A Literatura de Carmen Dolores
Resenha Livro - “A Luta” – Carmen
Dolores – Ed. Iba Mendes Editor Digital
Carmen Dolores foi um dos pseudônimos da escritora carioca Emília Moncovo Bandeira de Mello (1852-1910), que ao seu tempo foi uma das mulheres mais lidas no Brasil e hoje é absolutamente desconhecida do público, e até mesmo dos estudiosos da literatura nacional.
Dolores publicou, entre 1905/1909,
crônicas literárias e jornalísticas no “O Paiz”, jornal situado no Rio de
Janeiro, então capital da incipiente República, e com maior tiragem e circulação
no Brasil.
As publicações no jornal revelam
ao estudioso de hoje como a escritora foi popular ao seu tempo. Basta constatar
que a sua coluna era lançada aos domingos (dia em que o jornal é mais vendido)
e em coluna de destaque.
Sua popularidade pode ser
comparada a outra escritora daquele mesmo período dos 1900: Júlia Lopes de
Almeida, idealizadora da Academia Brasileira de Letras, também colunista d’o
Paiz e para alguns a mais popular escritora do Brasil da Republica Velha.
A existência de duas grandes
escritoras do sexo feminino não nos autoriza pensar que havia grande
participação das mulheres na produção literária da época.
Numa entrevista concedida a João
do Rio em 1905, Lopes de Almeida conta que na adolescência fazia versos
escondida: fechava-se num quarto, abria a secretária, escrevia seus poemas e
silenciosamente os guardava na gaveta fechada à chave, já que uma mulher
produzir versos era algo inimaginável.
Já na literatura de Carmen
Dolores vê-se a descrição e crítica da condição da mulher ao seu tempo. Momento
em que a mulher não podia ser vista em público sem a presença de um homem que a
acompanhasse, sob pena de ser encarada com desconfiança e sujeita à reputação
de libertina. Além disso, o abandono do lar conjugal constituía crime, o que é
um dos elementos centrais do seu romance “A Luta” (1911).
De fato, um dos aspectos da obra
de Dolores que a singulariza se refere à constante participação de personagens
femininas como protagonistas das histórias. Os romances, crônicas e contos se
centram na figura de amantes entristecidas, esposas entediadas, mãe
desamparadas, beatas moralistas.
Pessoalmente a escritora defendeu
pautas avançadas para a época como o direito ao divórcio e ao acesso das mulheres
ao trabalho.
A centralidade das personagens
femininas e a crítica do casamento dão o tom do romance “A Luta (romance naturalista)” publicado postumamente em 1911.
A história se centra num casamento
infeliz envolvendo temperamentos opostos: a passividade bovina de Alfredo Galvão
e a personalidade instável e impulsiva de Celina.
Alfredo Galvão é amanuense, de
hábitos previsíveis, pessoa sem dinheiro, sem brilho e sem posição. É o quinto
e único filho vivo de D. Margarida, viúva beata, sempre vestida de preto.
Justamente por ser o único parente que lhe resta, trata o filho com rigor e
exerce sobre ele total domínio.
Celina por sua vez é filha de D.
Adozinda, também viúva, porém de hábitos
mais liberais, dona de uma pensão no bairro de Santa Tereza, onde vive com as filhas
e os demais inquilinos, muitos deles homens. As filhas vivem um ambiente de
liberalidade, sendo cotejadas pelos estudantes da pensão e tendo autorização
para passeios sem estarem acompanhadas pela mãe.
O casamento se dá após a partida
de Gilberto, um namorado de Celina, para Minas Gerais. Galvão, mostrando a todo
momento sua fraqueza, pede consentimento à mãe para pedir a mão de Celina, que
a contragosto autoriza o casamento, mesmo diante da má reputação de D. Adozinda
e suas duas filhas.
Celina vive um casamento com as
duas sentinelas (o marido e a sogra) tolhendo-lhe a liberdade e fazendo da sua
vida uma prisão. Confronta a alegria do lar familiar em Santa Tereza com a
austeridade da casa da sogra.
“Ah! Não! Era uma monotonia, um
isolamento! O Alfredo parecia uma máquina: levantava-se, deitava-se, comia,
palitava os dentes, saía, voltavam com uma regularidade de pêndula. E nunca
tinha dinheiro para um passeio, um teatro, uma coisa imprevista, nada! Os dias
arrastavam-se, sempre iguais, pesados, lentos; e ainda por cima a sogra a
mandar, a dirigir, a prender e ensinar, como senhora de tudo...”.
Busca fugir do cativeiro
inventando pretextos: numa suposta visita a um dentista, encontra num bonde seu
ex namorado Gilberto acompanhando com enlevo de namorado sua irmã caçula Olga.
Já desiludida do casamento e reacendendo o amor dos tempos de adolescente, confronta
publicamente os dois e se retira para a casa da mãe, abandonando o lar
conjugal.
A luta, que dá o nome do livro, se
dá em torno do combate travado no espírito de Celina entre a liberdade perdida
do passado e os deveres e responsabilidade de mulher casada do presente. Essa
luta se desdobra no conflito final, quando a mãe de Alfredo Galvão vai até o
Hotel de Santa Tereza confrontar a nora e compeli-la ao retorno do lar
conjugal.
Nas entrelinhas, o combate se dá
em torno do conservadorismo e do que àquele tempo era progressismo: o respeito
absoluto às normas do casamento contra a liberação da mulher pelo direito ao
divórcio.
E assim termina o livro “A Luta”:
“Em tais meios, a luta jamais
cessa: continua sempre, entre exploradoras e exploradas. É a terrível,
infindável, a eterna luta! É o renhido jogo dos interesses inconfessáveis”
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