“Contos
Essenciais” – Machado de Assis
Resenha
Livro – Parte II - “Contos Essenciais” – Machado de Assis – Ed. Martin Claret –
Seleção e Apresentação: Jean Pierre Chauvin
Machado
de Assis transitou por todos os gêneros literários ainda que os seus romances e
contos tenham ficado como os mais representativos de sua obra. Advindo de
origem social humilde, mulato, gago e inserido no Brasil escravocrata do II
Império (1840-1891), o Bruxo do Cosme Velho foi um caso raro de rompimento da
rígida pirâmide social brasileira, granjeando reconhecimento ainda em vida.
Foi, entre outros, patrono da Academia Brasileira de Letras.
Antes
mesmo de se iniciar na vida de jornalista político da corte, Machado de Assis
fora tipógrafo, uma espécie de profissão artesanal que congrega o trabalho
físico e a proximidade com o trabalho intelectual. Consta que no Brasil uma das
primeiras categorias a sindicalizar-se e exercer manifestações políticas foi
justamente a dos tipógrafos, dadas aquelas peculiaridades da profissão.
O
fato é que mesmo a genialidade do escritor esteve condicionada quanto ao seu
reconhecimento ao compadrio e às proteções de editores e homens de letras.
Cumpre
assinalar que o compadrio e o favorecimento pessoal foram uma temática constante
de alguns contos desta coletânea. É o caso especialmente do conto “O Programa”
que nada a patética[1]
trajetória de Romualdo, um bacharel de Direito que traça para si metas e
objetivos de grandeza material e amorosa, mas cujo “programa” vê gorado pelas
vicissitudes do destino. O acaso sempre triunfando sobre o que é minuciosamente
planejado.
Se
há aqui um denominador comum na narrativa machadiana, é justamente as forças
incontornáveis do acaso, da sorte ou do azar. O destino selado pelas
contingências da vida.
O
desenlace das personagens, por exemplo, sua riqueza, irá depender não do
esforço ou do trabalho, mas do acaso: como um testamento e herança oriunda de
uma morte inesperada que engendrará a fortuna. Ou o sentido inverso do azar: um
casamento movido por interesses pecuniários e o desfazimento do enlace por
situações acidentais engendrando o triste fim da pobreza. É o caso, entre
outros, de contos como “Luís Soares” e “Rei dos Caiporas[2]”.
Neste
contexto onde não há muito espaço para o reconhecimento do mérito e do esforço,
predomina a filosofia do conto “Teoria do Medalhão”. “Condeno a aplicação,
louvo a denominação”. Este é apenas um dos momentos em que se percebe como a narrativa
machadiana dialoga com o patrimonialismo brasileiro, a confusão entre o público
e o privado na condução dos negócios do governo e nas empresas particulares.
Raros
foram os escritores tão versáteis e imaginativos como Machado de Assis. Além
dos já citados romances e contos, o escritor fluminense produziu crônicas,
poemas, peças de teatro, crítica literária, além de traduções do francês e do
inglês, tudo de forma ininterrupta entre os anos 1850-1900.
O
seu “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de 1881 deu início ao realismo literário
brasileiro, escola artística baseada na objetividade da descrição das
personagens e cenas. Relatos em sua maioria dos extratos emergentes da
burguesia citadina do RJ, no transcurso de um período histórico contraditório,
quando coexiste no Brasil o atraso dos Sertões e a permanência do regime
escravocrata com o advento das cidades, de bulevares e grandes avenidas que
expulsam as populações pobres para as periferias, da arquitetura moderna
copiada de França, dos jornais, dos bancos, das casas comerciais, dos
capitalistas e seus bacharéis, além de escolas filosóficas voltadas ao
progresso material e espiritual: o positivismo, o evolucionismo, o liberalismo
político e econômico, o republicanismo e até os primeiros ensaios de
socialismo.
Foram
muitos os observadores do período que viram de forma perspicaz a existência de
dois Brasis no fim do séc. XIX. O sertão e a cidade. Os resquícios da economia
colonial e o advento de indústria e cidades. O analfabetismo e atraso cultural
do povo e uma emergente elite de letrados bacharéis oriundos das escolas de
Direito e Medicina.
É
indiscutível que Machado de Assis foi, nesse sentido, um escritor que retratou
o Brasil das elites. Será apenas com o Modernismo de Mário de Andrade, Jorge
Amado, Graciliano Ramos, entre tantos outros, que os sertões e subúrbios
merecerão seu devido protagonismo.
(*)
Quadro de Belmiro de Almeida – Arrufos - 1887
[1]
Patético no sentido empregado pela língua francesa: engraçado e triste ao mesmo
tempo.
[2]
Caiporas é uma palavra em desuso e significa azar ou azarado.
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