“História das Ideias Políticas no Brasil” – Nelson Nogueira
Saldanha
Resenha - “História das Ideias Políticas no Brasil” – Nelson
Nogueira Saldanha – Ed. Senado Federal
Nelson Nogueira Saldanha foi jurista, filósofo e professor
de Direito da antiga Escola de Recife, primeiras faculdade de leis fundada no
país, junto com a Academia de São Paulo, ainda no tempo do Império (11 de
Agosto de 1827).
Este livro foi escrito em 1966 e publicado em 1968, durante
o período mais duro do regime militar. Abrange a história das ideias políticas
desde o Brasil Colônia até a etapa ligada ao pensamento desenvolvimentista,
durante o governo JK (1956-1961). Em posfácio redigido em 1999 o autor informa
que teve de retirar o último capítulo da obra, em que caracterizava a chamada
Revolução de 1964 como a restauração do Antigo Regime.
Ao se falar de ideias políticas, deve-se levar em conta que as mesmas são condicionadas por instituições e determinadas em última análise pelas realidades sócio-econômicas.
Assim, chega a ser mesmo difícil de se cogitar das ideias
políticas brasileiras nos 300 primeiros anos de colônia. A imprensa, por
exemplo, só surgiria em 1808 com a vinda da família real ao Brasil. Não havia
escolas e o ensino era de tipo doutrinário e religioso, levado a cabo pelos
jesuítas. O analfabetismo não era só a realidade de índios e negros, mas mesmo
dos senhores de engenho, ainda que o poder destes últimos certamente se
sobrepunha, via de regra, às determinações do reino.
Neste passado remoto, o que havia de ideias políticas não
podia deixar de estar dissociadas das instituições – o Estado Português, as
Ordenações do Reino, as Câmaras Municipais.
No pensamento ibérico havia por um lado a permanência
medieval da escolástica, mantida pela Igreja e de outro a constituição de
Portugal como potência marítima, com regime absolutista.
Aliás, uma tendência mais ou menos constante na trajetória
das ideias políticas brasileiras é a forte vinculação das mentalidades a
doutrinas estrangeiras. No Brasil Colônia, o absolutismo português. Já a partir
de alguns mobilizações de tipo nativistas como a Inconfidência Mineira,
passando pela ideia do liberalismo político ao longo do século XIX, as ideias
de França. Ainda no transcurso do século XIX também se verifica a influência
das ideias políticas inglesas, com o seu parlamentarismo e sua monarquia
constitucional. Aos fins do séc. XIX ganha espaço a experiência norte
americana, não só sinônimo de uma vivência republicana nas américas, mas
suscitando um tema já bastante reivindicado pelas elites provinciais: o
federalismo. Entre os anos de 1930-1937 com o enfraquecimento dos modelos de
democracia liberal, há maiores interesses pelas ideias políticas, jurídicas e
filosóficas de Alemanha e Itália. Correndo em paralelo, as referências oriundas
da Revolução Russa em 1917, culminando na criação do PCB em 1922.
Além de uma
fracassada tentativa de insurreição comunista no Brasil em 1935.
Falávamos que as ideias políticas no passado remoto eram
mais bem identificadas com as instituições políticas. Contudo, foram em
movimentos insurrecionais, ainda no Brasil Colônia, passando pela Regência e
Império, em que podemos situar as inquietações do presente e as projeções do
futuro. É o caso da Inconfidência Mineira de 1789, da Guerra dos Emboabas
relacionada ao advento da mineração, bem como da Guerra dos Mascates opondo
Olinda e Recife. Todas elas de cunho nitidamente nativista e já sugerindo de
forma bastante pioneira a República, que só foi concretizada em 1889.
A Guerra dos Alfaiates também no séc. XVIII possuía algo a
mais: bandeiras de reformas sociais e alguma participação popular, sendo para
alguns historiadores nossa primeira revolta social. Posteriormente viria a
Revolução Pernambucana de 1817, a Confederação do Equador, a Cabanagem e a
Guerra dos Farrapos, com as suas proclamações e manifestos impressos que dão
preciosas pistas do desenvolvimento das ideais políticas do Brasil.
Em sendo um livro que busca uma síntese das ideias políticas
no Brasil, da Colônia até os anos 1960 é claro que algumas omissões são
verificadas. Se o autor chama constantemente a atenção para o fato de que as
ideias políticas são suscitadas, discutidas e disseminadas por uma pequena
elite dominante, pensante, parece ter passado batido algumas exceções
fundamentais. Ao falar do abolicionismo, nenhuma menção a Luiz Gama, ele
próprio advindo da escravidão. Não se cita sequer numa nota de rodapé o
anarco-sindicalismo oriundo dos imigrantes italianos em São Paulo – trata-se de
ideias políticas de trabalhadores livres e pobres.
Omissões justificáveis, não só ante a vastidão do tema, mas
às escolhas subjetivas do historiador, inclusive as opões políticas.
Saldanha vê com uma certa má vontade os marxistas brasileiros.
Eles tratariam sempre as coisas sob um determinismo econômico de acordo com o nosso autor. Saldanha não
suscita Caio Prado Jr. Como um dos expoentes do pensamento social modernista
dos anos 1930. Elogia discretamente o Integralismo numa nota de rodapé –
movimento “patriótico”. Saldanha é, como ele mesmo se descreve, um “relativista”,
o que não se equivale a imparcial. Dá exagerada ênfase à exegese das
constituições de 1824, 1891, 1934, 1937 e 1946. Não fala de Canudos, do
Contestado ou mesmo mais remotamente dos movimentos de resistência dos negros e
índios. Fala muito pouco das greves, desde a geral de 1917, dos sindicatos, dos
movimentos campesinos e das formas, ainda que embrionárias, de consciência política
do povo brasileiro.
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