“O Matuto” – Franklin Távora
Resenha Livro
- “O Matuto” – Franklin Távora – Iba Mendes Editor Digital
“Só uma vista
curta não verá na guerra dos mascates, antes uma luta travada por dois grandes
princípios, do que uma revolta filha de preconceitos ridículos e costumes
atrasados. Certo concorreram não pouco para essa luta o costume e o capricho
antigo, inflexíveis ambos; mas o seu papel nessa grande representação foi mais
secundário do que principal. A parte essencial e verdadeiramente dramática da
ação, essa pertencia a dois grandes interesses, assim das sociedades modernas,
como das antigas – ao comércio e a agricultura, princípios que, quando acordes
em seu desenvolvimento, trazem a propriedade e riqueza dos povos, e, quando
divergentes, o seu atraso senão o seu aniquilamento”.
Já foi dito
que a literatura é um retrato da sociedade. Também não são poucos os romances
que sevem de preciosa fonte histórica àqueles que desejam conhecer o passado de
uma nação. No caso de “O Matuto” (1878) publicado pelo escritório cearense João
Franklin da Silveira Távora, verificamos se tratar de uma epopeia descrevendo a
Guerra dos Mascates (1710/1711) na região a Zona da Mata Pernambucana, então
designada Goiânia.
Os eventos
principais da Guerra dos Mascates ocorreram no Recife. O segundo palco principal
da guerra foi esta região mais ao interior, onde se passa os eventos deste romance.
O enredo se
passa mais especificamente em Pasmado, uma velha povoação situada entre Goiânia
e Olinda, outrora aldeia de índios, local onde se produzia facas, região onde houve
cerca de 8 motins desencadeados pelos rebeldes de Recife contra os nobres da
terra, designados como “mazombos” e “pés rapados.”.
Mais do que
uma história épica da Guerra dos Mascates, temos neste romance uma descrição da
fisionomia física e moral do “matuto” que é o sertanejo agricultor, o lavrador,
o almocreve, bem como da sua estrutura familiar, dos costumes, do folclore, das
festas populares, do papel da religião, dos enlaces conjugais. Mais do que um
romance histórico, temos a partir da leitura deste romance regionalista uma
fonte preciosa do sertanista brasileiro:
“No tocante ao
traje, ver um dos matutos era o mesmo que ver os demais. Camisa por cima de
ceroulas de algodão – eis em que ele consistia.
Todos tinham
os pés nu, e quase todos por cima do cós das ceroulas o longo cinto de fio,
cofre portátil onde traziam o dinheiro, terminando em cordões com bolotas nas
pontas, os quais serviam para dar muitas voltas em torno da cintura antes do
laço final. Metida entre o cinto e o cós guardava cada um sua faca de ponta
presa pela orelha da bainha. Da arma só aparecia o cabo, figurando a cabeça de
uma serpente que tinha o restante do corpo oculto.”.
Há divergência
nas análises desta obra sobre o seu enquadramento literário. Parte da obra do
nosso escritório se situaria no romantismo, outra parte seria precursora do
realismo. Para alguns, seria mesmo um precursor do naturalismo.
O certo é que
Franklin Távora suscitou a proposta de criação de uma “Literatura do Norte” ou “Romance
Histórico” a partir da trilogia: “O Cabelereira” (1876), “O Matuto” (1878) e “Lourenço”
(1878).
Seria importante
salientar que a produção literária de Távora se situa num contexto de fim do
ciclo da cana de açúcar e redirecionamento do centro econômico do país para o
eixo centro-sul, iniciado com a mineração e concluído com o ciclo do café.
Outro ponto a
ser destacado: nosso escritor matriculou-se na Faculdade de Direito de Recife
em 1859, teve contatos pessoais com a chamada Escola de Recife e seus expoentes
Tobias Barreto e Sílvio Romero.
Diante destas
premissas, justificaria o escritor a criação de uma literatura do norte em oposição
e com autonomia em relação ao sul, ou se quisermos, ao Rio de Janeiro.
Ficaram
conhecidas, neste sentido, as críticas de Franklin Távora ao escritor romântico
José de Alencar, que seria um “escritor de gabinete”, em oposição à proposta
literária parcialmente romântica do autor de Matuto, cujo enredo está lastreado
em fatos e na pesquisa da história. Certamente, uma história parcial da Guerra
dos Mascates, simpática aos senhores de engenho, e antipática à demagogia dos comerciantes
portugueses, mas ainda assim, um romance com algum compromisso de narrar o
passado, explicar quem foram os protagonistas dos eventos e, não menos
importante, explicar as origens do país.
A Guerra dos
Mascates iniciou-se a partir da proposta de elevação de Recife à condição de
Vila, criando animosidade e oposição à nobreza de Olinda. Mais do que uma
oposição geográfica, tratava-se de um conflito entre a nobreza da terra, ligada
à agricultura, e tida como brasileira, e comerciantes citadinos do recife,
designados mascates, boa parte deles portugueses. O controle dos preços do açúcar
pelos comerciantes, a existência de empréstimos de dinheiro a juros abusivos,
que levaram alguns proprietários de terra ao colapso, criaram as condições
econômicas para a animosidade entre os dois grupos.
Os mascates diziam
representar os interesses do povo e combater os privilégios da nobreza. Na prática,
desenvolviam motins, praticavam saques, operavam como bandoleiros, matavam os
fidalgos e estupravam suas mulheres, inclusive arregimentando o que poderíamos
chamar de “lumpesinato” dentro de seu movimento. Este ódio contra os nobres era
explorado por meio de ressentimentos prévios, sendo comum os mascates corromperem
os escravos dos senhores de engenho para que eles sabotassem internamente à
reação aos motins.
Se por um
lado, os mascates apresentavam um discurso de representantes dos interesses
populares, os rebeldes eram dirigidos por comerciantes portugueses, cujos
interesses efetivos não era o igualitarismo político ou mesmo a abolição da
escravatura, mas os desígnios pecuniários dos comerciantes. Comerciantes
estrangeiros....
Ao menos no
que se refere à interpretação da história por Franklin Távora, a efetiva defesa
dos interesses nacionais estava do lado oposto da trincheira, dentro da
resistência do matuto, dos senhores de engenho e dos trabalhadores do campo. Dos
brasileiros....
“Em nome da
lei, mascate! Gritou Cosme em tom de quem impunha silêncio. Sois apontado como
perturbador da ordem, protetor dos rebeldes, e um deles. À frente de todos os
motins que há dois meses perturbam o sossego desta vila, todos vos veem
comprando os venais, desencabeçando os ignorantes, encaminhando para o mal, que
é o vosso alvo, os desordeiros por hábito e condição. Os homens bons já estão
cansados de aturar as vossas provocações, a autoridade de ser desrespeitada, as
famílias fracas de receber insultos e violências dos malfeitores a que
estendeis a mão cheia de ouro. (...)”
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