“O Grande Mentecapto” – Fernando Sabino
Resenha Livro – “O Grande Mentecapto” – Fernando Sabino –
Ed. Record
Na história da literatura mundial extraem-se exemplos de
personagens e autores tão marcantes e significativos que acabaram por engendrar
adjetivos com o condão de descrever sentidos de alcance universal.
Quando se diz que determinada pessoa age de forma
panglossiana, remete-se ao romance “Cândido” do filósofo e escritor satírico
Voltaire, significando portador de um otimismo desmedido e desproporcional.
Quando se diz que alguém enfrenta uma situação kafkaniana, a remissão, aqui, é
dos romances do escritor Franz Kafka, em particular o seu “O Processo”, no qual
o protagonista se vê envolvido numa conspiração judicial inexplicável à luz da
razão, com trâmites e procedimentos burocráticos que aniquilam as liberdades
individuais.
Neste “O Grande Mentecapto” do escritor mineiro Fernando
Sabino o adjetivo mais adequado para caracterizar o protagonista Geraldo
Viramundo é Quixotesco. São muitos os paralelos entre a história do cavaleiro
andante do escritor M. Cervantes e o Mentecapto mineiro, a começar pelo nome. “Viramundo”
significa justamente virar o mundo, a retirada constante do protagonista. O
destino errante de percorrer estradas sem fim. Da cidade natal no Rio Acima,
para Mariana, onde Viramundo ingressa no seminário; para Ouro Preto onde
confraterniza com os estudantes; para Barbacena onde foi candidato (quase)
vitorioso à prefeitura; pra Juiz de Fora, onde ingressou no exército; para São
João Del Rei; para Tiradentes; para Belo Horizonte, etc. etc.
Como Quixote que combatia moinhos de vento, o Mentecapto
mobiliza em Belo Horizonte multidão de loucos, mendigos e prostitutas contra os
poderes constituídos. Nota-se a mesma coragem e excentricidade de D. Quixote
nas estripulias de Viramundo. Frequentemente, o protagonista traça para si
utópicos e inatingíveis planos, como casar-se com a desejada filha do governado
da província de Minas Gerais, Governador Ladislão. Geraldo é patético na medida
em que é ao mesmo tempo engraçado e triste, um pouco, neste sentido específico,
como o nosso povo. Talvez, Viramundo seja mesmo um parente distante do
Policarpo Quaresmo, do escritor carioca Lima Barreto.
Regional e Nacional
Em que pese a trajetória de Geraldo Viramundo estar circunscrita
a municípios do Estado de Minas Gerais, seria equivocado pensar este romance
como uma obra estritamente regional. Em certa passagem, Geraldo Viramundo
refere-se a suas múltiplas andanças “pelo Brasil”, ainda que este Brasil
estivesse geograficamente circunscrito ao Estado de Minas Gerais. A
hospitalidade com que é recebido por desconhecidos do povo, a cordialidade da
personagem, a ausência de qualquer tipo de polidez ritualística como a do povo japonês
com sua falta de espontaneidade, a fé ritualística e festiva expressa nas romarias e
nas crenças de milagres operados pelos santos, a festividade e jovialidade do
povo, a política patrimonialista controlada por pequenos núcleos familiares de poder; tudo
isso não são traços específicos de Minas Gerais, mas do Brasil.
Encerrando
Fernando Sabino nasceu em 1923 na cidade de Belo Horizonte.
Cursou Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, concluindo o curso em
1946. Iniciou em Nova Iorque o romance “O Grande Mentecapto”, que só viria a
retomar 33 anos depois, para termina-lo em 18 dias e lança-lo em 1976. O
romance ganhou o prêmio Jabuti no ano de 1980, tendo sido apreciado
positivamente por Tristão de Athayde, Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade. Ao lado de Macunaíma, Geraldo Viramundo é outro legítimo
herói brasileiro.
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