domingo, 13 de fevereiro de 2022

A Questão de Raposa-Serra do Sol Por Aldo Rebelo

 A Questão de Raposa-Serra do Sol Por Aldo Rebelo




 

Resenha Livro – “Raposa-Serra do Sol: o índio e a questão nacional” – Aldo Rebelo – Ed. Thesaurus

 

“É o conflito embutido na terra indígena Raposo-Serra do Sol, demarcada em 1,7 milhão de hectares, para usufruto exclusivo de aproximadamente 11 mil índios, em prejuízo de não índios que desde a Colônia ali também se instalaram com a têmpera dos bandeirantes. (...) Como já tivemos oportunidade de afirmar, o primeiro e maior erro neste debate é escolher um lado e nele entrincheirar-se para travar uma guerra santa que desconsidera a legitimidade dos demais atores que adensam o litígio. Forçoso é reconhecer que tal erro vem sendo cometido além do tolerável pelo partido dos índios, que desenha o debate como um antagonismo entre humanistas e burgueses – e nesta categoria infame são enfiados todos os que buscam uma saída encaixada num projeto nacional, sem ceder ao dogmatismo das facções.”.

 

A reserva indígena de Raposo-Serra do Sol se situa no extremo norte do Estado de Roraima, nas divisas do país com a Guiana e a Venezuela.

 

A querela envolvendo a demarcação das terras indígenas de Raposo-Serra do Sol ganhou repercussão nacional no ano de 2008 quando o STF garantiu a demarcação contínua do território, acolhendo a pressão de ONGs e movimentos indigenistas, em contraposição aos interesses de arrozeiros, das populações caboclas e até mesmo de parte expressiva dos índios que defendiam a demarcação em ilhas comunicantes.

 

Efetivamente, esta decisão acarretou a expulsão de moradores cujas família lá se situam há mais de cem anos, boa parte deles brasileiros agricultores voltadas à produção de arroz. A razão pela qual parte dos índios também se opunham à demarcação contínua era a efetiva diferença de estágios civilizatórios dentre as diferentes tribos – enquanto parcela dos índios ainda vivem sob estágio nômade, sobrevivendo da caça e pesca, outras atingiram maiores patamares de desenvolvimento, havendo índios que desenvolvem a agricultura e a pecuária.

 

Durante este litígio, Aldo Rebelo, então deputado federal por São Paulo/SP, foi uma das poucas vozes dentro da esquerda a se opor à referida homologação contínua das terras de Raposo-Serra do Sol.  

 

Neste livro, o político alagoano nos mostra como esta operação decorreu de uma campanha ideológica que buscou tratar do problema como um confronto maniqueísta entre fazendeiros ávidos de dinheiro e índios oprimidos (e que por esta razão merecem uma tutela não desinteressada de ONGs financiadas por grupos estrangeiros).

 

Por fora deste debate ficou temas importes como a questão geopolítica da Amazônia e os inúmeros precedentes históricos de intervenção estrangeira direta ou indireta em torno da espoliação das riquezas nacionais.

 

Em Roraima se situa a maior reserva de urânio do Mundo. E não é de agora que esta região desperta a cobiça do estrangeiro.  

 

Ainda em junho de 1838, um missionário anglicano de nome THOMAS YOUD chegou até a aldeia brasileira no Pirara em Roraima e instalou-se um pouco mais acima, criando uma missão religiosa entre os rios Pirara e Moneca, à margem esquerda do Guatatá. Atraiu para o local alguns ingleses, que se misturaram com os índios e com brancos que ali já estavam instalados.

 

No ano de 1901 foi levada à arbitragem internacional uma disputa territorial em torno da região do Pirara, igualmente na região fronteiriça de Roraima. O modus operandi dos ingleses é por nós conhecido: buscaram cooptar aparcelas de populações indígenas, a quem ensinaram o Inglês, para, então, buscar formar a ideia de que a região pertencia a uma nação diferente da do Brasil, através de uma propaganda em que os índios aparecem como vítimas da opressão de fazendeiros e latifundiários Brasileiros.

 

Tratando da questão do Pirara, diz  LUIZ ERNANI CAMINHA GIORGIS

 

A arbitragem atribuiu assim, à Inglaterra, o território entre os rios Mahú-Tacutú e o Rupununi, consagrando a usurpação de 1840, desprezando o divisor de águas – a Serra de Pacaraima – e, principalmente, trouxe o domínio britânico às ribanceiras do Tacutú, o que significou abrir aos ingleses o Rio Branco e, através deste, o acesso ao Amazonas. Em contrapartida, negou à Inglaterra o limite pelo rio Cotingo, recuando-o até o Mahú, procurando assim equilibrar o resultado.

 

No caso da questão de Raposa-Serra do Sol, os meios de atuação não parecem ter mudado a sua forma. Desconsiderou-se os interesses e opiniões de populações tradicionais e parcela significativa dos índios. Hoje, no Estado de Roraima, nada menos do que 46% do território corresponde à reserva indígena, sendo certo que países ricos da Europa e da América jamais se propuseram a criar reservas indígenas ou ambientais diante destas dimensões. Aos índios ianomânis foram reservados nada menos do que 9,6 milhões de hectares o que equivale ao território de Cuba.

 

Contudo, a existência destas reservas não significa desenvolvimento e bem estar dos indígenas, sendo relatado por Aldo Rebelo a pobreza, abandona e as doenças que afligem estas populações.

 

Ao visitar uma destas tribos ianomâni em Roraima, o político questionou a razão pela qual não havia fornecimento de luz e água àquelas populações, onde ainda grassavam doenças como tuberculose, e outras patologias decorrentes de falta de saneamento. Aldo relata que havia muito fogo dentro da maloca para as famílias assarem bananas e mandiocas, muita poluição, muita fuligem e grande incidência de doenças infecciosas. A ele foi respondido por uma dirigente de ONG que estes equipamentos não são autorizados por mudarem as referências culturais dos índios.

 

A despeito de todos os precedentes históricos envolvendo a cobiça estrangeira em torno da riqueza mineral e a biodiversidade da Amazônia, existe alguns brasileiros, influenciados por ideologias identitárias que buscam repudiar o nosso passado, alguns ao ponto de defender a internacionalização da Amazônia.

 

A Amazônia, além de ser detentora de uma grande biodiversidade detém importantes estoques de recursos minerais.  Os estudos mostram que a região Amazônica é detentora de grandes estoques de ferro, manganês, alumínio, cobre, zinco, níquel, cromo, titânio, fosfato, ouro, prata, platina, paládio, ródio, estanho, tungstênio, nióbio, tântalo, zircônio, terras-raras, urânio e diamante. Se a escassez de água já é uma preocupação mundial, temos que na Amazônia se situa a maior bacia hidrográfica do mundo, responsável pela drenagem de cerca de 7.500.000 km² de água.

 

Diante destas premissas, é fundamental a leitura deste pequeno livro de Aldo Rebelo para reposicionar os termos do problema da demarcação de terras indígenas, fugindo da superficial querela entre fazendeiros gananciosos e índios oprimidos e indefesos. O reiterado posicionamento da esquerda alinhado com interesses estrangeiros se fez perceptível recentemente na discussões sobre o Marco Temporal.  

 

O primeiro e mais importante direito de um povo é o direito da sua autodeterminação e de sua soberania. Isto porque se um povo não tem este direito significa dizer que todos os demais direitos serão determinados de fora, de acordo com os interesses do imperialismo.




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