, com a gravidez do primeiro filho, se impunha que Leandro se afastasse durante a gestação por completo de sua esposa, sendo imposto que passasse uma temporada na Europa.

 

Posteriormente, com a morte de Olímpia, Leandro descobre o “diário de sua sogra”, escrito para ser lido após a morte da velha, em que ela explica a razões daquelas regras inusitadas.

 

A maior parte do romance corresponde, assim, à reprodução deste diário que corresponde a uma caricatura de tese naturalista do amor conjugal.

 

Movida por sua experiência de mulher (desilusão do casamento) e pelo amor a sua filha, a sogra estabelece um programa do casamento, buscando elencar os requisitos de um bom marido para Palmira: um homem que vive exclusivamente para a sua família e para o lar doméstico; alguém que teme acima de tudo o escândalo, ainda que seja aquele decorrente de um sucesso pessoal. Aliás, opondo-se nitidamente ao romantismo, para quem o homem surge aos olhos da mulher amada como uma espécie de herói, na visão de Olimpia, o melhor marido é o homem medíocre, que não se destaca socialmente, para, assim, não desviar o seu foco de sua mulher e de sua família:

 

“Para ser um bom marido, não pode o indivíduo ser um “homem de ação”, como não pode ser um “contemplativo”. Não pode ser um conquistador, um revolucionário ou um grande empreendedor, como não pode ser um poeta, um artista ou um sábio. E como são essas as duas únicas ordens em que se divide a humanidade produtora, da soma de cujo esforço de ação ou de pensamento tira a evolução histórica a sua grande força de impulso e de aperfeiçoamento geral, segue-se que o “Bom Marido”, na comunhão da vida inteligente e na obra do progresso do mundo, não tem lugar como homem, mas só como animal, e seu esforço só poderá ser aproveitado como passivo instrumento da vontade alheia.

 

Por isso um bom marido deve ser única e exclusivamente um bom marido, e nisso limitar a sua aspiração.”.

 

O maior problema do casamento, para a Sogra, é o tédio decorrente da convivência diária. Com a rotina, vem a tendência do desencanto do amor sexual: a mulher suporta com sacrifício as carícias do homem e, com hipocrisia, as retribui. O segredo da felicidade conjugal assim é a separação intermitente dos cônjuges, estimulando-se assim o desejo de união.

 

Os instintos garantidores da vida são o amor (para a reprodução) e a fome (para a sobrevivência). Da mesma forma que comer o seu prato favorito todos os dias gerará náuseas, a convivência diuturna implicará na desilusão amorosa:

 

“Não há estômago que resista a faisão-dourado todos os dias; o melhor acepipe, se não for discretamente servido, enfastiará no fim de algum tempo. O mesmo acontece no matrimônio: os cônjuges acabam invariavelmente por se enfararem um do outro, não pelo uso que fazem do amor, mas pelo abuso mútuo da convivência e da ternura.”.

 

Considerando-se que se trata do último romance escrito por Aluísio Azevedo, o “Diário de uma Sogra” se revela, ironicamente, como uma sátira das produções anteriores de caráter naturalistas: talvez, o livro já sinalizasse um desencanto do escritor diante dos rumos do país e dos limites de sua geração literária, que lutou o bom combate pela modernização do país por intermédio da crítica social e de costumes, desde a denúncia do provincianismo e do racismo em “O Mulato” até a exposição pioneira das mazelas e opressão do povo pobre em “O Cortiço”.  O acerto de contas fez-se através da ironia, da sátira e do humor, ou seja, da forma como o escritor começou a sua carreira artística, fazendo suas caricaturas de jornal.  

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