domingo, 30 de maio de 2021

BREVES NOTAS SOBRE NELSON WERNECK SODRÉ

 BREVES NOTAS SOBRE NELSON WERNECK SODRÉ

 



Ainda hoje, mais de 100 anos após o nascimento de Nelson Werneck Sodré, pode-se dizer que não foi feita justiça quanto à publicação e disseminação dos trabalhos historiográficos do General da história e da cultura brasileiras.

 

Para quem passou por cursos de graduação de História nos últimos aos, é provável que as poucas remissões sobre o autor tenham sido negativas: historiador mecanicista ou “stalinista”, cujo método de análise se baseia num “materialismo vulgar” e defensor da tese do “feudalismo no Brasil colonial”, dentre outros.

 

Mais recentemente, alguns intelectuais marxistas como José Paulo Netto e João Quartim de Moraes vêm contribuindo para desmontar estes estereótipos.

 

Em primeiro lugar, cumpre acentuar o fato de que a obra de Sodré é bastante extensa e muito do seu trabalho aguarda novas publicações. O historiador escreveu e publicou em vida mais de 50 livros e redigiu algo em torno de 3000 artigos. Outro ponto a ser ressaltado é a própria evolução intelectual e o do domínio dos pressupostos teórico metodológicos do marxismo pelo historiador carioca.

 

A maturidade intelectual plena e a superação do que foi caracterizado como “materialismo vulgar” se dá em Nelson Werneck Sodré no final dos anos 1950 e ao longo dos anos 1960.

 

Duas experiências específicas de vida contribuíram para este salto de qualidade.

 

A primeira correspondeu à participação do autor na chapa nacionalista para as eleições do Clube Militar,  no ano de 1949, ao lado de Newton Estillac Leal e Júlio Caetano Horta Barbosa.

 

A eleição se travou no contexto da Guerra Fria, do fim do governo antipopular de Dutra e da campanha do “Petróleo é Nosso”, e refletia divisões no interior das forças armadas entre o campo nacionalista/democrático e o campo entreguista/golpista. Desta experiência nestas campanhas Sodré superou algumas ilusões profissionais ou coorporativas. A questão militar lhe pareceu indivisível dos confrontos ideológicos relacionados à soberania nacional e ao aprofundamento da democracia.

 

Sua segunda experiência pessoal, que implicou num salto qualitativo de sua produção intelectual corresponde ao seu engajamento no ISEB, que fazia um contaponto à USP como polo de estudo crítico e politizado da realidade nacional. Nelson Werneck Sodré, ao lado de outros intelectuais como Hélio Jaguaribe e Guerreira Ramos, participavam deste instituto que irradiou nos anos 1950/60 as teses do nacional desenvolvimentismo e a defesa das reformas de base que seriam pautadas pelo governo de João Goulart.

 

Outro ponto a ser destacado ao se rechaçar o estereótipo criado em torno do autor é que Sodré nunca foi formalmente militante do PCB, tendo assimilado de forma mais consistente o marxismo apenas no final dos anos 1950, quando já tinha quase 50 anos de idade. Ainda que tenha tipo posições coincidentes com a do partido comunista nos meados do século XX, não faz sentido caracterizá-lo como “stalinista”, nitidamente se considerarmos que o eixo de toda a sua reflexão sempre foi a questão nacional.

 

Isto para não se mencionar a posição extremamente crítica de Sodré em torno de sua própria obra. O seu primeiro livro, publicado em 1938, corresponde a uma história materialista da literatura brasileira, foi objeto de sucessivas edições até uma terceira edição, nos anos 1960, que praticamente triplicou o número de páginas da obra, além da inclusão de vasta bibliografia decorrente de leituras subsequentes.

 

As críticas que nos parecem ser mais oportunas dizem respeito à caracterização de Nelson Werneck Sodré sobre a burguesia nacional e a existência de um modo de produção feudal no Brasil, no caso do nosso autor, falando sobre uma espécie de “regressão  histórica” que se dá no século XVII em regiões dos sertões e interiores da capitania de Minas Gerais.

 

No que se refere à burguesia, nosso historiador inequivocamente era daqueles que depositaram confianças indevidas numa burguesia nacional que supostamente seria parte articulada das demais classes portadoras da estratégia da Revolução Brasileira. As ilusões em torno desta fração supostamente progressista da burguesia nacional foram indiscutivelmente explicitadas com o golpe militar de 1964. Neste sentido, vejamos como o autor buscou identificar o povo como sujeito da revolução brasileira nos anos de 1960:

 

“São as partes da alta e da média burguesia que permanecem fiéis ao seu país, é a pequena burguesia que, salvo reduzidas frações corrompidas, forma com os valores nacionais e democráticos, é o numeroso campesinato que acorda para a defesa dos seus direitos, é o semiproletariado e, principalmente, o proletariado, que se organiza amplamente e comanda as ações políticas. É este o povo que vai realizar a revolução brasileira”.

 

Indo numa mesma linha do PCB daqueles anos de1950/60, Sodré ao se referir à Revolução Brasileira pensava uma revolução nacional, democrática e anti-imperialista, mas não numa revolução socialista.

 

A tese do feudalismo no Brasil foi melhor criticada por interlocutor importante de Nelson Werneck Sodré, o marxista paulistano Caio Prado Júnior.

 

O fato é que o feudalismo é uma relação social, econômica e política particular da evolução histórica europeia. A ligação do camponês com a terra, lá, possuía caráter milenar, houve a consolidação de uma nobreza proprietária da terra a que pouco se dedicava à atividade empresarial. Coisa inteiramente distinta ocorreu no Brasil. Nas nossas terras, não havia antes dos Portugueses significativas parcelas populacionais sedentárias, que trabalhassem no campo e que tivessem de ser desmobilizadas para a formação do empreendimento colonial. A nossa colonização foi desde sua origem uma empresa capitalista comercial e mercantil, afirma Caio Prado Júnior, e assim foi povoado nosso território, tendo como base o trabalho escravo africano. Aquilo que a maior parte da esquerda via como “feudalismo”, como os sistemas de parceria, quando muito apresentavam semelhanças com aquele modo de produção em todo secundários, sempre predominando no país o grande empreendimento rural agrário-exportador. 

 

A despeito portanto de algumas ideias de Nelson Werneck Sodré que não passaram à prova do tempo, é imprescindível um movimento de republicação de suas obras de maturidade, especialmente no campo da cultura e da literatura. Mesmo alguns escritos anteriores à década de 1960 ainda suscitam interesse como sua análise sobre o segundo império[1] e o papel dos “bacharéis” no contexto da história das ideias políticas e o seu artigo sobre o Levante Vermelho de 1935[2], para citar dois exemplos de trabalhos que merecem urgente publicação.

 

Bibliografia

 

NETTO, José Paulo. “Nelson Weaneck Sodré: o general da história e da cultura”. Ed. Expressão Popular.        



[1] “Panorama do Segundo Império” – Nelson Werneck Sodré  - Graphia Editorial

[2] SODRÉ, Nelson Werneck. “A Intentona Comunista de 1935”. Ed. Mercado Aberto.

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