“O Garimpeiro” – Bernardo Guimarães
Resenha Livro - “O Garimpeiro” – Bernardo Guimarães –
Poeteiro Editor Digital – São Paulo – 2014
Bernardo Guimarães é provavelmente lembrado como autor do “Escrava
Isaura”, obra que repercutiu junto ao público ao ser exibida em forma de
telenovela por duas emissoras diferentes em 1976 e 2004. Tanto naquele romance
(que se tratava de um curioso caso de uma escrava Branca) quanto no “Garimpeiro”(1872)
observa-se um procedimento de idealização do instituto da escravidão que está
relacionado com o estilo literário romântico do autor.
B. Guimarães nasceu em 1825 na cidade de Ouro Preto em Minas
Gerais. Formou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco de São
Paulo e foi da mesma turma do poeta byronista Álvares de Azevedo com quem criou
junto a outros acadêmicos uma certa “Sociedade Epicureia” que ganhou fama na
então pequena província paulistana. Após os estudos jurídicos, torna-se
magistrado, exercendo atividade jornalística, pedagógica e literária.
“O Garimpeiro” foi publicado em 1872, mesmo ano do romance
de “O Seminaristas”[1]:
ambos trabalhos tem finas qualidades quanto ao estilo, predominando em “O
Garimpeiro” já uma tendência de literatura regionalista ao descrever os
costumes e o povo do triângulo mineiro (Patrocínio, Araxá, Uberaba e
principalmente Bagagem, onde se passa o enredo).
Todavia, pode-se cogitar que a temática polêmica de “O
Seminarista” que envolve uma tragédia amorosa decorrente da ausência de vocação
religiosa de Eugenio a despeito de um cego, rigoroso, irracional e ao final
inútil esforço dos padres do seminário em demover o protagonista de seu amor
(que prevalece a despeito dos sentimentos de culpa infringidos pela religião),
esta narrativa potencialmente controvertida junto ao público (daquela época) pode
ter colocado em segundo plano “O Garimpeiro”.
O romance do garimpo situa-se no âmbito do romantismo e
pode-se falar num estilo folhetinesco. Folhetim é um termo francês e remete ao
periodismo, às publicações literárias – muitas das quais romances – que seriam,
cada capitulo, lançado a cada dia no jornal. O mais importante romance de
Machado de Assis, por exemplo, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, foi
desenvolvido como folhetim de março a dezembro de 1880 na Revista Brasileira.
Mas quando propomos ao “Garimpeiro” a ideia de estilo
folhetinesco queremos dizer que a obra tem um estilo literário voltado
tipicamente ao público leitor de romances românticos: um pequeno público
letrado, feminino de extratos da pequena burguesia nas cidades, leitores dos
jornais e revistas. Trata-se de uma história de amor nos termos não de uma
forma de consórcio do realismo literário que é objeto da crítica mordaz e da
ironia, revelando os interesses pessoais meramente sensuais, prevalecendo o
temor da opinião sobre o suposto sentimento do amor, dos quais tratam tão bem
retratados um “Primo Basílio”[2]
ou “Dom Casmurro”.
O amor romântico de que se trata em “O Garimpeiro” é
idealizado ao ponto de parecer pueril ao olhar do leitor de hoje. A História
trata de Elias, um pobre porém inteligente rapaz que é contratado para
trabalhar numa fazenda de um Major em cidade localizada no triângulo mineiro.
Não bastarão muitas trocas de olhares e pouquíssimas palavras para que se
concretize um amor fulminante e definitivo. (Observe-se que não há a troca de
um primeiro beijo só após o desenvolvimento posterior da novela – Elias é pobre
e para casar necessita enriquecer. Trabalha incessantemente no garimpo em
Bagagem e não obtém sucesso. É convidado por um oportunista e é engambelado,
partindo para uma cidade chamada Sincorá na Chamada das Diamantinas (BA). Ao retornar
para sua cidade pensando ter os recursos para casar com seu amor, descobre que
foi enganado com notas falsas e está perdidamente pobre. O Major, igualmente,
abandona a atividade da agricultura e no garimpo não encontra resultados
positivos e está instalado num casebre pobre. Lúcia e Elias estão pobres e
neste ponto intermediário da narrativa vem o primeiro contato físico, o
primeiro beijo do casal).
Se podemos pontuar algo como diretriz que permeia este
romance é uma tensão geral entre o amor e o dinheiro. Na verdade a vontade de
enriquecer ou os valores pecuniários (com uma exceção) possuem uma
característica de desagregação. Araxá, Patrocínio e Bagagem são três cidades
referidas e que fazem parte do triângulo mineiro. Bagagem é um povoado onde se
concentram pessoas oriundas dos outros três distritos. Vêm em busca de
diamantes e muitos abandonam a agricultura (inclusive o major) em busca do
enriquecimento rápido nas minas. O resultado é a desilusão e o empobrecimento,
além do abandono das terras.
São conhecidos aqui os relatos de historiadores de como a
atividade da mineração implicou num empobrecimento, desde a era colonial – a busca
desenfreada pelo ouro foi como uma atividade especulativa, uma expectativa de
rápido enriquecimento mas que, ocasionalmente, resultava em frustração e
desagregação social. Houve mesmo a chaga da fome nos distritos diamantinos na
Era Colonial.
Outro aspecto em que a busca pelo dinheiro sugere a
desagregação e o conflito envolve o personagem Leonel. Trata-se de um baiano
que vem a Bagagem e seduz o desiludido Elias (sem perspectiva de obter dinheiro
para fazer a corte de Lúcia) a segui-lo até Sincorá e desde lá ser seu
preposto. Tratava-se Leonel de trapaceiro, um falsificador de moedas e pior:
depois de Elias descobrir que todo seu trabalho nas minas fora inútil e que seu
dinheiro como salário não tinha nenhum valor, descobrira que o mesmo larápio
estivera fazendo a corte de sua amada Lúcia. A ideia de falsas moedas remete a
uma noção mais geral de ilusão: o dinheiro e a riqueza criaram expectativas que
foram demolidas quando o dinheiro de Elias não foi aceito em Bagagem e todos os
seus sonhos caíram por terra. A todo momento Elias faz remição de sua má sorte ao
destino e a Deus.
A desagregação em face dos valores pecuniários se refere
igualmente a uma questão paralela: do dinheiro que perde valor, ao Major que de
rico que era, pobre fica, passando a agir de forma a pressionar intensamente
Lúcia a aceitar um casamento a contragosto. Trata-se aqui do problema da
pobreza ou mais especificamente do empobrecimento:
“Os Homens de alma fraca e espírito acanhado, quando de
ricos que eram caem em estado de pobreza, tornam-se irritáveis, intolerantes,
injustos e até às vezes cruéis. O rancor de que se acham possuídos contra o
destino que os maltrata e do que não se podem vingar, eles o desabafam contra
as pessoas que com eles vivem e lhes são sujeitas. O Major, encolerizado com as
delongas e hesitações de Lúcia, perdeu aquela prudência e bonomia que sempre o
caracterizava, e, calcando aos pés o decoro e o respeito que sempre guardava
para com os sentimentos de sua filha, acabrunhou-a com um montão de
impertinentes repreensões e cruéis exprobrações (...) ”
Diz-se que pode-se ficar rico rapidamente através do jogo,
do garimpo e do testamento. Esta última forma seria o único meio em que o
enriquecimento sugeriria no enredo uma forma não ingrata de encontro pelos
personagens: muito pelo contrário, o término da história é um belo ato de
gratidão.
Vamos deixar de contar o final da história e garantir ao leitor da
resenha o prazer da leitura deste belo romance.
De outra forma, o “Garimpo” tem interesses especiais que vão
além dos meros romances românticos de costumes. Trata-se de um romance que de
forma pioneira introduz o regionalismo e aborda usos e costumes da região
diamantina do Brasil Imperial. Há passagem da festa popular da Cavalhava,
atividade que mistura esporte e encenação do embate entre cristãos e mouros, e
que por sinal, contava com ampla participação e simpatia popular. A própria
atividade do garimpo, as transformações urbanas e as descrições paisagísticas
têm interesse não só literário, mas histórico. Todavia, o mesmo não deve ser
dito do tipo de relação existente entre o escravo Simão, a escrava Joana e seus
respectivos donos. Como já sugerido, há aqui o mesmo tipo de idealização da
escravidão que há no procedimento das narrativas românticas. É necessário
portanto cotejar o romance com o panorama histórico do período. Lê-lo como um
romance e distinguir na medida do possível o que existe de história e o que há
de ficção.
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