“O Jesuíta” – José de Alencar
Resenha Livro - “O Jesuíta” – José de Alencar – Ed. Iba Mendes Editor Digital
“Brasil! ... Minha pátria! ... Quantos anos ainda serão precisos para
inscrever o seu nome, hoje obscuro, no quadro das grandes nações? ... Quanto
tempo ainda serás uma colônia entregue à cobiça de aventureiros, e destinada a alimentar
com as tuas riquezas o fausto e o luxo de tronos vacilantes (Pausa; arrebatado
pela inspiração) Antigas e decrépitas monarquias da velha Euroopa! ... Um dia
compreendereis que Deus quando semeou com profusão nas entranhas desta terra o
ouro e o diamante, foi porque reservou este solo para ser calcado por um povo
livre e inteligente” (ALENCAR, José de. “O Jesuíta”).
A peça teatral “O Jesuíta” foi a última obra escrita pelo escritor
cearense José de Alencar enquanto dramaturgo. Foi redigida em 1861 e apenas encenada
no ano de 1875, quando o autor já apresentava os primeiros sinais da
tuberculose pulmonar que o levaria à morte em 12 de dezembro de 1877.
Consta que o espetáculo não foi um sucesso de público e não obteve os aplausos
da crítica.
Na opinião do próprio autor, externada no prefácio da obra, o fracasso de
sua peça decorreu da sua inadequação perante o mau gosto do público fluminense:
“É que o público fluminense ainda não sabe ser público, e deixa que um
grupo de ardílios usurpe-lhe o nome e os foros. Se algum dia o historiador de
nossa ainda nascente literatura, assinalando a decadência do teatro brasileiro,
lembrar-se de atribui-la aos autores dramáticos, este livro protestará contra a
acusação”.
Na verdade, essa incompatibilidade entre o drama e o público carioca decorria
de mudanças no âmbito do pensamento e da cultura: já em 1875 o público letrado
fluminense já era mais afeito ao anticlericalismo, ao passo que a peça é um elogio
à atuação da Companhia de Jesus e dos jesuítas. Além disso, o gosto teatral
deixava de ter apelo ao drama e se voltava ao teatro musicado, de gênero
alegre, de influência francesa. O público buscava o teatro cada vez mais para
fins de entretenimento e diversão, e aquele drama histórico, que abordava os
instantes imediatamente anteriores à expulsão dos jesuítas, já aparecia
anacrônico naquele momento.
A história contada em “O Jesuíta” se passa no Rio de Janeiro de 1759 ou
mais exatamente quatro anos antes da transferência da sede administrativa da
colônia de Salvador para o território fluminense, movimento político que
acompanhou de forma paralela o movimento econômico de deslocamento do eixo
econômico do Brasil dos engenhos de açúcar nordestinos para a busca pelo ouro e
diamantes na porção sul meridional da colônia.
Tratava-se de um processo de longa duração de interiorização da colonização
portuguesa, dentro do qual o Rio de Janeiro servia como um empório natural do
comércio, especialmente de escravos, e centro político que servia de anteparo e
ponto de partida ao movimento em direção às minas gerais.
Tanto a transferência da sede do vice reinado ao Rio de Janeiro quanto a
expulsão dos jesuítas se deram no bojo das reformas administrativas levadas a
cabo pelo plenipotenciário ministro e estadista português Marques de Pombal.
Influenciado pelo iluminismo e pela ideologia política do despotismo
esclarecido, o ministro do Rei Dom José I promoveu a expulsão dos jesuítas da
colônia portuguesa em 14 de novembro de 1759, o que se deu após uma série de entrechoques
entre a Companhia de Jesus e as autoridades régias: os jesuítas administraram as aldeias através das
missões jesuíticas, sendo, desse modo, um obstáculo aos interesses dos colonos
de explorar, sem restrições, o trabalho dos povos nativos, o que se deu de
forma particularmente intensa na região do norte, onde a mão de obra africana
era menos significativa.
Contudo, o mais conhecido conflito que opôs os jesuítas e as autoridades
régias se deu nas conhecidas guerras guaraníticas ao sul da colônia, quando as
Coroas Portuguesa e Espanhola estabeleceram um novo acordo de demarcação
territorial através do Tratado de Madrid de 1750.
De acordo com os novos limites territoriais estabelecidos na convenção, os
portugueses cederiam a região de Sacramento, onde hoje se situa o Uruguai, para
a Espanha e, em troca, controlariam os Sete Povos das Missões, que correspondia
a um conjunto de sete aldeamento indígenas presididos pelos jesuítas que, no
seu auge, comportava 30 mil pessoas, situado onde hoje está o Rio Grande do Sul.
Pelo tratado, os indígenas e jesuítas que estavam do lado brasileiro
deveriam atravessar o Rio Uruguai e se mudar para o lado espanhol. Foi justamente
a recusa dos índios e da parcela mais combativa dos missionários em atender a
ordem de evacuação forçada o ponto de partida de uma guerra que durou três anos,
levou à destruição das missões e à morte
de milhares de índios e religiosos.
Na peça “O Jesuíta”, o escritor faz do seu drama um retrato desse período
histórico, quando os portugueses passam a acusar a Companhia de Jesus de
corrupção e conspiração contra o Rei, o que foi na verdade um pretexto para
expulsá-los do país.
O protagonista Samuel vive na cidade do Rio de Janeiro disfarçado de um
médico italiano para não despertar a atenção das autoridades, que já estavam em
processo de perseguição dos missionários. Esta oposição entre os jesuítas e as
autoridades régias apareça na peça como uma forma embrionária de luta pela
afirmação da independência nacional e pela superação do jugo colonial.
Isto se dava essencialmente pelo papel social ocupado pelo jesuíta, um
elemento nobre, racional e prudente, que renega os sentimentos mundanos e rompe
os laços que o prendem à sociedade para se dedicar a uma missão lhe designada
por Deus.
Perseguido pelo Conde de Bobadela, governador na colônia e executor das
ordens de Marquês de Pombal, o protagonista granjeia o respeito e admiração do
povo, de modo que a sua perseguição pelas autoridades dá ensejo à maior
clivagem e oposição entre a população nativa e a Coroa Portuguesa.
Além disso, a personificação do movimento de independência nacional na
figura do jesuíta Samuel era possível pelo papel social ocupado pelos religiosos
da Companhia de Jesus na colônia. Eles foram os pioneiros da educação do país,
criaram as primeiras escolas, onde ensinaram moral, religião e letras. Constituíram
as primeiras expressões nacionais de teatro, poesia e músicas. Foram os precursores
da intelectualidade brasileira e, como cediço, um movimento político
nacionalista não poderia nascer sem um movimento intelectual que lhe servisse de
substrato.
Mas não é só.
O jesuíta representava a consciência do povo já que através da sua
atividade religiosa e até mesmo pelos segredos que escutavam no confessionário
tinha contato e conhecimento do clima político da época e do que pensava a opinião
público. A isso se soma, ao menos na peça de Alencar, outros atributos que o
colocavam como artífices da independência brasileira: eles tinham o senso de
responsabilidade, o sentimento do dever, a capacidade de distinguir o bem e o
mal. Já as autoridades régias aparecem como antipopulares e corruptas: a
perseguição e prisão dos missionários é acompanhada de atos de extorsão e roubo
dos recursos e riquezas da Igreja, arrecadados para o cuidado dos doentes e dos
órfãos.
Nesta peça histórico, o Dr. Samuel representa a alma da jovem américa. Já
o Conde de Bobadela representa o poder da velha Europa.
E além dessa oposição entre nacionalismo e colonialismo, a história,
dentro das premissas do romantismo literário, também estabelece a oposição
entre o sublime e o mundano, entre os desígnios da ideia e às exigências do corpo e
do amor, entre a renúncia de si para obtenção da glória religiosa e a busca da
felicidade através do casamento. Isso se dá através do personagem Estevão,
afilhado do Dr. Samuel, que teve sua formação moral e religiosa conduzida para o
sacerdócio e que nega sua vocação após apaixonar-se por Constância, esta última
afilhada do Conde de Bobadela.
O engajamento religioso e a luta desinteressada em torno da liberdade e
independência nacional envolvem a glória a que busca o protagonista Samuel. Já
o seu afilhado vê no casamento e na tranquila felicidade conjugal a sua
verdadeira vocação. Essa tensão levará ao conflito em que prevalecerá o amor terreno
entre Estevão e Constância em detrimento do ideal religioso e ascético buscado
por Samuel.
Esta última peça de teatro pode ser lido como uma síntese de duas
variantes presentes na obra de José de Alencar: o drama histórico pelo qual se
busca a constituição de uma identidade nacional, personificada aqui na figura do Jesuíta, tal
qual anteriormente o fora através do índio em comunhão com o português; e o
drama de natureza mais sentimental, folhetinesco, convencional e, em certa
medida, previsível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário