terça-feira, 12 de março de 2024

A Literatura de Carmen Dolores

 A Literatura de Carmen Dolores



Resenha Livro - “A Luta” – Carmen Dolores – Ed. Iba Mendes Editor Digital

Carmen Dolores foi um dos pseudônimos da escritora carioca Emília Moncovo Bandeira de Mello (1852-1910), que ao seu tempo foi uma das mulheres mais lidas no Brasil e hoje é absolutamente desconhecida do público, e até mesmo dos estudiosos da literatura nacional.

Dolores publicou, entre 1905/1909, crônicas literárias e jornalísticas no “O Paiz”, jornal situado no Rio de Janeiro, então capital da incipiente República, e com maior tiragem e circulação no Brasil.

As publicações no jornal revelam ao estudioso de hoje como a escritora foi popular ao seu tempo. Basta constatar que a sua coluna era lançada aos domingos (dia em que o jornal é mais vendido) e em coluna de destaque.

Sua popularidade pode ser comparada a outra escritora daquele mesmo período dos 1900: Júlia Lopes de Almeida, idealizadora da Academia Brasileira de Letras, também colunista d’o Paiz e para alguns a mais popular escritora do Brasil da Republica Velha.

A existência de duas grandes escritoras do sexo feminino não nos autoriza pensar que havia grande participação das mulheres na produção literária da época.

Numa entrevista concedida a João do Rio em 1905, Lopes de Almeida conta que na adolescência fazia versos escondida: fechava-se num quarto, abria a secretária, escrevia seus poemas e silenciosamente os guardava na gaveta fechada à chave, já que uma mulher produzir versos era algo inimaginável.

Já na literatura de Carmen Dolores vê-se a descrição e crítica da condição da mulher ao seu tempo. Momento em que a mulher não podia ser vista em público sem a presença de um homem que a acompanhasse, sob pena de ser encarada com desconfiança e sujeita à reputação de libertina. Além disso, o abandono do lar conjugal constituía crime, o que é um dos elementos centrais do seu romance “A Luta” (1911).  

De fato, um dos aspectos da obra de Dolores que a singulariza se refere à constante participação de personagens femininas como protagonistas das histórias. Os romances, crônicas e contos se centram na figura de amantes entristecidas, esposas entediadas, mãe desamparadas, beatas moralistas.

Pessoalmente a escritora defendeu pautas avançadas para a época como o direito ao divórcio e ao acesso das mulheres ao trabalho.

A centralidade das personagens femininas e a crítica do casamento dão o tom do romance “A Luta (romance naturalista)” publicado postumamente em 1911.

A história se centra num casamento infeliz envolvendo temperamentos opostos: a passividade bovina de Alfredo Galvão e a personalidade instável e impulsiva de Celina.

Alfredo Galvão é amanuense, de hábitos previsíveis, pessoa sem dinheiro, sem brilho e sem posição. É o quinto e único filho vivo de D. Margarida, viúva beata, sempre vestida de preto. Justamente por ser o único parente que lhe resta, trata o filho com rigor e exerce sobre ele total domínio.

Celina por sua vez é filha de D. Adozinda,  também viúva, porém de hábitos mais liberais, dona de uma pensão no bairro de Santa Tereza, onde vive com as filhas e os demais inquilinos, muitos deles homens. As filhas vivem um ambiente de liberalidade, sendo cotejadas pelos estudantes da pensão e tendo autorização para passeios sem estarem acompanhadas pela mãe.

O casamento se dá após a partida de Gilberto, um namorado de Celina, para Minas Gerais. Galvão, mostrando a todo momento sua fraqueza, pede consentimento à mãe para pedir a mão de Celina, que a contragosto autoriza o casamento, mesmo diante da má reputação de D. Adozinda e suas duas filhas.

Celina vive um casamento com as duas sentinelas (o marido e a sogra) tolhendo-lhe a liberdade e fazendo da sua vida uma prisão. Confronta a alegria do lar familiar em Santa Tereza com a austeridade da casa da sogra. 

“Ah! Não! Era uma monotonia, um isolamento! O Alfredo parecia uma máquina: levantava-se, deitava-se, comia, palitava os dentes, saía, voltavam com uma regularidade de pêndula. E nunca tinha dinheiro para um passeio, um teatro, uma coisa imprevista, nada! Os dias arrastavam-se, sempre iguais, pesados, lentos; e ainda por cima a sogra a mandar, a dirigir, a prender e ensinar, como senhora de tudo...”.

Busca fugir do cativeiro inventando pretextos: numa suposta visita a um dentista, encontra num bonde seu ex namorado Gilberto acompanhando com enlevo de namorado sua irmã caçula Olga. Já desiludida do casamento e reacendendo o amor dos tempos de adolescente, confronta publicamente os dois e se retira para a casa da mãe, abandonando o lar conjugal.

A luta, que dá o nome do livro, se dá em torno do combate travado no espírito de Celina entre a liberdade perdida do passado e os deveres e responsabilidade de mulher casada do presente. Essa luta se desdobra no conflito final, quando a mãe de Alfredo Galvão vai até o Hotel de Santa Tereza confrontar a nora e compeli-la ao retorno do lar conjugal.

Nas entrelinhas, o combate se dá em torno do conservadorismo e do que àquele tempo era progressismo: o respeito absoluto às normas do casamento contra a liberação da mulher pelo direito ao divórcio.

E assim termina o livro “A Luta”:

“Em tais meios, a luta jamais cessa: continua sempre, entre exploradoras e exploradas. É a terrível, infindável, a eterna luta! É o renhido jogo dos interesses inconfessáveis”

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