sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

“México Insurgente” – John Reed

“México Insurgente” – John Reed
Resenha Livro #143 - “México Insurgente” – John Reed – Boitempo Editorial
               

Tivemos já a oportunidade de resenhar um livro que trata da Revolução Mexicana (1910-1920) desde o ponto de vista da história.. (Fonte: http://esperandopaulo.blogspot.com.br/2014/09/a-revolucao-mexicana-antecedentes.html

Em “A Revolução Mexicana: Antecedentes, Desenvolvimento e Consequências”, um trabalho conjunto de  Rodolfo B. Bustos, Rafael A. Medina e Marco Antonio Loza  publicado pela Ed. Expressão Popular o leitor terá uma visão panorâmica daquele evento histórico que corresponde a uma grande revolução camponesa, resgatando inclusive o passado colonial mexicano e os seus antecedentes indígenas pré-colombianos.

Tal passado é uma chave explicativa para se entender a força daquele movimento que tinha como principal orientação a luta pela terra e a concretização da reforma agrária, consoante expectativas que vinham desde a espoliação espanhola.

Entender objetivamente um evento histórico envolve sondar o passado, a evolução dos embates de classe e sua relação com o desenvolvimento das relações de produção: no caso mexicano, sua revolução decorre de uma etapa em que o capitalismo em nível mundial já se expressa em sua fase imperialista, com a dominação econômica e política indireta, porém não menos rigorosa das antigas colônias espanholas – e efetivamente os EUA interviriam diretamente  na Revolução Mexicana de molde a garantir seus interesses econômicos.

“México Insurgente” por outro lado não é exatamente um livro de história, não temos aqui uma reflexão estrutural sobre a economia, a sociedade ou a política do México. John Reed esteve alguns meses de 1913 no norte do México como correspondente jornalístico desde a frente de batalha e de lá redigiu uma série de reportagens sobre o cotidiano daquele país sobre a guerra civil: já muito elogiado quando da sua publicação, Reed, quando voltou aos EUA, reuniu o seu material e escreveu “México Insurgente”.

Este seria o seu primeiro livro em que o jornalista desde a vivência pessoal poderia relatar os pormenores de uma revolução: o pensamento dos cabos mais simples até os generais mais importantes como Pancho Villa (que na verdade era um homem também muito humilde, recém alfabetizado e que negara o convite para ser presidente do México em caso de vitória das tropas constitucionalistas); o dia- a- dia das tropas, sua alimentação parca a base de tortillas de milho e sua miserabilidade na roupa esfarrapada, descalços, ou de chinelas (isto tanto para as tropas federais quanto para as constitucionalistas); a alegria do povo que sob qualquer pretexto arranjavam bailes, cantavam modas de violão e faziam chistes; as relações de gênero em que à mulher mexicana cabe exclusivamente cozinhar e cuidar de seu homem, sendo as disputas conjugais resolvidas à bala; e os enfrentamentos do campo de batalha, os cercos junto às cidades, as estratégias militares napoleônicas de Pancho Villa, uma espécie de guerrilheiro sem qualquer  formação que na luta que consolidou-se como líder supremo da revolução mexicana da região norte daquele país.

Uma parte toda de “México Insurgente” é dedicada a este personagem muito particular da história do séc. XX que foi Pancho Villa. Era um consenso, e não negado por Villa, que antes da revolução o mesmo era um bandido comum, já tendo matado muitos: por suposto, com o tempo, o temor dos seus inimigos frente ao tratamento implacável dado pelos homens de Villa aos colorados  e aos federales viria a aumentar as lendas em torno do seu passado.

Reed relata um episódio em que Villa era homenageado num palácio tomado pelas suas forças. Todo o povo amontoado a saudá-lo e ele parecendo sentir-se entre entediado e constrangido: não era uma liderança política, não sabia fazer discursos (e não o fez àquela ocasião). Era um guerreiro, cegamente obediente e fiel às lideranças da revolução. Pancho Villa foi um revolucionário igualitarista, que no combate lutava ombro a ombro com seus homens, provando sua coragem na prática. E pelo que lutava? Diz o próprio:

“Quando se estabelecer a Nova República, não mais haverá exércitos no México. Os exércitos são os maiores apoios da tirania. Não pode haver ditador sem exército.

Poremos o exército para trabalhar. Em todas as partes da República serão estabelecidas colônias militares compostas por veteranos da revolução. O Estado lhes dará a posse de terras agrícolas e criará grandes empresas industriais para garantir-lhes trabalho. Trabalharão três dias na semana, e trabalharão duro, porque o trabalho honesto é mais importante do que lutar, e só um trabalho honesto produz bons cidadãos. E nos outros três dias receberão instrução militar, que, por sua vez, usarão para instruir todo o povo para ensiná-lo a lutar. Então, se a Pátria for invadida, apenas teremos de dar um telefonema do Palácio Nacional na Cidade do México e em meio dia todo o povo mexicano se levantará em seus campos e fábricas, completamente armado, equipado e organizado para defender seus filhos e seus lares”.

O outro livro mais famoso do jornalista John Reed acerca de revolução em que igualmente o periodista relataria de forma dinâmica e cinematográfica os fatos históricos é “Dez dias que abalaram o mundo” que discorre sobre a Revolução Russa.

Em ambos os livros temos uma reportagem, uma descrição jornalística, portanto, de eventos históricos. Não significa em absoluto que sejam obras datadas. Muito pelo contrário!

Interessa-nos como preciosas fontes talvez não tanto para entender e sim para compreender os eventos históricos. Enquanto com o método do historiador, o leitor procura um sentido da história e assim extrair um entendimento objetivo dos eventos e suas relações enquanto processos encadeados, as reportagens oferecem facetas, imagens, aspectos, traços subjetivos da histórica que complementam aquele entendimento inicial. Algo que na historiografia foi denominado história do cotidiano.

Os depoimentos pessoais, por exemplo, de Pancho Villa vão além de meramente explicar a razão pela qual aquela liderança não aceitou junto a Zapata disputar os rumos políticos da revolução: de certa forma, pela boca do dirigente há a visão social de todo um contingente que ele lidera e que está disposto a tombar em torno de uma luta pela terra e contra a espoliação dos nacionais e estrangeiros. 

De uma maneira geral, podemos dizer que é uma cultura camponesa que em parte explica as relações de força da Revolução Mexicana.


Diz-se que Che Guevara leu “México Insurgente” durante suas viagens pela América Latina. Certamente deve ter sido um livro que sensibilizou e tocou subjetivamente aquele revolucionário amoroso.  

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