A CORTE DE D. JOÃO NO RIO DE JANEIRO POR LUIZ EDMUNDO
Resenha Livro – “A Corte de D. João no Rio de Janeiro” – Luiz Edmundo –
1º Volume – 2ª Edição – Ed. Conquista.
“D. João tinha um tipo vulgar. Era curto, era grosso, a cabeça
larga e vermelha, surgindo de um conflito de roscas e papadas.
Quando aqui chegou contava quarenta anos de idade. Parecia, porém,
um velho de sessenta; o ventre em bola, desentocando de duas grossíssimas coxas
que faziam estalar a seda de seus calções cor de pérola. Ar tímido, gestos amolengados.
A marchar, marchava como pensava, devagar. Garante-nos o escritor português Oliveira
Martins na sua História de Portugal, que ele era homem de pouco asseio, “de
resto, como toda a família”, acrescenta, para dizer, logo depois que, ele, que
andava, sempre às turras com a mulher, pensando de modo diverso, contrariando-a,
em tudo, na hora do banho, com ela, logo ficava de acordo.”.
A transferência da Corte Portuguesa no Brasil, decorrência das Guerras
Napoleônicas e de uma estratégia, traçada de forma intempestiva, de salvar a Dinastia
dos Bragança, manter a aliança política e militar de Portugal com a Inglaterra
e abandonar o território do Reino e sua população aos invasores franceses
liderados pelo comandante Junot, teve diversas implicações na história do
Brasil.
Mais exato seria dizer que a fuga da família Real e a
instalação extemporânea da Monarquia no
Brasil traria como benefícios aos brasileiros:
1 A elevação do Estado do Brasil à condição de Reino
Unido de Portugal e Algavres, criando as condições políticas e jurídicas da independência
de 1822;
2-
A abertura dos portos às nações amigas, decisão
tomada por D. João VI ainda na Bahia, antes mesmo da sua chegada no Rio de Janeiro
onde se instalaria até o fim da Guerra Europeia.
3-
Benefícios de ordem cultural como a vinda da
missão artística francesa, a fundação da Academia de Belas Artes, a fundação do
Banco do Brasil, a criação de escolas de medicina na Bahia e no Rio de Janeiro,
o Jardim Botânico e as obras de melhoramento urbano no Rio de Janeiro, que
receberia de um dia para a noite cerca de 15.000 pessoas da corte portuguesa, na
sua maior parte nobres e seus funcionários particulares.
4-
A criação da imprensa Régia em 13 de maio de
1808, dia do aniversário do príncipe regente D. João (1767-1826). Nela foi
editado o primeiro jornal da colônia americana chamado a “Gazeta do Rio de
Janeiro”.
Tão importantes como as condições geopolíticas da Europa que levaram a
fuga da Família Real para o Brasil e os seus efeitos políticos, econômicos,
sociais e culturais, é conhecer os bastidores desta grande operação, a
intervenção não só do Príncipe Regente, mas das pessoas que o influenciavam, das
repercussões destes fatos diante dos olhos do povo, ou melhor, dos povos de
Brasil e de Portugal.
Quando da saída dos Barcos do Tejo em 1807, caia uma chuva triste e
monótona e os portugueses tentavam esconder sua completa indignação diante do abandono
de suas elites ante o invasor francês:
“- Patifes! Cobardes! Súcia! Então o povo é que fica? Nós o que somos?
Abandonam-nos como se fossemos cães!
Há punhos no ar e os monitores do Sr. Intendente da Polícia suplicando
calma.”.
Já a reação do povo brasileiro à chegada da Corte foi o exato oposto: festas e folganças, clamores e vivas,
foguetes e festas verdadeiramente populares com o povo “cantando, berrando, em
meio à patuleia tumultuosa”.
Neste livro do escritor carioca Luís Edmundo de Melo Pereira da Costa,
o que vemos é uma versão verdadeiramente brasileira dos fatos. A narrativa se
parece com um romance, ou uma reportagem, tendo como fontes os arquivos
históricos da cidade do Rio de Janeiro e as memórias de pessoas da nobreza e da
elite política que tiveram contato direto com D. João IV, sua mãe, Maria I a louca,
a libertina Carlota Joaquina, e os filhos D. Pedro e D. Miguel.
O livro é de fácil leitura e traz informações sobre os detalhes da
viagem, o cotidiano do Rei e de sua família no Rio de Janeiro, as festas e
cerimônias, dentre elas, a mais relevante: o beija mão, momento em que todos os
tipos sociais, ricos e pobres, podiam fazer requerimentos diretos ao grande Rei.
Por expressar um ponto de vista brasileiro, e não português, o livro é
de certa forma simpático ao D. João IV, retratado como aquela figura já
conhecida: meio grotesca, glutão, pusilânime, mas com um bom coração,
misericordioso, amante do Brasil, desconfiado, supersticioso, com medos de
trovões, amante da comida (especialmente frangos), triste por ser obrigado
pelas Cortes de Lisboa a retornar ao Reino.
Um Rei sem nenhuma originalidade ou ideias políticas próprias, levado
a tomar decisões pelas pressões e forças dos acontecimentos. Mas, um monarca
que não inspirava medo nos seu súditos, mas franca simpatia.
SOBRE O AUTOR
Luís Edmundo foi jornalista, poeta, cronista, memorialista, teatrólogo
e historiador. Nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 26 de junho de 1878, e faleceu
na mesma cidade em 8 de dezembro de 1961. Era definitivamente apaixonado por
sua cidade, dedicando boa parte do seu trabalho na pesquisa e publicações de
crônicas sobre a cidade. Voltou seu interesse para o século XVIII e imaginou um
vasto painel do Rio de Janeiro no tempo dos Vice-reis. Foi a Portugal,
pesquisou em arquivos, bibliotecas e conventos de província, depois à Espanha,
reunindo material, inclusive iconográfico, para as obras que iria escrever.
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