segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

“Minha Vida” – A. P. Tchekhov

“Minha Vida” – A. P. Tchekhov 




Resenha Livro 152 - “Minha Vida” – A. P. Tchekhov – Editora 34 – Tradução  Denise Sales 

Anton Pávlovich Tchekhov nasceu numa cidade portuária ao sul da Rússia, Taganrog, em 1860. Ao contrário da maior parte dos consagrados escritores de sua geração, veio de família humilde: neto de servos, seu pai foi um humilde comerciante cheio de dívidas. 

Em 1879, Tchekhov ingressa na Faculdade de Medicina da Universidade de Moscou e passa a escrever pequenos contos nos periódicos daquela cidade essencialmente para obter sustento para si e seus irmãos. Em alguns anos esta ocupação lhe renderia não só algum retorno financeiro mas fama literária. De fato serão com os contos, publicados em revistas e periódicos, que Tchekkov vai ser consagrado como grande escritor de seu tempo, especificamente como de orientação realista que se dedica a temas corriqueiros e aspectos apenas aparentemente banais, mas que sob seu olhar, ganham tratamento profundo e universal. 

“Minha Vida” (1896) é grande o suficiente para não se tratar de um conto e é curto o suficiente para não se tratar de um romance: a melhor caracterização fica como sendo a de uma novela, observando-se de resto aquilo que é peculiar da literatura de Tchekhov: o realismo literário, a escolha de temas e eventos que não fogem daquilo que é o cotidiano de modo a extrair a força poética a partir justamente da observação do que aparenta ser superfície. 

Nesta novela temos uma história narrada em primeira pessoa pelo jovem Missail Pólznev. Aos 25 anos, após ser demitido pela 9ª vez em mais um emprego burocrático, para o desespero do seu pai, o jovem resolve romper com a lógica da divisão social do trabalho segundo a qual o trabalho intelectual reserva-se a pessoas de origem nobre como ele (filho de um arquiteto municipal, neto de um poeta e bisneto de um general) e delibera buscar um trabalho manual, conquistar efetivamente sua sobrevivência com o suor do seu labor físico – conquanto o trabalho burocrático repetitivo que supostamente seria intelectual lhe parecia ainda pior que os esforços físicos de sobrevivência do Mujique. 

O pai de Missail, um patriarca autoritário profundamente ressentido da decisão do filho, chega ao extremo de romper e tirá-lo da herança. 

Missail  surge nas ruas vestido como um simples pintor provocando diferentes reações dos habitantes da pequena província, de antiga conhecida que pretende não conhecê-lo, até poucos que vêm em sua decisão exótica algo como uma atitude admirável: este é o caso da filha do engenheiro da ferrovia, Maria Víktorovna, que viria a casar-se com o protagonista. 

E, talvez numa orientação distinta de Tolstoi, não existe aqui qualquer benevolência a priori no que diz respeito ao tratamento que o artista dá ao modo de vida dos camponeses. Se dentro das repartições públicas (trabalho intelectual) vigora a corrupção, o suborno e a burocracia, no campo (trabalho manual), onde irão morar e trabalhar o casal Missail e Maria, observarão que as condições de vida continuam sendo brutais: são vizinhos que roubam bens do sítio do casal, dificuldades na demarcação das terras, falcatruas, bebedeiras e arruaças dentre os mujiques. As dificuldades de sobrevivência e o tédio da vida repetitiva são extremos ao ponto de Maria Víktorovna abandonar seu marido e, junto ao seu pai engenheiro, viajar “para sempre” para Paris. 

O que torna esta novela interessante é que ela não oferece uma conclusão ou uma resposta definida acerca das inquietações iniciais do jovem protagonista diante da falta de sentido que a sua vida de nobre lhe reserva diante de uma sociedade inteira eivada pelo vício e pelo preconceito, de alto a baixo da escala social. É um romance que abre perguntas e não oferece tantas respostas. 

Ao final, um pequeno fio de esperança surge não através da política (ou da filantropia, que surge quando Missail e sua esposa tentam sem sucesso construir uma escola em seu vilarejo). 

A esperança vem a partir da arte:

“- Quem vai discutir? Estávamos certos, mas erramos ao colocar em prática aquilo de que estávamos certos. Acima de tudo, os nossos próprios recursos externos – será que não estavam errados? Você quer ser útil às pessoas, mas o simples fato de ter comprado uma propriedade, já desde o início, barra todas as suas possibilidades de fazer-lhes algo de útil. Depois, se você trabalha, se veste e se alimenta como mujique, com a sua autoridade, é como se legitimasse essa roupa pesada e desengonçada, as isbás horríveis, as barbas estúpidas que eles usam.... Por outro lado, suponhamos que você trabalhe longamente, muito longamente, a vida inteira e que no final das contas alcance um ou outro resultado prático, mas o que eles,  esses seus resultados, o que eles podem contra forças elementares, como a ignorância de gado, a fome, o frio a degeneração? Uma gota no mar! Aqui são necessários outros meios de luta, fortes, audaciosos, rápidos! Se quiser ser realmente útil, então saia do estreito círculo da atividade comum e procure atuar logo sobre a massa! É necessária, antes de mais nada, uma prédica barulhenta, enérgica. Por que a arte, por exemplo, a música, é tão perene, tão popular e realmente tão forte? Porque o músico ou o cantor atua logo sobre milhares”.   

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