quarta-feira, 30 de novembro de 2016

“Como Iludir o Povo” – V.I. Lênin

“Como Iludir o Povo” – V.I. Lênin



Resenha Livro – “Como Iludir O Povo Com Os Slogans de Liberdade e Igualdade” – V.I. Lênin – Global Editora

“Os trabalhadores organizam-se e declaram: ‘A nossa organização é a mais elevada de todas; não tem o direito de participar nesta organização nenhum explorador, nem nenhuma pessoa que não trabalhe. Esta organização tem um único objetivo – a destruição do Capitalismo. Não nos enganaram com falsos slogans como ‘fetiches’, tais como ‘liberdade’, ‘igualdade’. Nós não reconhecemos nem a liberdade nem a igualdade, ou mesmo a democracia do trabalho se se opuserem aos interesses da emancipação do Trabalho da opressão do Capital”. Introduzimos isto na Constituição Soviética e já ganhamos a simpatia dos trabalhadores de todo o mundo. Eles sabem que por mais difícil que seja implantar a nova ordem, por mais difíceis provas e mesmo derrotas que caiam sobre as várias Repúblicas Soviéticas, nenhuma força no mundo fará recuar a humanidade”. (Lênin).
                
Este manuscrito corresponde a um discurso de V. I. Lênin proferido em 19 de maio de 1919 no Congresso sobre Educação Extra Tutorial. É preciso começar situando o contexto, dramático, de quando foi feito o pronunciamento. Estamos há cerca de um ano e meio do triunfo da Revolução de Outubro de 1917 com a tomada do poder pelos bolcheviques e a derrota dos capitalistas – e como o próprio discurso enuncia, a ditadura do proletariado é uma etapa da luta política em que a burguesia e os capitalistas, muito longe de sofrer uma morte fulminante, apenas se vêm apeados do poder, conduzindo uma guerra civil dramática pela restauração da antiga ordem. Nas palavras de Lênin, a Revolução é uma luta de classes desesperada que atingiu o seu ponto fulminante: em 1919 o país vivia sob uma luta política, ideológica e militar em face da contrarrevolução.
                
França, Inglaterra e EUA intervêm abertamente para deter os bolcheviques, com importante presença militar na região de Odessa, Sebastapol e Criméia, justificando a necessidade de domínio do Mar de Azov, localizado nas proximidades da Ucrânia; estes mesmos imperialistas operavam prestando apoio ao grupo de rebeldes liderados por Denikin; . Kolchak, talvez o mais famoso elemento contra revolucionário, seria abandonado por suas tropas e derrotado em dezembro de 1919. A Rússia estava arruinada economicamente em primeiro lugar em função da catástrofe da guerra: há falta de abastecimento de carvão e combustíveis, fazendo com que a indústria fique parada:

“A matéria prima tem que ser transportada para a fábrica de algodão russo do Egito, da América, ou mais próximo, do Turguestão, e tentar transportá-la quando aí existem grupos contrarrevolucionários, quando as tropas inglesas tomaram Askhab e Krasonvodsk; transportá-la do Egito, da América, quando as estradas de ferro não transportam alimentos, quando se encontram arruinados, quando se encontram parados e não há carvão (...)”.

Lênin adverte que aquela difícil etapa de escaramuça era momento em que o mais essencial era fazer sobreviver a classe trabalhadora. Sabe-se que àquela altura a expectativa do dirigente russo era a de que a vitória da revolução na Rússia dependeria do desdobramento do movimento revolucionário operário, em especial nos países mais avançados: tratava-se naquele período portanto de uma luta de vida ou morte pela sobrevivência de uma experiência que já perdurara mais tempo que a Comuna de Paris e a própria etapa especificamente revolucionária/progressista da Revolução Francesa:

“O Trabalhador tem que ser salvo mesmo que não possa trabalhar. Se o salvarmos nestes anos próximos, salvamos o país, a sociedade e o Socialismo. Se não o Salvarmos, regressaremos à escravatura salarial”.

O tema da palestra como o nome sugere remete à polêmica junto a setores ligados aos grupos Mencheviques e Socialistas Revolucionários que utilizam palavras de ordem como “democracia”, “liberdade” e “igualdade” numa conjuntura difícil como a supracitada e de forma oportunista, para atacar a revolução e seus dirigentes bolcheviques. Como é comum, Lênin é didático, objetivo e preza pela clareza na argumentação política: passa em revista os principais slogans utilizados para “iludir o povo” e em poucos parágrafos tece a crítica que revela como os “filisteus” que reivindicam estas palavras de ordem, o fazem a serviço da contra revolução.

Uma primeira crítica que surge é a de que tanto os oportunistas mencheviques quanto os bolcheviques igualmente não deveriam ser julgados por terem feito acordos com o imperialismo. Há aqui o desvirtuamento de um problema decisivo: o colaboracionismo de setores que passaram do lado da contra-revolução para o lado da revolução e se omitem de fazer auto crítica – partidários de um acordo com os imperialistas franceses contra a revolução russa, não deveriam constranger-se de transigir contra a revolução e o imperialismo pois o mesmo foi feito pelos bolcheviques em Brest[1]

Lênin ridiculariza tal equiparação: o acordo de Brest foi antes um assalto das potências sobre a fragilizada revolução russa. Já os russos propunham a paz e dentro de uma concepção bastante avançada com a revelação dos documentos diplomáticos para o conhecimento de todos os povos. Não se pode confundir guerras de rapina imperialistas com as guerras civis revolucionárias: os oportunistas causam confusão ao quererem confundir as duas guerras e difundir a ideia de que os bolcheviques “promoveram a guerra enquanto prometeram a paz”. Sem nenhum idealismo, os bolcheviques, ainda durante a participação da Rússia na I Guerra diziam ser impossível “acabar com a Guerra Espetando a Baioneta na Terra”, por um simples ato de vontade unilateral, o que sugere mais uma vez a expectativa dos russos de que a vitória mesmo da revolução dependeria do desmembramento da luta revolucionária nos demais países.

A palavra de ordem da “liberdade” ou a ausência dela não seria uma trivial crítica em comento apenas nos países capitalistas. Kautsky, líder da segunda internacional, acusa mesmo a Revolução Russa de militarismo. Aqui Lênin dá mostras de um profundo conhecimento de Marx – quando se conhece uma teoria abstrata e com vasta abundância teórica como o marxismo, temos sinais de quem a domina quando é capaz de disseminar em poucas frases o que é mais essencial e importante sobre cada tópico. Falar de maneira simples sobre temas complexos revela o pleno domínio de Lênin sobre o marxismo. E o que o Marxismo e os bolcheviques têm a dizer sobre a liberdade?

“No momento em que se atingir a destruição do poder do Capital em topo mundo, ou mesmo num país, nesse momento histórico, quando a principal tarefa for a luta de classes trabalhadoras pelo total aniquilamento do Capital, pela completa destruição total da produção mercantil, qualquer pessoa que, em tal momento político, utilize as palavras “Liberdade em Geral” que, em nome desta liberdade atue contra a ditadura do proletariado,  está à serviço dos exploradores e nada mais, é sua aliada, porque a liberdade, quando não subordinada aos interesses da emancipação do Trabalho do jugo do Capital, é uma fraude, como declaramos nosso programa do partido”.

Em outros termos, não há liberdade onde existe opressão do capital pelo trabalho e propriedade privada: no capitalismo, a liberdade é meramente formal e tem como destinatária as classes proprietárias. Nãos se pode cogitar palavras de ordem ou slogans como “liberdade” sem situá-los no campo da luta de classes, o que é mais grave quando se parte a fraseologia de setores que se dizem socialistas[2].

O slogan da igualdade igualmente de nada serve quando associado à exploração do trabalho. Ademais, no marxismo igualdade significa abolição das classes sociais – não tem um sentido vulgar das supressões das diferenças do ser humano ou de fazer todos iguais.

Na Rússia havia uma questão de ordem específica acerca do problema camponês e da especulação do trigo. Objetivo especial na Rússia é destruir a diferença (existente àquela altura) entre trabalhador/operário e camponês.    A revolução destrói as instituições capitalistas mas não remove hábitos seculares dos camponeses como aquela especulação associada à compra e venda – e os bolcheviques travam uma luta para impor a obrigação da entrega do excedente do trigo por preço fixo.

O Camponês vacila entre trabalhador e burguês. A tendência especuladora se relaciona com o fato do camponês vender o trigo, o pão, o alimento, insumo de primeira necessidade do qual depende toda sociedade. E a luta para trazer o camponês para junto do campo do trabalhador é aqui decisiva, enquanto o campo adversário advoga palavras de ordem como “livre comércio do trigo” que eventualmente soam melhor aos ouvidos dos camponeses mais despolitizados ou influenciados pelo hábito secular.

Este camponês poderia ser com algum cuidado traduzido para os nossos pequenos burgueses dos dias modernos, como um pequeno comerciante, que igualmente tem as mesmas vacilações entre seguir as tendências do trabalho e do capital. De molde que este discurso de Lênin proferido ao calor da Guerra Civil revolucionária, com alto grau de radicalidade e intransigência, repudiando a fraseologia, tão comuns em nossa pobre esquerda pequeno burguesa, têm enorme atualidade.

As consignas da Constituição Soviética devem servir-nos ainda de mote. Ela não fala em democracia. Ela fala em ditadura e nega explicitamente o direito de voto àquele que não trabalha. Este “choque” supostamente “anti- democrático” pode ser muito produtivo. Se há um autor que falta leitura à esquerda brasileira hoje, este autor é Lênin. Era um dirigente que sabia o que era (e falava junto) à alma da classe operária. E o seu discurso radical e combativo coincide com o protagonismo revolucionário da classe trabalhadora.





[1] Tratado de Paz assinado entre o governo bolchevique e as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Hungaro, Bulgária e Império Otomano) pela qual era reconhecida a saída da Rússia da I Guerra Mundial.  3 de Março de 1908.
[2] Algo que não deixa de ser observado em certo partido brasileiro denominado Socialismo e “Liberdade”. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário