SOBRE O ROMANCE “PHILOMENA BORGES” DE ALUÍSIO AZEVEDO
Aluísio Azevedo é inequivocamente o maior expoente do naturalismo literário
no Brasil.
Esta etapa da evolução histórica da literatura acentuou um sentido
geral de objetividade que advinha já da 3ª Fase do Romantismo e do Realismo. No
caso do naturalismo, a objetividade ganha contornos de cientificidade, havendo
mesmo uma proposta de fusão entre a arte e a ciência. Enquanto na escola
romântica, a salvação humana está no retorno do homem ao seu estado natural, no
Naturalismo, a salvação dá-se em torno da explicação científica do mundo, mediante
a descrição empírica dos fenômenos sociais. Não raramente, fatos sociais se
equivalem aos fatos da natureza, revestidos da mesma fatalidade.
Este tipo de arte suscita evidentes fontes históricas para o leitor
dos dias de hoje. A descrição do Cortiço no mais famoso romance de Aluísio
Azevedo possibilita um contato direto com a realidade do subúrbio do Rio de
Janeiro do século XIX, descrevendo os tipos populares, como o taverneiro
português João Romão, a quintandeira Bertoleza ou a mulata sensual Rita Baiana.
É certo, contudo, que este protagonismo dos tipos populares ainda é parcial
neste romance, publicado em 1890. O grande protagonista d’o Cortiço é o próprio
espaço territorial, que se apresenta ao leitor como um organismo social, com
uma vida própria, tendo, ironicamente, os personagens o caráter mais
paisagístico. A comparação com um formigueiro, dentro da perspectiva naturalista,
não seria de todo errada.
Além disso, os personagens do Cortiço são retratados de uma maneira
caricatural, havendo um evidente diálogo entre a escrita de Azevedo e o seu
trabalho anterior como chargista de jornal. A sátira e a comédia dão o tom do pouco
conhecido romance “Philomena Borges”.
“Philomena Borges”
“Estranha existência a dessas duas criaturas que a natureza fez tão
diversas, tão contrárias, mas que o acaso laçou no mesmo destino, abraçadas a
uma só onda, sofrendo e gozando promiscuamente, sem nunca poderem determinar
onde principiava a dor, onde terminava o gozo.
A mesma cousa, que a um fazia padecer, dava ao outro transportes de
alegria. Daí esse equilíbrio da lágrima e do riso, que era a fonte de toda a
sua coragem e de toda a sua força. Não podia sucumbir nunca, porque um deles
estava sempre de pé para amparar o companheiro, quando este por ventura
vacilasse.”.
“Philomena Borges” é um livro menos conhecido do nosso escritor
naturalista, cujo estilo está mais próximo da sátira e das caricaturas, do que
dos projetos literários inequivocamente naturalistas. Trata-se de uma comédia
divulgada em Folhetim na “Gazeta de Notícias” no começo do ano de 1884.
A história descreve a vida de um casal improvável pela completa
oposição de personalidades: de um lado Borges, um quarentão pacato, até mesmo
cândido, todo ele dedicado ao trabalho como mestre de obras, à rotina e à avareza.
Já Philomena, filha de um Conselheiro de Estado que, antes de morrer, gastara
toda a fortuna da família “no jogo e nas confeitarias”, desde pequena herdaria
uma tendência à ambição pelas grandes realizações, uma altivez aristocrática,
um gosto estético refinado, tudo em oposição ao pragmatismo burguês de seu
marido.
Esta oposição de gênios, no início do romance, leva o leitor
erroneamente à ideia de que o casamento redundaria num fracasso: mas esta
oposição leva gradualmente as partes a um amor verdadeiro, que é colocado à
prova diante de momentos de riqueza e miséria, como quando o casal, fugindo de
credores, chega ao limite da fome, na província de São Paulo.
Philomena Borges, no primeiro dia do casamento, fecha-se no quarto
onde se dariam as primeiras núpcias e mantém desde então uma atitude de reserva
em relação ao marido, que teria de provar ser digno de seu amor. A dedicação do
marido, o “João Touro” levava-o ao cômico de aprender, aos quarenta anos, a
dançar, a encenar peças de teatro ou até mesmo experimentar pela primeira vez o
charuto, abandonando o hábito do rapé.
A bela Philomena, por outro lado, prova o seu amor ao Borges
acompanhando-o nos momentos de dificuldade financeira, recusando todos os
cortejos, e sempre incentivando o marido aos mais altos voos: de capitalista à
bancarrota comercial, de ator de circo à diretor de representações teatrais na Europa, de Barão à
Visconde de Itassu, de conselheiro de D. Pedro II à, finalmente, derrotado pelo
Partido Conservador. É o final do livro, em 1878, quando o João Touro,
finalmente se vê livre da política (que ele odeia) e retorna a sua querida
Paquetá. Infelizmente, sua derrota na política implicaria, para Philomena, o
fim das ilusões em torno das suas próprias ambições e sonhos grandiloquentes, representada
por sua morte.
A história de temperamentos tão diferentes que, num primeiro momento
parece improvável e com o tempo, convence e comove o leitor acerca do enlace,
também seria retratado em outro romance pouco conhecido do nosso escritor maranhense,
o “Coruja”, cuja resenha, remetemos o nosso leitor: http://esperandopaulo.blogspot.com/2019/05/o-coruja-aluisio-azevedo.html
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