“Como Iludir o Povo” – V.I. Lênin
Resenha Livro – “Como Iludir O Povo Com Os Slogans de
Liberdade e Igualdade” – V.I. Lênin – Global Editora
“Os trabalhadores organizam-se e declaram: ‘A nossa
organização é a mais elevada de todas; não tem o direito de participar nesta
organização nenhum explorador, nem nenhuma pessoa que não trabalhe. Esta
organização tem um único objetivo – a destruição do Capitalismo. Não nos
enganaram com falsos slogans como ‘fetiches’, tais como ‘liberdade’, ‘igualdade’.
Nós não reconhecemos nem a liberdade nem a igualdade, ou mesmo a democracia do
trabalho se se opuserem aos interesses da emancipação do Trabalho da opressão
do Capital”. Introduzimos isto na Constituição Soviética e já ganhamos a
simpatia dos trabalhadores de todo o mundo. Eles sabem que por mais difícil que
seja implantar a nova ordem, por mais difíceis provas e mesmo derrotas que
caiam sobre as várias Repúblicas Soviéticas, nenhuma força no mundo fará recuar
a humanidade”. (Lênin).
Este
manuscrito corresponde a um discurso de V. I. Lênin proferido em 19 de maio de
1919 no Congresso sobre Educação Extra Tutorial. É preciso começar situando o
contexto, dramático, de quando foi feito o pronunciamento. Estamos há cerca de
um ano e meio do triunfo da Revolução de Outubro de 1917 com a tomada do poder
pelos bolcheviques e a derrota dos capitalistas – e como o próprio discurso
enuncia, a ditadura do proletariado é uma etapa da luta política em que a
burguesia e os capitalistas, muito longe de sofrer uma morte fulminante, apenas
se vêm apeados do poder, conduzindo uma guerra civil dramática pela restauração
da antiga ordem. Nas palavras de Lênin, a Revolução é uma luta de classes
desesperada que atingiu o seu ponto fulminante: em 1919 o país vivia sob uma
luta política, ideológica e militar em face da contrarrevolução.
França,
Inglaterra e EUA intervêm abertamente para deter os bolcheviques, com importante
presença militar na região de Odessa, Sebastapol e Criméia, justificando a
necessidade de domínio do Mar de Azov, localizado nas proximidades da Ucrânia; estes
mesmos imperialistas operavam prestando apoio ao grupo de rebeldes liderados
por Denikin; . Kolchak, talvez o mais famoso elemento contra revolucionário,
seria abandonado por suas tropas e derrotado em dezembro de 1919. A Rússia
estava arruinada economicamente em primeiro lugar em função da catástrofe da
guerra: há falta de abastecimento de carvão e combustíveis, fazendo com que a
indústria fique parada:
“A matéria prima tem que ser transportada para a fábrica de
algodão russo do Egito, da América, ou mais próximo, do Turguestão, e tentar
transportá-la quando aí existem grupos contrarrevolucionários, quando as tropas
inglesas tomaram Askhab e Krasonvodsk; transportá-la do Egito, da América,
quando as estradas de ferro não transportam alimentos, quando se encontram
arruinados, quando se encontram parados e não há carvão (...)”.
Lênin
adverte que aquela difícil etapa de escaramuça era momento em que o mais
essencial era fazer sobreviver a classe trabalhadora. Sabe-se que àquela altura
a expectativa do dirigente russo era a de que a vitória da revolução na Rússia
dependeria do desdobramento do movimento revolucionário operário, em especial
nos países mais avançados: tratava-se naquele período portanto de uma luta de
vida ou morte pela sobrevivência de uma experiência que já perdurara mais tempo
que a Comuna de Paris e a própria etapa especificamente revolucionária/progressista
da Revolução Francesa:
“O Trabalhador tem que ser salvo mesmo que não possa
trabalhar. Se o salvarmos nestes anos próximos, salvamos o país, a sociedade e
o Socialismo. Se não o Salvarmos, regressaremos à escravatura salarial”.
O tema da palestra como o nome sugere remete à polêmica
junto a setores ligados aos grupos Mencheviques e Socialistas Revolucionários
que utilizam palavras de ordem como “democracia”, “liberdade” e “igualdade”
numa conjuntura difícil como a supracitada e de forma oportunista, para atacar
a revolução e seus dirigentes bolcheviques. Como é comum, Lênin é didático,
objetivo e preza pela clareza na argumentação política: passa em revista os
principais slogans utilizados para “iludir o povo” e em poucos parágrafos tece
a crítica que revela como os “filisteus” que reivindicam estas palavras de
ordem, o fazem a serviço da contra revolução.
Uma primeira crítica que surge é a de que tanto os
oportunistas mencheviques quanto os bolcheviques igualmente não deveriam ser
julgados por terem feito acordos com o imperialismo. Há aqui o desvirtuamento
de um problema decisivo: o colaboracionismo de setores que passaram do lado da
contra-revolução para o lado da revolução e se omitem de fazer auto crítica –
partidários de um acordo com os imperialistas franceses contra a revolução
russa, não deveriam constranger-se de transigir contra a revolução e o imperialismo
pois o mesmo foi feito pelos bolcheviques em Brest[1].
Lênin ridiculariza tal equiparação: o acordo de Brest foi antes um assalto das
potências sobre a fragilizada revolução russa. Já os russos propunham a paz e
dentro de uma concepção bastante avançada com a revelação dos documentos
diplomáticos para o conhecimento de todos os povos. Não se pode confundir
guerras de rapina imperialistas com as guerras civis revolucionárias: os
oportunistas causam confusão ao quererem confundir as duas guerras e difundir a
ideia de que os bolcheviques “promoveram a guerra enquanto prometeram a paz”.
Sem nenhum idealismo, os bolcheviques, ainda durante a participação da Rússia
na I Guerra diziam ser impossível “acabar com a Guerra Espetando a Baioneta na
Terra”, por um simples ato de vontade unilateral, o que sugere mais uma vez a
expectativa dos russos de que a vitória mesmo da revolução dependeria do
desmembramento da luta revolucionária nos demais países.
A palavra de ordem da “liberdade” ou a ausência dela não
seria uma trivial crítica em comento apenas nos países capitalistas. Kautsky,
líder da segunda internacional, acusa mesmo a Revolução Russa de militarismo.
Aqui Lênin dá mostras de um profundo conhecimento de Marx – quando se conhece
uma teoria abstrata e com vasta abundância teórica como o marxismo, temos
sinais de quem a domina quando é capaz de disseminar em poucas frases o que é
mais essencial e importante sobre cada tópico. Falar de maneira simples sobre
temas complexos revela o pleno domínio de Lênin sobre o marxismo. E o que o
Marxismo e os bolcheviques têm a dizer sobre a liberdade?
“No momento em que se atingir a destruição do poder do
Capital em topo mundo, ou mesmo num país, nesse momento histórico, quando a
principal tarefa for a luta de classes trabalhadoras pelo total aniquilamento
do Capital, pela completa destruição total da produção mercantil, qualquer
pessoa que, em tal momento político, utilize as palavras “Liberdade em Geral”
que, em nome desta liberdade atue contra a ditadura do proletariado, está à serviço dos exploradores e nada mais, é
sua aliada, porque a liberdade, quando não subordinada aos interesses da
emancipação do Trabalho do jugo do Capital, é uma fraude, como declaramos nosso
programa do partido”.
Em outros termos, não há liberdade onde existe opressão do
capital pelo trabalho e propriedade privada: no capitalismo, a liberdade é
meramente formal e tem como destinatária as classes proprietárias. Nãos se pode
cogitar palavras de ordem ou slogans como “liberdade” sem situá-los no campo da
luta de classes, o que é mais grave quando se parte a fraseologia de setores
que se dizem socialistas[2].
O slogan da igualdade igualmente de nada serve quando
associado à exploração do trabalho. Ademais, no marxismo igualdade significa
abolição das classes sociais – não tem um sentido vulgar das supressões das
diferenças do ser humano ou de fazer todos iguais.
Na Rússia havia uma questão de ordem específica acerca do
problema camponês e da especulação do trigo. Objetivo especial na Rússia é
destruir a diferença (existente àquela altura) entre trabalhador/operário e camponês.
A revolução destrói as instituições
capitalistas mas não remove hábitos seculares dos camponeses como aquela
especulação associada à compra e venda – e os bolcheviques travam uma luta para
impor a obrigação da entrega do excedente do trigo por preço fixo.
O Camponês vacila entre trabalhador e burguês. A tendência
especuladora se relaciona com o fato do camponês vender o trigo, o pão, o
alimento, insumo de primeira necessidade do qual depende toda sociedade. E a
luta para trazer o camponês para junto do campo do trabalhador é aqui decisiva,
enquanto o campo adversário advoga palavras de ordem como “livre comércio do
trigo” que eventualmente soam melhor aos ouvidos dos camponeses mais
despolitizados ou influenciados pelo hábito secular.
Este camponês poderia ser com algum cuidado traduzido para
os nossos pequenos burgueses dos dias modernos, como um pequeno comerciante, que
igualmente tem as mesmas vacilações entre seguir as tendências do trabalho e do
capital. De molde que este discurso de Lênin proferido ao calor da Guerra Civil
revolucionária, com alto grau de radicalidade e intransigência, repudiando a
fraseologia, tão comuns em nossa pobre esquerda pequeno burguesa, têm enorme atualidade.
As consignas da Constituição Soviética devem servir-nos
ainda de mote. Ela não fala em democracia. Ela fala em ditadura e nega
explicitamente o direito de voto àquele que não trabalha. Este “choque”
supostamente “anti- democrático” pode ser muito produtivo. Se há um autor que
falta leitura à esquerda brasileira hoje, este autor é Lênin. Era um dirigente
que sabia o que era (e falava junto) à alma da classe operária. E o seu
discurso radical e combativo coincide com o protagonismo revolucionário da
classe trabalhadora.
[1] Tratado
de Paz assinado entre o governo bolchevique e as Potências Centrais (Império
Alemão, Império Austro-Hungaro, Bulgária e Império Otomano) pela qual era
reconhecida a saída da Rússia da I Guerra Mundial. 3 de Março de 1908.
[2]
Algo que não deixa de ser observado em certo partido brasileiro denominado
Socialismo e “Liberdade”.
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