sexta-feira, 22 de agosto de 2025

“Banana Brava” - José Mauro de Vasconcelos

 “Banana Brava” - José Mauro de Vasconcelos



Resenha Livro - “Banana Brava” - José Mauro de Vasconcelos – Ed. Melhoramentos

“Um dia, saí pelo sertão adentro à procura de uma vida diferente. Deixei o meu coração parado à sombra de uma árvore, aguardando ansioso a minha volta e caminhei. Caminhei sem parar.  O sol tostou-me o rosto e as mãos.  Percorri muitas estradas empoeiradas, silenciosas e longas.  Esqueci-me do que se chama tempo e espaço, para perder-me na realidade da distância. Só havia distância...”. 

 

O livro mais conhecido do escritor fluminense José Mauro Vasconcelos certamente é “Meu Pé de Laranja Lima” (1968), espécie de relato autobiográfico da infância do escritor, vivenciada na pobreza de um bairro de subúrbio de Bangu/RJ.

As fantasias de uma criança que cultiva amizade com uma árvore de laranjeira do seu quintal, o encanto produzido pela imaginação dos menores, que conseguem abstrair as dificuldades da vida e encará-la com ternura e alegria, certamente cativou leitores de todas as idades e fez de Vasconcelos um dos poucos escritores brasileiros que pôde viver exclusivamente dos direitos autorais de sua obra. 

Façanha que encontra poucos paralelos no Brasil: Érico Verissimo, Jorge Amado e Monteiro Lobato são outros poucos exemplos de escritores de uma literatura ao mesmo tempo popular, acessível a todos e de rara qualidade estética.

“Meu Pé de Laranja Lima” vendeu mais de dois milhões de exemplares, tendo sido publicada em 15 países. “Rosinha Minha Canoa” (1962) foi a primeira obra de sucesso do nosso escritor, que igualmente relata um mundo encantado e fantástico, em que o pescador mantém dialogo e afeto com sua canoa, cuja origem advém de uma árvore capaz de sentir e de se comunicar. E esta pequena novela “Coração de Vidro” teve mais de 650.000 exemplares vendidos, publicações em 10 países, traduções em três idiomas e mais de 70 edições no Brasil.

A popularidade de Vasconcelos, por diferentes razões, não se traduziu em reconhecimento na academia. Aliás, a própria figura do escritor representa a mas completa oposição a tudo o que se posse considerar acadêmico.

De família pobre, nascido no estado do Rio de Janeiro, aos nove anos mudou-se para a casa dos tios em Natal/RN. Chegou a frequentar dois anos do curso de medicina naquele estado, mas a sua personalidade irrequieta e aventureira o faria abandonar o curso e retornar ao Rio de Janeiro a bordo de um navio cargueiro, levando uma simples maleta de papelão como bagagem.

Nesta peregrinação pelo país a fora, trabalhou como treinador de boxe, carregador de bananas na capital do Rio de Janeiro, pescador do litoral fluminense, professor primário num núcleo de pescadores no Recife, garçom em São Paulo. Além de escritor, foi ator de cinema e modelo.

Em dado momento de sua vida, se junto aos irmãos Villas Bôas, sertanistas e indigenistas, enveredando-se pelo sertão da região do Araguaia, contando povos indígenas desconhecidos e cartografando terras. O contato direto com aqueles povos sertanejos e indígenas criaria as condições para o escritor fazer relatos minuciosos (ainda que sua arte realista enveredasse para o fantástico, com animais e árvores falantes) dos povos do Araguaia, no seu já mencionado “Rosinha Minha Canoa” e no romance “O Garanhão das Praias” – ambos tratando de missões “civilizatórias” junto aos povos sertanejos e indígenas dos rincões do país.

BANANA BRAVA

“Banana Brava” foi o primeiro romance de José Mauro de Vasconcelos, escrito quando tinha apenas 22 anos de idade. Também nesta história existe um elemento autobiográfico representado na figura do protagonista do enredo. 

Joel também abandona a vida na cidade para lançar-se ao mundo – renuncia aos valores de sua origem urbana e o conforto do lar familiar para se aventurar no centro oeste, coração do Brasil, para o trabalho no garimpo.

Trata-se de uma história de estilo regionalista que descreve a vida dos sertanejos ligados ao trabalho da caça de diamantes. O realismo que marca as obras do escritor não permite qualquer tipo de idealização em torno da figura dos garimpeiros. São descritos como pessoas brutais e o que mais os caracteriza é a ausência da capacidade de sentir compaixão. Lançam-se à busca dos diamantes nos sertões, desbravando a selva, enfrentando a fúria das onças das matas e das piranhas dos rios. A cobiça e a luxúria são qualidades que informam a psicologia daqueles que se aventuram à busca pela riqueza imediata – qualidades que o historiador paulista Paulo Prado em seu “Retrato do Brasil” (1922) estende a própria psicologia do povo brasileiro.

São homens temperados dentro de uma realidade brutal com o objetivo do enriquecimento rápido – de certa forma, o sonho do El Dorado remete mesmo aos tempos do Brasil colônia, já desde o bandeirantismo, particularmente em sua fase tardia, quando os sertanistas de São Paulo abandonam a atividade da captura dos índios para se voltar à busca do ouro e do diamante.  

Joel, um garoto de coração puro, com mãos delicadas de um pianista, tem a sua fisionomia moral radicalmente alterada através do trabalho no garimpo.

A lhaneza do seu coração é revelada nos primeiros capítulos do livro, na sua relação com Gregorão, um homem bruto que o acompanha nos trabalhos do garimpo. Frequentemente, é obrigado a resgatar o seu amigo da prisão, quando Gregorão passa a noite envolvido em bebedeira e brigas – são as pequenas tragédias que ocorrem nos domingos, dia de folga dos garimpeiros:

“Domingo. Ninguém trabalha no garimpo. É o dia de Deus. Somente o comércio abre as portas. Os garimpeiros metem sua melhor calça. Calçam botas ou sandálias. Batem pernas pela rua, levantando uma poeira ininterrupta. Vão de boteco em boteco. Comem doce de gergelim. Bebem pinga de todo o jeito, convidam todo mundo e aceitam todo o convite. É o dia de Deus, ninguém trabalha. Dia de Deus e da polícia. O melhor dia para a pensão da cadeia melhorar dos seus hóspedes e alugar os seus quartos de janelas cruzadas...”.

A amizade e o cuidado de Joel e Gregorão se assemelham ao afeto de um filho em relação ao pai. Entretanto, o primeiro, cansado de estar sempre arrastando o segundo das confusões causadas pela bebida, decide se mover para outro destino. Deixa o pouco de dinheiro que lhe resta para pagar a fiança de Gregorão e parte para Banana Brava, uma terra distante, no Araguaia, onde afirmam estar situada a mais promissora fonte de riqueza rápida.

Nessa jornada até Banana Brava, o coração puro de Joel vai sendo paulatinamente corrompido.

O garimpo é fonte de destruição da natureza e dos campos onde se cultivam as fontes de subsistência. A terra que serve de fonte de alimento é queimada e destruída na busca desenfreada pelo ouro. São as queimadas que preparam a abertura das catras. Mas o garimpo também destrói e aniquila a alma do homem.

Joel se envolve com um grupo de pessoas que se dirigem à Banana Brava. O trajeto é feito atravessando léguas a fio dentro da mata, numa selva infernal, cercadas de animais selvagens e insetos. Há escassez de água e de alimentos. Cardumes de piranhas impedem o acesso aos rios. Nas caminhadas, topam com “uma infinidade de espinhos de toda a espécie. A macambira não perdoava, com as suas garras de espinho. Lembrava um polvo, cujos tentáculos eram cheios de espinhos. Havia também o capim tiririca, que grudava nos braços e nas pernas, rasgando as carnes, como giletes. O bambu cipó era outro suplício, porque quando aparecia, enchia os campos em massa compacta”.

Não habituado àquele ambiente hostil, Joel é deixado para trás e perde a trilha dos demais companheiros – e, como dito, a compaixão é um sentimento ignorado por aqueles garimpeiros, que não hesitam e deixar o rapaz para trás.

Joel fica nove dias isolado e perdido na selva, sem comida e sujeito ao ataque de animais selvagens. Chega a desfalecer de sede e de fome, até o ponto de urubus estarem-no cercando, aguardando o momento certo para lhe comer a carniça. Nesses últimos instantes de vida, é resgatado por Seu Diolino, um camponês que vive naquelas matas com a sua família. Leva para casa e cuida dos ferimentos.

Recuperado, Joel jura vingança. O ódio àqueles que o abandonaram o leva a planejar uma revanche desleal – promove uma falsa denúncia às autoridades locais de que aqueles garimpeiros que o abandonaram, na verdade, tentaram-no assassinar para lhe tomar o dinheiro. Por sua culpa, os homens são açoitados a mando da autoridade local e todo o dinheiro do grupo é dado de volta a Joel, como se fosse a título de “restituição.”.

Esse ato desleal de vingança é o ponto de partida da desagregação moral do protagonista – e é agravada ainda pela adesão ao hábito de beber pinga. A história de Joel é a expressão da brutalização do homem quando confrontado com as circunstâncias do meio.

Não propriamente através de uma orientação determinista – o meio hostil é um elemento de desagregação da moral do protagonista, mas ainda há esperanças. Ao fim da história, Joel recupera a consciência e o discernimento entre o certo e o errado. O seu reencontro comovente com Gregorão ao final da história revela que ainda existe ternura no seu coração, a despeito da violência e barbárie do ambiente a que esteve submetido.

As tragédias que remontam a orientação realista de José Mauro de Vasconcelos não implicam a desilusão em relação ao ser humano. Ao lado da violência gratuita e dos assassinatos, há espaço também para atos de amor e altruísmo, revelados na parte final da história, quando Gregorão dá a sua vida para salvar Joel.

A brutalidade do sertanejo convive com uma certa dose de inocência. O garimpeiro também pode ter um coração cândido. Não são movidos por uma maldade inata, mas parecem antes serem crianças em corpo de adulto. A origem do mal está nas condições sociais do Garimpo e não na natureza selvagem.

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