domingo, 4 de janeiro de 2015

“O Governo João Goulart – As Lutas Sociais no Brasil 1961-1964” – Moniz Bandeira

“O Governo João Goulart – As Lutas Sociais no Brasil 1961-1964” – Moniz Bandeira 




Resenha Livro 144- “O Governo João Goulart – As Lutas Sociais no Brasil 1961-1964” – Moniz Bandeira – Ed. Civilização Brasileira 

O jornalista e pesquisador Moniz Bandeira escreveu este ensaio sobre o governo João Goulart depois de 14 anos do golpe militar que derrubara Jango. Este relativo curto espaço de tempo entre os eventos e o relato tem a grande vantagem de, nas palavras do jornalista, oferecer ao leitor um panorama daquele período político por alguém que vivenciou e assistiu a todos os acontecimentos, do começo ao fim, tanto do camarote como do palco e dos bastidores, como cronista do jornal “Diário de Notícias” do Rio de Janeiro. 

Tal posição também garantiria ao autor a possibilidade de acesso direto a fontes centrais das lutas sociais daquele período: além do próprio João Goulart, desde o exílio no Uruguai, o pesquisador pode entrevistar personagens decisivos daquela narrativa, como Sérgio Magalhães (presidente da Frente Parlamentar Nacionalista, um bloco parlamentar de apoio governista), Darcy Ribeiro (ex-chefe da casa Civil de João Goulart), ministros, governadores de estado, militares, jornalistas: tanto de personagens pro quanto contra Jango. 

Os últimos momentos do governo foram marcados por intensa radicalização política, tanto pela direita, quanto pela esquerda, com greves, ocupações de terras, espionagem, provocações e quebra de hierarquias dentro das forças armadas: qual seja, uma sucessão de fatos políticos que podem ser resumidos na ideia da radicalização da luta de classes decorrente do isolamento político do governo João Goulart que, perdendo sua base política dentro das classes dominantes, teve como única opção apoiar-se nas forças populares, nos sindicatos (CGT), no movimento estudantil e camponês para aprovar suas reformas de base e fazer avançar políticas que iam em sentido contrário dos interesses do imperialismo e da burguesia nacional a ele dependente. Exemplos: a controvérsia acerca a encampação das empresas da AMFORP (plantas de industrias de base norte-americanas abandonadas no país que atravancavam o desenvolvimento nacional), a lei proposta por Jango de contenção da remessa de lucros diante do caos inflacionário e, talvez a maior briga comprada por João Goulart, uma proposta de reforma agrária, bastante tímida, restrita a distribuir as terras que sofreram valorização com a construção de rodovias e usinas. 

Há de se observar ademais tanto o contexto geral da Guerra Fria quanto a participação ativa dos EUA que gradualmente vão de uma hostilidade a uma franca oposição ao governo brasileiro (apoiando financeiramente e militarmente a oposição à Goulart). No que tange à Guerra Fria, o “combate ao comunismo”, a infiltração comunista dentro do governo ou a tese da “guerra revolucionária comunista” (segundo a qual no Brasil se conspirava um “golpe” violento, tese sustentada no parlamento pelo líder da UDN Bilac Pinto) seriam os pretextos para combater Jango: no fundo a luta da classes perpetrada pela classe dominante que se volta contra João Goulart é muito mais contra aquelas medidas concretas elencadas acima, bem como as suas Reformas De Base. 

Em outras palavras, quando a direita evocava o fantasma de Cuba, a política externa independente de Jango (que reatou relações comerciais com países socialistas com o desagravo de Washington) e a infiltração comunista no governo, ela antes buscava conter um processo político democrático. Ninguém realmente acreditava que um estancieiro, latifundiário e conciliador como João Goulart fosse um marxista-leninista. O que estava em jogo era a luta contra as reformas:

1- Reforma Agrária, com emenda do artigo da constituição que previa indenização prévia em dinheiro. 
2- Reforma Política, com extensão do direito de voto aos analfabetos e praças.
3- Reforma Universitária, assegurando liberdade de ensino e fim da vitaliciedade de cátedra.
4- Consulta à vontade popular por meio de plebiscitos. 

No que tange à participação dos EUA no golpe, não só o livro de Moniz Bandeira, mas toda a historiografia sobre o período é consensual acerca da ingerência norte-americana direta nos acontecimentos, contando os golpistas com o aval e apoio bélico norte-americano direto - dispositivo a ser uitilizado em caso de resistência. Ao que tudo indica, João Goulart estava bem informado de todos estes elementos o que deve ter pesado consideravelmente para o ex-presidente não optar pelo caminho da luta e resistência armada contra o golpe. 

Seja como for, o balanço a ser feito pela esquerda, as lições a serem extraídas das lutas sociais daquele período parecem não remeter tanto à questão, “deveríamos ou não ter resistido em armas ao golpe”? e sim “por que o golpe nos pegou tão desprevenidos”? 

O livro de Moniz Bandeira dá alguns sinais importantes. Em primeiro lugar as ilusões democráticas em torno das forças armadas, no seu espírito legalista, “confiando que os oficiais  nacionalistas e o grosso dos sargentos se oporiam, como em 1961, a qualquer intento de derrubada do Presidente da República”. 

Ademais, a esquerda criara enormes ilusões em torno das lideranças vacilantes da burguesia nacional que conduziam o processo democrático e se paralizou, não se preparou política, ideológica e militarmente para fazer frente aos ataques da direita, confiando portanto na força daquelas lideranças hesitantes.  Finalmente, constatou-se que Goulart, fiel até o final ao princípio da legalidade, transigiu e buscou a conciliação, e foi vítima de um golpe enquanto ele próprio poderia, quando estava na ofensiva, avançar, derrotar seus inimigos mais atrozes, cassando, por exemplo, o mandato de Carlos Lacerda após suas provocações sobre as forças armadas federais, quando tinha base jurídica para tanto, e se apoiando nas massas para viabilizar seu projeto de reformas.  

A característica fundamental do governo João Goulart é o da polarização/radicalização política. Nestes momentos, as máscaras caem e a luta entre as classes assumem um novo nível, tornam-se abertas, escancaradas: daí a importância do estudo deste período da história do Brasil. 
    

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