sexta-feira, 3 de abril de 2020

“O Menino no Espelho” – Fernando Sabino

“O Menino no Espelho” – Fernando Sabino 




Resenha Livro – “O Menino no Espelho” – Fernando Sabino – Ed. Record – 4ª Edição 

“- Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto da sua vida ?
- Quero – respondi
O segredo se resumia em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos: 
- Pense nos outros.”

Já foi dito que a criança é o pai do homem. As experiências e cicatrizes da infância condicionam, de fato, o temperamento do adulto. 

Gilberto Freyre no seu clássico “Casa Grande e Senzala” (1933), ao analisar a vida doméstica dos meninos, filhos do senhor de engenho, teve uma percepção interessante sobre a máxima supracitada. O sadismo com que o branco esfolava o negro no pelourinho já advinha das experiências da meninice. Quando criança, o nhonhô tinha o seu pequeno escravo de estimação, a quem já abusava nas brincadeiras em que o chicote era substituído por um pedaço de pau ou galho de uma árvore. Deste passado remoto, incluindo a violência sexual sempre em face do escravo, engendraria-se dois aspectos do temperamento brasileiro – o sadismo, a satisfação ante a humilhação do outro e o masoquismo, no caso, de conotação marcantemente sexual. Mas aqui estamos nos distanciando muito do tema desta resenha. 

Fernando Sabino foi escritor minero, cujas obras mais conhecidas foram “O Grande Mentecapto” e a crônica “O Homem Nú”. 

“O Menino no Espelho” foi escrito entre 16.12.1981 e 20.8.1982, já depois do escritor ser amplamente reconhecido, tendo ganhado àquela época, o prêmio Jabuti de literatura. 

Este “O Menino no Espelho” é um livro que retrata a infância do escritor na cidade de Belo Horizonte, quando tinha entre 7 e 9 anos de idade. Não se trata, por suposto, de uma autobiografia. É um romance, como se narrado pela criança Fernando, e, por isso, recheado de lances de um realismo mágico, desde que, na imaginação da criança, realidade e fantasia se misturam. 

Como bem dito na introdução do livro, a história é do gênero infantil, mas deverá ser lido com o mesmo encanto pelo menino de 9 e de 90 anos. O final comovente – que não relataremos para não frustrar a surpresa – causou a este redator de resenhas uma reação inusitada. Foi um dos poucos livros lidos que, após terminá-lo, não contive algumas lágrimas numa profusão de sentimentos: ternura, nostalgia e esperança. 

Cada capítulo é dedicado a contar algumas das aventuras de Fernando: o dia em que salvou uma galinha no quintal que seria degolada para um jantar importante; a formação da sociedade secreta Olho de Gato e suas aventuras na casa assombrada; a primeira paixão de menino; o acampamento dos escoteiros. 

Quando se fala em literatura infanto juvenil, 9 em cada 10 leitores irão provavelmente suscitar o “Pequeno Príncipe” de  Antoine de Saint-Exupéry. De fato, é uma bela história, que conta com interessantes sacadas filosóficas em linguagem de criança. Mas o livro é francês, não fala da nossa realidade e da nossa cultura. Aliás, seria mesmo interessante imaginar como o pequeno príncipe francês, com o seu tipo meio afetado, reagiria passando um dia que fosse na convivência escolar do menino Fernando. Vejamos como eram as brincadeiras do tempo num tempo não tão remoto, quando não se cogitava da palavra bullying. 

“Para quem não sabe: sardinha é uma chicotada de raspão, com o dedo indicador, em quem quer que ouse arrebitar o traseiro. Costuma doer de verdade, quando pega de jeito. Tostão é uma joelhada de lado na coxa da vítima, também dói muito. Cacholeta é uma pancada na cabeça de um infeliz, com as mãos presas umas nas outras, depois de soprar entre elas como a enche-las de vento. Costuma até tontear. O coque, ou cascudo, é a mesma coisa, só que com uma mão”. 

Mas as brincadeiras mais divertidas eram realizadas em face dos professores e adultos: soltar baratas de caixinhas de fósforo na sala de aula, espetar o traseiro da professora com alfinete e até soltar uma perereca dentro da bolsa de outra educadora, Dona Risoleta, o que culminou no seu pedido de demissão do estabelecimento de ensino. 

Se a criança é o pai do homem importa dizer que vale a pena conservar dentro de si um pouco daquele(a) menino(a) que ficou para trás: o amor e o encanto pelos animais; a solidariedade com o mais fraco; a rebeldia e indignação em face da injustiça, diferente de uma aceitação resignada; o aprendizado com o erro. A alegria e a tristeza conservando aqui uma emotividade que em muitos adultos, calejados pela vida, transforma-se em indiferença. É desta compaixão que o adulto Fernando Sabino ensino o menino Fernando como o segredo da vida: “pense nos outros”.  

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