OS "CONTOS AMAZÔNICOS" DE INGLÊS DE SOUSA
“É naturalmente melancólica a gente da beira do rio. Face a face toda
a vida com a natureza grandiosa e solene, mas monótona e triste do Amazonas,
isolada e distante da agitação social, concentra-se a alma num apático recolhimento,
que se traduz externamente pela tristeza do semblante e pela gravidade do gesto.
O caboclo não ri, sorri apenas; e a sua natureza contemplativa
revela-se no olhar fixo e vago em que leem os devaneios íntimos, nascidos da
sujeição da inteligência ao mundo objetivo, e dele assoberbada. Os seus
pensamentos não se manifestam em palavras por lhes faltar, a esses pobres
tapuios, a expressão comunicativa, atrofiada pelo silêncio forçado da solidão.”
Nascido em Óbidos, no oeste do Pará, na data de 28/12/1853, Herculano
Marcos Inglês de Sousa ainda não é suficientemente conhecido pelo público, especialmente
do sul e sudeste do Brasil, sempre tão ignorantes como somos sobre o que se
passa na Amazônia.
Foi um intelectual, parlamentar e escritor, sendo um dos precursores do
naturalismo literário.
Há muitos traços comuns entre os tapuias paraenses e os tipo sociais do
Maranhão retratados pelo mais conhecido escritor deste corrente literária,
Aluísio Azevedo e seu Mulato (1881). A mesma objetividade da narrativa e um
então pouco usual enfoque e protagonismo de personagens dos extratos mais
baixos da sociedade.
No caso de Inglês de Sousa, são os caboclos, os tapuias, os mestiços, os
sertanistas ou, como se diziam de si próprios os cabanos, “os brasileiros”.
Aos 26 seis anos, o escritor iniciou o curso de Direito no Recife,
tendo terminado o bacharelado em 1876 pela Faculdade de São Paulo.
Chegou a ser professor e diretor da mesma Faculdade de Direito do
Largo São Francisco, até iniciar sua carreira como político. Deputado provincial
em São Paulo, deputado geral pelo Pará, foi ainda presidente das províncias de
Sergipe e Espírito Santo. Esta condição de homem de governo certamente
radicalizaria aquele objetivismo dos naturalistas, fazendo com que algumas de
suas narrativas possam ser consideradas fontes históricas da história do
Amazonas.
Quando do movimento da Cabanagem retratada no conto “O Rebelde”, o
escritor vai ao ponto de descrever como aqueles tapuias se vestiam, como se
comunicavam, qual era a divisão de tarefas entre os homens e mulheres do bando,
e as razões da insurreição: o ódio contra os portugueses e os maçons.
“Paulo da Rocha dissertou longamente sobre as causas da cabanagem, a
miséria ordinária das populações inferiores, a escravidão dos índios, a crueldade
dos brancos, os inqualificáveis abusos que esmagam o pobre tapuio, a longa
paciência destes. Disse da sujeição em que traziam os brasileiros, apesar da
proclamação da independência do país, que fora um ato puramente político,
precisando de seu complemento social. Mostrou que os portugueses continuavam a
ser senhores do Pará, dispunham do dinheiro, dos cargos públicos, da maçonaria,
de todas as fontes de influência; nem na política, nem no comércio o brasileiro
nato podia concorrer com eles. Que enquanto durasse o predomínio despótico do estrangeiro,
o negro no sul e o tapuio no norte continuariam vítimas de todas as
prepotências, pois que eram brasileiros, e como tais condenados a sustentar com
o suor do rosto e a raça dos conquistadores.”.
Ainda que neste conto ficam claras as origens populares e os
sentimentos de rivalidade e nativismo na cabanagem, o livro não faz proselitismo
político: sua objetividade não afasta a análise do drama sob os olhares de um
menino, filho de um juiz de paz, que vê sua família ser perseguia e seu pai ser
morto não em crueldade por bandos cabanos.
Os cabanos matavam velhos, mulheres e crianças, invadiam e saqueavam
povoados e, na visão do herói do conto, um veterano da Revolução Pernambucana
de 1817, derramava inutilmente o sangue de brasileiros irmãos. Os movimentos
populares também tem as suas imperfeições, os seus abusos e injustiças.
Além de captar a realidade conforme sua complexidade, sem partidarismo
político, as histórias envolvem o folclore, a cultura e a fisionomia psicológica
da população da Amazônia.
O amazonense tem um semblante triste, contemplativo e gravidade nos
gestos. Sua alma é tão fatalista quanto as determinações da natureza que,
naquele lugar, assumem a mais absoluta exuberância e radicalidade. No que se
refere ao imaginário local, temos contos como A Feiticeira ou Acauã, em que se
afirmam histórias e crendices populares, semelhantes às histórias contadas no
interior paulista e reproduzidas por Monteiro Lobato.
No caso do tapuia do norte, a possibilidade de uma tragédia (natural
ou social) imanente parecem fazer com que este povo seja naturalmente mais
introspectivo e menos expansivo.
O caboclo não ri, apenas sorri, diz Inglês de Sousa.
Bibliografia:
“Contos Amazônicos” – Inglês de Sousa – Iba Mendes Editor Digital – www.poeteiro.com
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