“A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra” – Friedrich Engels
Resenha Livro 153 - “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra” – Friedrich Engels – Ed. Boitempo
Friedrich Engels conheceu Karl Marx em novembro de 1842, quando tinha apenas 22 anos de idade. Era filho de uma família de industriais de Barmen na Alemanha: ainda neste primeiro encontro cada um dedicava-se a uma linha de estudo diferente. Marx esboçava sua crítica à filosofia do direito de Hegel enquanto Engels observava e estudava a vida operária através dos trabalhos de negócio da família.
Seria neste contexto que em 1845 aos 25 anos de idade Engels publicaria sua primeira obra de fôlego – “A Situação da Classe Trabalhadora Na Inglaterra”. Esta obra foi lida por Karl Marx e daria concretude às teses do socialismo científico ao determinar as condições de vida do nascente proletariado industrial inglês: as jornadas de trabalho de 10 a 12 horas, o trabalho infantil e feminino, as doenças de trabalhos que levam à redução da expectativa de vida, o uso da violência policial e patronal contra as incipientes tentativas de resistências prenunciariam “O Manifesto do Partido Comunista” escrito em 1848.
O livro é basicamente o resultado das observações de Engels a partir de sua vivência direta como gerente da “Ermen & Engels” em Manchester. A observação direta envolve a pesquisa das condições de vida, de habitação, de higiene, as formas de contratação, a resistência e luta dos operários fabris e agrícolas, bem como as formas como estado e especificamente o direito e os juízes de paz se somam em defesa dos interesses dos capitalistas. Mesmo aos 25 anos e sendo filho de industrial, Engels, ele próprio um (pseudo)capitalista, já aqui se opõe diametralmente à sua classe: descreve a burguesia inglesa como a mais avarenta do mundo e o faz com números e documentos oficiais. Trata-se pois de uma pesquisa de fôlego que tem como ponto de partida a revolução industrial na Inglaterra, a introdução de tecnologias na produção que alteraram radicalmente os meios de produção, a organização e disposição do trabalho e foram conformando a proletarização das massas.
A máquina de fiar e novos arranjos que envolvem o uso do vapor e do ferro na produção destroem as antigas manufaturas de tipo medieval. Implicam na extinção da figura do artesão e do mestre – há a concentração do trabalho na fábrica e o trabalho dá-se de forma assalariada e contratual. Outrossim, observa-se que na Revolução Industrial, seu produto histórico mais relevante é o proletariado:
“Com essas invenções, desde então aperfeiçoadas ano a ano, decidiu-se nos principais setores da indústria inglesa a vitória do trabalho mecânico sobre o trabalho manual e toda a sua história recente nos revela como os trabalhadores manuais foram sucessivamente deslocados de suas posições pelas máquinas. As consequências disso foram, por um lado, uma rápida redução dos preços de todas as mercadorias manufaturadas, o florescimento do comércio e da indústria, a conquista de quase todos os mercados estrangeiros não protegidos, o crescimento veloz dos capitais e da riqueza nacional; por outro lado, o crescimento ainda mais rápido do proletariado, a destruição de toda a propriedade e de toda a segurança de trabalho para a classe operária, a degradação moral, as agitações políticas (...)”.
Em outra passagem Engels compara a importância da Revolução Industrial Inglesa à revolução política francesa e à revolução filosófica alemã, sendo o fruto mais importante da revolução inglesa o proletariado.
Esta pesquisa surpreende o leitor atual pelo fato de ser bastante minuciosa, tanto no que se refere à coleta de dados/fontes, quanto em sua forma, buscando abranger os diversos aspectos da situação da classe trabalhadora inglesa, irlandesa e escocesa. São cerca de 350 páginas que abrangem em particular destaque o problema da habitação (havendo uma exposição detalhada dos bairros operários de diversas cidades inglesas, podendo-se constatar um cenário de completo abandono com falta de saneamento, famílias inteiras dormindo em porões, porcos chafurdando na lama junto a crianças, desregramento social com alcoolismo e perversão sexual etc.) da concentração industrial, da imigração, das mobilizações, da resistência dos patrões, além de alguns recortes específicos acerca da situação do proletariado mineiro e do proletariado agrícola.
No que tange às formas de organização política, tem-se em mente que Engels observa uma classe ainda em formação e que luta diretamente por melhores condições (salários, menores jornadas, participação política – cartistas) formas de luta também ainda embrionárias. Tem-se em vista aqui o socialismo utópico Inglês do qual Owen é seu principal representante, já combatido por Engels:
“Os socialistas são muitos gentis e pacíficos; na medida em que só admitem como caminho para mudanças a persuasão da opinião pública, acabam por reconhecer as condições existentes, mesmo deploráveis, como justificáveis. Mas a forma atual de seus princípios é tão abstrata que jamais conseguirão convencer a opinião pública. Por outro lado, eles não se cansam de lamentar a degradação moral das classes inferiores, não consideram que a degradação moral da classe proprietária, provocada pelo interesse privado e pela hipocrisia, é bem pior e permanecem cegos a todos os elementos progressistas contidos na desagregação da ordem atual. Não compreendem o desenvolvimento histórico e, por isso, querem mergulhar imediatamente a nação nas condições do comunismo, sem o progresso da política até o ponto em que essa desapareça por si mesma. Sabem por que o operário se indigna contra o burguês, mas consideram estéril essa cólera (que, de fato, é o único meio de fazer avançar os operários) e predicam uma filantropia e uma fraternidade universal inteiramente inócuas na situação contemporânea da Inglaterra”.
O movimento operário observado por Engels não vai além dos limites do espontâneo em sua luta contra a opressão. Sua primeira e mais primitiva forma de luta é a vingança pessoal contra o burguês, o que envolve a destruição da máquina, o assassinato do patrão ou seu preposto, o incendiar galpões de trabalho, bem como, nas greves, ataques e retaliações aos fura-greves (knobsticks). O próximo momento de organização dá-se com a associação, assembleias de delegados em datas fixas:
“Em alguns casos, tentou-se unir numa só organização de toda a Inglaterra os operários de um mesmo ramo e também houve tentativas – a primeira em 1830 – de criar uma única associação geral de operários de todo o reino, com organizações específicas para cada categoria; mas esses experimentos foram raros e de curta duração, porque uma organização desse tipo só pode ter vida e eficácia à base de uma agitação geral de excepcional intensidade”.
Em outros termos, as lutas do movimento operário inglês não saíam ainda do nível econômico para um questionamento da ordem social e política. Todavia, em que pese muitas das características daquele proletariado serem datadas para o leitor atual, a leitura da “Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra” ainda é relevante.
Trata-se de um documento histórico singular e ainda hoje uma surpreendente denúncia do modo capitalista de produção – não só pelo fato da Inglaterra ser o berço de tal civilização mas muito em função de encontrarmos aqui e ali passagens extremamente atuais, como a benevolência dos tribunais junto às classes proprietárias ou à singela carta de uma “Senhora” reclamando junto às autoridades acerca do excesso de mendigos ocupando o passeio público de Londres. Não é muito diferente de respeitáveis “Senhoras” e “Senhores” daqui do Brasil.
uma resenha muito bem analisada, parabéns.
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