BREVES NOTAS SOBRE NELSON WERNECK SODRÉ
Ainda hoje, mais de 100
anos após o nascimento de Nelson Werneck Sodré, pode-se dizer que não foi feita
justiça quanto à publicação e disseminação dos trabalhos historiográficos do General
da história e da cultura brasileiras.
Para quem passou por
cursos de graduação de História nos últimos aos, é provável que as poucas
remissões sobre o autor tenham sido negativas: historiador mecanicista ou “stalinista”,
cujo método de análise se baseia num “materialismo vulgar” e defensor da tese
do “feudalismo no Brasil colonial”, dentre outros.
Mais recentemente, alguns intelectuais
marxistas como José Paulo Netto e João Quartim de Moraes vêm contribuindo para desmontar
estes estereótipos.
Em primeiro lugar, cumpre
acentuar o fato de que a obra de Sodré é bastante extensa e muito do seu trabalho
aguarda novas publicações. O historiador escreveu e publicou em vida mais de 50
livros e redigiu algo em torno de 3000 artigos. Outro ponto a ser ressaltado é a
própria evolução intelectual e o do domínio dos pressupostos teórico
metodológicos do marxismo pelo historiador carioca.
A maturidade intelectual
plena e a superação do que foi caracterizado como “materialismo vulgar” se dá
em Nelson Werneck Sodré no final dos anos 1950 e ao longo dos anos 1960.
Duas experiências específicas
de vida contribuíram para este salto de qualidade.
A primeira correspondeu à
participação do autor na chapa nacionalista para as eleições do Clube Militar, no ano de 1949, ao lado de Newton Estillac
Leal e Júlio Caetano Horta Barbosa.
A eleição se travou no
contexto da Guerra Fria, do fim do governo antipopular de Dutra e da campanha
do “Petróleo é Nosso”, e refletia divisões no interior das forças armadas entre
o campo nacionalista/democrático e o campo entreguista/golpista. Desta experiência
nestas campanhas Sodré superou algumas ilusões profissionais ou coorporativas. A
questão militar lhe pareceu indivisível dos confrontos ideológicos relacionados
à soberania nacional e ao aprofundamento da democracia.
Sua segunda experiência
pessoal, que implicou num salto qualitativo de sua produção intelectual corresponde
ao seu engajamento no ISEB, que fazia um contaponto à USP como polo de estudo
crítico e politizado da realidade nacional. Nelson Werneck Sodré, ao lado de
outros intelectuais como Hélio Jaguaribe e Guerreira Ramos, participavam deste instituto
que irradiou nos anos 1950/60 as teses do nacional desenvolvimentismo e a
defesa das reformas de base que seriam pautadas pelo governo de João Goulart.
Outro ponto a ser destacado
ao se rechaçar o estereótipo criado em torno do autor é que Sodré nunca foi
formalmente militante do PCB, tendo assimilado de forma mais consistente o
marxismo apenas no final dos anos 1950, quando já tinha quase 50 anos de idade.
Ainda que tenha tipo posições coincidentes com a do partido comunista nos meados
do século XX, não faz sentido caracterizá-lo como “stalinista”, nitidamente se
considerarmos que o eixo de toda a sua reflexão sempre foi a questão nacional.
Isto para não se mencionar
a posição extremamente crítica de Sodré em torno de sua própria obra. O seu
primeiro livro, publicado em 1938, corresponde a uma história materialista da
literatura brasileira, foi objeto de sucessivas edições até uma terceira edição,
nos anos 1960, que praticamente triplicou o número de páginas da obra, além da
inclusão de vasta bibliografia decorrente de leituras subsequentes.
As críticas que nos parecem
ser mais oportunas dizem respeito à caracterização de Nelson Werneck Sodré sobre
a burguesia nacional e a existência de um modo de produção feudal no Brasil, no
caso do nosso autor, falando sobre uma espécie de “regressão histórica” que se dá no século XVII em regiões
dos sertões e interiores da capitania de Minas Gerais.
No que se refere à burguesia,
nosso historiador inequivocamente era daqueles que depositaram confianças
indevidas numa burguesia nacional que supostamente seria parte articulada das
demais classes portadoras da estratégia da Revolução Brasileira. As ilusões em
torno desta fração supostamente progressista da burguesia nacional foram
indiscutivelmente explicitadas com o golpe militar de 1964. Neste sentido,
vejamos como o autor buscou identificar o povo como sujeito da revolução
brasileira nos anos de 1960:
“São as partes da alta e
da média burguesia que permanecem fiéis ao seu país, é a pequena burguesia que,
salvo reduzidas frações corrompidas, forma com os valores nacionais e democráticos,
é o numeroso campesinato que acorda para a defesa dos seus direitos, é o semiproletariado
e, principalmente, o proletariado, que se organiza amplamente e comanda as
ações políticas. É este o povo que vai realizar a revolução brasileira”.
Indo numa mesma linha do
PCB daqueles anos de1950/60, Sodré ao se referir à Revolução Brasileira pensava
uma revolução nacional, democrática e anti-imperialista, mas não numa revolução
socialista.
A tese do feudalismo no
Brasil foi melhor criticada por interlocutor importante de Nelson Werneck
Sodré, o marxista paulistano Caio Prado Júnior.
O fato é que o feudalismo
é uma relação social, econômica e política particular da evolução histórica
europeia. A ligação do camponês com a terra, lá, possuía caráter milenar, houve
a consolidação de uma nobreza proprietária da terra a que pouco se dedicava à
atividade empresarial. Coisa inteiramente distinta ocorreu no Brasil. Nas
nossas terras, não havia antes dos Portugueses significativas parcelas
populacionais sedentárias, que trabalhassem no campo e que tivessem de ser
desmobilizadas para a formação do empreendimento colonial. A nossa colonização
foi desde sua origem uma empresa capitalista comercial e mercantil, afirma Caio
Prado Júnior, e assim foi povoado nosso território, tendo como base o trabalho
escravo africano. Aquilo que a maior parte da esquerda via como “feudalismo”,
como os sistemas de parceria, quando muito apresentavam semelhanças com aquele
modo de produção em todo secundários, sempre predominando no país o grande
empreendimento rural agrário-exportador.
A despeito portanto de
algumas ideias de Nelson Werneck Sodré que não passaram à prova do tempo, é imprescindível
um movimento de republicação de suas obras de maturidade, especialmente no
campo da cultura e da literatura. Mesmo alguns escritos anteriores à década de
1960 ainda suscitam interesse como sua análise sobre o segundo império[1]
e o papel dos “bacharéis” no contexto da história das ideias políticas e o seu
artigo sobre o Levante Vermelho de 1935[2],
para citar dois exemplos de trabalhos que merecem urgente publicação.
Bibliografia
NETTO, José Paulo. “Nelson
Weaneck Sodré: o general da história e da cultura”. Ed. Expressão Popular.
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