sábado, 4 de abril de 2020

“História das Ideias Políticas no Brasil” – Nelson Nogueira Saldanha


“História das Ideias Políticas no Brasil” – Nelson Nogueira Saldanha



Resenha - “História das Ideias Políticas no Brasil” – Nelson Nogueira Saldanha – Ed. Senado Federal

Nelson Nogueira Saldanha foi jurista, filósofo e professor de Direito da antiga Escola de Recife, primeiras faculdade de leis fundada no país, junto com a Academia de São Paulo, ainda no tempo do Império (11 de Agosto de 1827).

Este livro foi escrito em 1966 e publicado em 1968, durante o período mais duro do regime militar. Abrange a história das ideias políticas desde o Brasil Colônia até a etapa ligada ao pensamento desenvolvimentista, durante o governo JK (1956-1961). Em posfácio redigido em 1999 o autor informa que teve de retirar o último capítulo da obra, em que caracterizava a chamada Revolução de 1964 como a restauração do Antigo Regime.

Ao se falar de ideias políticas, deve-se levar em conta que as mesmas são condicionadas por instituições e determinadas em última análise pelas realidades sócio-econômicas.
Assim, chega a ser mesmo difícil de se cogitar das ideias políticas brasileiras nos 300 primeiros anos de colônia. A imprensa, por exemplo, só surgiria em 1808 com a vinda da família real ao Brasil. Não havia escolas e o ensino era de tipo doutrinário e religioso, levado a cabo pelos jesuítas. O analfabetismo não era só a realidade de índios e negros, mas mesmo dos senhores de engenho, ainda que o poder destes últimos certamente se sobrepunha, via de regra, às determinações do reino.

Neste passado remoto, o que havia de ideias políticas não podia deixar de estar dissociadas das instituições – o Estado Português, as Ordenações do Reino, as Câmaras Municipais.

No pensamento ibérico havia por um lado a permanência medieval da escolástica, mantida pela Igreja e de outro a constituição de Portugal como potência marítima, com regime absolutista.

Aliás, uma tendência mais ou menos constante na trajetória das ideias políticas brasileiras é a forte vinculação das mentalidades a doutrinas estrangeiras. No Brasil Colônia, o absolutismo português. Já a partir de alguns mobilizações de tipo nativistas como a Inconfidência Mineira, passando pela ideia do liberalismo político ao longo do século XIX, as ideias de França. Ainda no transcurso do século XIX também se verifica a influência das ideias políticas inglesas, com o seu parlamentarismo e sua monarquia constitucional. Aos fins do séc. XIX ganha espaço a experiência norte americana, não só sinônimo de uma vivência republicana nas américas, mas suscitando um tema já bastante reivindicado pelas elites provinciais: o federalismo. Entre os anos de 1930-1937 com o enfraquecimento dos modelos de democracia liberal, há maiores interesses pelas ideias políticas, jurídicas e filosóficas de Alemanha e Itália. Correndo em paralelo, as referências oriundas da Revolução Russa em 1917, culminando na criação do PCB em 1922. 

Além de uma fracassada tentativa de insurreição comunista no Brasil em 1935.

Falávamos que as ideias políticas no passado remoto eram mais bem identificadas com as instituições políticas. Contudo, foram em movimentos insurrecionais, ainda no Brasil Colônia, passando pela Regência e Império, em que podemos situar as inquietações do presente e as projeções do futuro. É o caso da Inconfidência Mineira de 1789, da Guerra dos Emboabas relacionada ao advento da mineração, bem como da Guerra dos Mascates opondo Olinda e Recife. Todas elas de cunho nitidamente nativista e já sugerindo de forma bastante pioneira a República, que só foi concretizada em 1889.

A Guerra dos Alfaiates também no séc. XVIII possuía algo a mais: bandeiras de reformas sociais e alguma participação popular, sendo para alguns historiadores nossa primeira revolta social. Posteriormente viria a Revolução Pernambucana de 1817, a Confederação do Equador, a Cabanagem e a Guerra dos Farrapos, com as suas proclamações e manifestos impressos que dão preciosas pistas do desenvolvimento das ideais políticas do Brasil.

Em sendo um livro que busca uma síntese das ideias políticas no Brasil, da Colônia até os anos 1960 é claro que algumas omissões são verificadas. Se o autor chama constantemente a atenção para o fato de que as ideias políticas são suscitadas, discutidas e disseminadas por uma pequena elite dominante, pensante, parece ter passado batido algumas exceções fundamentais. Ao falar do abolicionismo, nenhuma menção a Luiz Gama, ele próprio advindo da escravidão. Não se cita sequer numa nota de rodapé o anarco-sindicalismo oriundo dos imigrantes italianos em São Paulo – trata-se de ideias políticas de trabalhadores livres e pobres.

Omissões justificáveis, não só ante a vastidão do tema, mas às escolhas subjetivas do historiador, inclusive as opões políticas.

Saldanha vê com uma certa má vontade os marxistas brasileiros. Eles tratariam sempre as coisas sob um determinismo econômico de acordo com o nosso autor. Saldanha não suscita Caio Prado Jr. Como um dos expoentes do pensamento social modernista dos anos 1930. Elogia discretamente o Integralismo numa nota de rodapé – movimento “patriótico”. Saldanha é, como ele mesmo se descreve, um “relativista”, o que não se equivale a imparcial. Dá exagerada ênfase à exegese das constituições de 1824, 1891, 1934, 1937 e 1946. Não fala de Canudos, do Contestado ou mesmo mais remotamente dos movimentos de resistência dos negros e índios. Fala muito pouco das greves, desde a geral de 1917, dos sindicatos, dos movimentos campesinos e das formas, ainda que embrionárias, de consciência política do povo brasileiro.      


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