quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

“Rúdin” – Ivan Turguêniev

“Rúdin” – Ivan Turguêniev



Resenha Livro #151 - “Rúdin” – Ivan Turguêniev – Editora 34 – Tradução Fátima Bianchi

Ivan Turguêniev é junto com Leon Tolstoi e F. Dostoiéviski um dos principais expoentes da literatura russa do século XIX. É autor de vasta obra de teatro, poesia, contos e romances, tendo sido o primeiro dentre os três a ser consagrado no Ocidente.

Nascido em 28 de Outubro de 1818, no distrito de Oriol na Rússia, Turguêniev veio de família aristocrata: até os nove anos morou na propriedade rural da família e em seguida estudou em Moscou e São Petersburgo. Em 1838 mudou-se para Alemanha a fim de continuar os estudos em nível superior. Em Berlin fez filosofia, letras clássicas e história; participou de círculos estudantis e conheceu pessoalmente o agitador rebelde Bakunin, que serviria de inspiração para compor o personagem principal de seu primeiro romance.

Antes porém de Rúdin, publicou alguns poemas e alguns contos que seriam reunidos sob a denominação de “Memórias de um Caçador” (1852), já encontrando ressonância no público ao discutir o problema do homem do campo diante da servidão e a libertação dos servos, então em pauta. “Rúdin” foi publicado entre janeiro e fevereiro de 1856 na revista O Contemporâneo. O espetacular final do protagonista que desde uma barricada na França de 1848 morre empunhando uma bandeira vermelha, como uma espécie de Dom Quixote, num ato heroico e inútil de resistência e bravura, seria acrescentado alguns anos depois, provavelmente devido ao relaxamento da censura após a morte de Nicolau I.

O romance nos leva num primeiro momento à casa de campo de Dária Mikháilovna, uma viúva aristocrata de Moscou que anualmente dirige-se ao campo junto à sua filha Nathalia para aproveitar o verão: naqueles dias, a proprietária cuida de seu sítio pessoalmente e procura se ocupar convidando vizinhos e conhecidos para jantares e distrações, fazendo-nos conhecer diferentes tipos e personalidades. Pigassov é um dos frequentadores da casa de Dária Mikháilovna e diverte-a com o seu mal humor diante da vida e o seu ressentimento diante das mulheres.

“- Eu lhe asseguro, Aleksandra Pavlovna – proferiu lentamente Pigássov -, que nada pode ser pior e mais ofensivo do que a felicidade que chega demasiado tarde. Prazer, de todo modo, não pode proporcionar, e em compensação nos priva de um direito, do direito mais precioso – o de xingar e amaldiçoar o destino. Sim, senhora, a felicidade tardia é uma coisa amarga e ofensiva”.

Este personagem assumiria um papel importante como uma espécie de contraponto ao protagonista, Rúdin.

Rúdin surge naquele pacato sítio substituindo um Barão amigo da viúva que esteve impossibilitado de visitá-la – seu substituto num primeiro momento desperta a atenção e curiosidade dos ouvintes com sua eloquência e pleno domínio das palavras. Todos menos é claro Pigássov, um homem já velho e amargurado diante de fracassos pregressos e convencido de que “a palavra” é inútil, sempre vendo Rúdin como presunçoso – talvez por inveja, mas muito mais provavelmente em função do seu próprio passado que envolve o abandono dos estudos por fracasso pessoal e a desilusão radical diante do mundo das letras e sua utilidade.

Rúdin representa um setor da nobreza russa que conformaria aquilo a que se chama de “intelligentsia” e que em certa maneira remete ao próprio Turguêniev, uma juventude que iria estudar nas universidades Alemãs e Francesas, tinham contatos com ideias de reformadores sociais e filósofos como Kant, Hegel e Feuerbach e, ao retornar à Rússia czarista, dominada ainda pelo regime feudal no campo e com a esmagadora maioria da população vivendo na penúria e no analfabetismo, tornar-se-iam deslocados, sem conseguir de fato traduzir as ideias, ou as palavras, em atos.

Este é o drama do homem cosmopolita, como Rúdin, mesmo que se reconheça as suas boas intenções:

“- Está ouvindo – continuou Liéjnev, dirigindo-se a Pigássov – De que outra prova precisa? O senhor ataca a filosofia; ao falar dela, não encontra palavras suficientemente desdenhosas. Eu mesmo não lhe tenho grande apreço e mal consigo entendê-la: mas não é da filosofia que advêm nossos principais infortúnios! Os delírios e os meandros filosóficos nunca se enraizarão no russo: para isso ele tem muito bom senso; mas não podemos permitir que toda aspiração honesta para a verdade e a consciência seja atacada em nome da filosofia. A desgraça de Rúdin é que ele não conhece a Rússia, e essa é realmente uma grande desgraça. A Rússia pode prescindir de cada um de nós, mas nenhum de nós pode prescindir dela.”

Este deslocamento entre esta “intelligentsia” que importa filosofias ocidentais, conversa em francês dentro de pequenos círculos aristocráticos e apenas consegue “dialogar” com gente letrada, permanecendo completamente ininteligível para o mujique, sua mulher e as crianças – como atesta a tentativa frustrada de Rúdin em dar aulas de Literatura numa escola secundária – diz respeito à esta distância entre “a palavra” e à realidade, implicando na paralisia deste setor social – ao menos dentro do contexto histórico observado por Turguêniev, a Rússia de 1830-40.

Como se sabe, esta mesma  “intelligentsia” ganharia volume e expressão política ao longo do século XIX sendo a “ida ao povo” uma de suas saídas políticas desde os grupos populistas de fins do séc. XIX – com o acréscimo de que desta vez tal “intelligentsia” não se reduziria apenas a filhos da aristocracia.

De qualquer forma, os romances de Turgueniêv, Tolstoi e Dostoiéviski vão como refletindo o que foi a sociedade russa e como se deu a sua evolução durante o séc. XIX o que, dentre vários tópicos a serem analisados, oferece uma chave explicativa fundamental para se entender a razão pela qual a primeira revolução socialista do mundo estourou naquele local e naquela sociedade.  Pensar em Lênin em 1917 é certamente pensar num Rúdin em 1830.


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