“O Presidente Negro” – Monteiro Lobato
Resenha Livro - “O Presidente Negro” – Monteiro Lobato – Ed. Principis –
1ª Edição
“Quem olhasse de um ponto elevado o panorama histórico dos povos veria,
na França, uma flâmula com três palavras; na Inglaterra, um princípio diretor,
Tradição; na Alemanha, uma fórmula, Organização; na Ásia, um sentimento,
Fatalismo. Mas ao voltar os olhos para a América perceberia fluidificado no
ambiente um princípio novo – Eficiência”. ( “O Presidente Negro” – Capítulo XIV
– “Eficiência e Eugenia”).
José Bento Renato Monteiro Lobato desde criança desenvolveu a atividade
literária. Nascido na cidade de Taubaté/SP em 18 de abril de 1882, ainda na
escola se dedicava a escrever histórias e criar jornais. É provável que seu
trabalho mais conhecido do público tenha sido o da literatura infantil, a
criação da Turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, da boneca Emília, dos primos Narizinho
e Pedrinho, do Visconde de Sabugosa, da Dona Benta e da Tia Nastácia. Além da
literatura infantil, Monteiro Lobato produziu artigos, críticas literárias,
crônicas e um único romance, justamente este “Presidente Negro”, publicado em 1926.
É certo que a leitura de parte de suas obras pode surpreender um leitor
desatento, que não relacione algumas ideias inequivocamente racistas com as
teses sociológicas então em voga no país entre os fins do século XIX e o início
do século XX.
Mais recentemente, houve mesmo quem propusesse “cancelar” Monteiro Lobato
por conta de suas teses raciais. O anacronismo presente neste tipo de análise é
inequívoco e dispensa maiores comentários. Deixar de ler Monteiro Lobato significa
renunciar ao contato com a história das ideias do Brasil num contexto em que as
teses de eugenia, as críticas da miscigenação e as propostas do embranquecimento
da população eram parte do vocabulário do pensamento social, de Nina Rodrigues
à Sílvio Romero, de Euclides da Cunha à Joaquim Nabuco. Sim, o mesmo líder
abolicionista que refutava a vinda da imigração chinesa (“amarelos”) por
considerações puramente raciais.
No começo do século XX as campanhas sanitaristas ajudam as elites
intelectuais a abandonarem, de forma palatina, os critérios de análise social
baseadas exclusivamente na raça. O atraso do país paulatinamente deixa de ser
relacionado ao problema da raça e passa a ser explicado pela (falta de) saúde e
da salubridade. Importante papel foi cumprido por Gilberto Freire no seu Casa
Grande e Senzala (1933), dizendo que os problemas do brasileiro não diziam
respeito à raça mas à salubridade, à saúde e à higiene. Esta mudança de
posicionamento se expressou também no escritor paulista Monteiro Lobato: quando
criou o seu personagem Jeca Tatu, atribuía o atraso do caipira à degeneração
racial. Já em 1918, Monteiro Lobato em prefácio da obra faz a sua autocrítica,
já reconhecendo a predominância das doenças e da insalubridade no temperamento
de Jeca Tatu.
Feitas estas considerações, a leitura do “Presidente Negro” revela a
percepção que o escritor e as pessoas da sua geração tinham do futuro racial da
humanidade.
A história é narrada por Ayrton Lobo e se passa no ano de 1924. O
narrador é um humilde empregado de rua de uma casa comercial e alcança, com
muita economia, o sonho de possuir um veículo
próprio Ford. Ayrton sofre um acidente com o veículo e é salvo pelo professor Benson
que o acolhe em seu castelo e faz do hóspede seu confidente particular. O
professor fez uma descoberta até então desconhecida por todo o mundo: o “porviroscópio”
uma máquina que possibilita visualizar o futuro. Por esta máquina fantástica, o
narrador é levado a conhecer a “guerra de raças” ocorrida nos EUA dos anos de
2228, quando as eleições presidenciais pela primeira vez na história dão à
vitória a um candidato negro, o presidente Jim Roy.
As projeções sobre o futuro revelam ao leitor de hoje as perspectivas que
se colocavam ao pensamento social dos primeiros anos do século XX e da chamada
Belle Epoque. É por exemplo mencionado que no futuro se resolverá por completo
o problema dos transportes. Todo o tempo gasto com deslocamentos de pessoas e
mercadorias seria substituído pelo radiotransporte. Tudo seria feito à distância,
de certa forma antecipando Monteiro Lobato a realidade digital e a internet que
temos hoje.
Era parte das cogitações daquele período o problema do eugenismo e uma
análise do problema racial ainda dentro das premissas do determinismo e do
darwinismo social. No futuro projetado, pela eugenia, os degenerados e os
tarados não teriam a permissão de reproduzir-se, implicando numa evolução da
sociedade: diríamos hoje uma evolução genética. Aqui mais uma vez vale a consideração
feita na introdução desta resenha: Lobato apenas reproduzia as ideias da sua época,
não tendo ainda conhecido a experiência do nazismo alemão para daí extrair as
suas conclusões.
Sabemos que o pensamento social identitário, importado das ciências
sociais norte americanas, ainda encontra grande apelo dentro do público
brasileiro. Existem por outro lado movimentos negros que não se limitam a
reduzir a complexidade da questão racial a alguns enunciados de tipo moral, suscitando
proibições de palavras ou de autores. Daí a importância de se reivindicar a
leitura e o estudo das obras de Monteiro Lobato que, com as suas contradições,
ainda são parte indissociável da cultura do povo brasileiro, além, é claro, de
colaborar o estudo para explicar a questão racial no país.
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