“Crônicas de Londres” – Eça de Queirós
Resenha Livro - “Crônicas de Londres” – Eça de Queirós –
Poeteiro Editor Digital – São Paulo – 2014
Uma
primeira lembrança que nos vem à mente quando falamos de Eça de Queirós
invariavelmente remete-nos às suas obras realistas. Provavelmente as mais
conhecidas são o trágico-cômico “O Crime
do Padre Amaro” (1875) e o “Primo Basílio” (1878). Na verdade, Eça de Queiros
foi um dos fundadores do movimento literário realista em Portugal a partir
daquilo que ficou conhecido como “Questão
Coimbra” – uma geração de escritores dos anos 1870 como Oliveira Martins,
Antero de Quental e Teófilo Braga entram em contenda com o tradicionalismo
literário em Portugal em face de arcadismo de Castilho. Ainda que não esteve presente
diretamente na contenta, ela expressa por um lado as mesmas cogitações de uma
inovação literária: a objetividade em detrimento da subjetividade na forma narrativa;
um tendência materialista em oposição ao sentimentalismo; uma forte reação à
importante influência do Clero e das Monarquias Absolutistas (no caso do clero,
considerado fator de atraso de Portugal, e intensamente ridicularizado do “Crime
do Padre Amaro”) e uma preocupação real em modernizar (não revolucionar) o
presente, transformar a arcaica e atrasada Portugal em face de países
cosmopolitas e avançados em termos de esclarecimento e luzes, como Inglaterra e
França.
Este último ponto parece ser uma chave para compreender esta fase
específica e em que se situa as “Crônicas de Londres” (Redigidas em 1877 e
1878): foi composta alguns anos depois do “Crime do Padre Amaro” e no mesmo ano
do “Primo Basílio” e se situa na fase realista de Eça de Queirós, dentro do
momento em que o que informa sua produção literária, mesmo quando se tratando
de crônicas de jornais, é o realismo literário. Isto dá um sabor especial as
crônicas. São escritas com humor, com ironia e com a crítica social impiedosa
de sua fase realista de escritor.
Apenas alguns esclarecimentos rápidos quanto à trajetória de
vida de Eça de Q. de molde e explicar sua chegada à Londres e sua atividade
como cronista.
José Maria de Eça de Queirós nasceu em 25 de Novembro de
1845 em Portugal. Seu pai era magistrado, formado em Direito em Coimbra e juiz
em diversos tribunais. O jovem Eça seguiu a mesma carreira e ingressou na mesma
universidade donde conheceu Antero de Quental. Em 1866,
Eça forma-se bacharel e
exerce a advocacia e o jornalismo. O escritor ingressa na carreira diplomática
e em 1873 é nomeado cônsul em Havana Portugal. Para os estudos do livro que
temos em mãos importa-nos o período de 1874-1878 quando exerceu carreira diplomática em
Newcastle e Bristol. Neste período manteve atividade jornalística publicando
esporadicamente no “Diário de Notícias” e “A Atualidades”, periódicos
portugueses, sob a rubrica “Cartas da Inglaterra”. Apenas em 1888 seria nomeado
cônsul em Paris. Dois anos depois falece o grande escritor que não só esteve no
realismo literário – há mais fases em sua obra e basta dizer que obras
posteriores como “A Cidade e a Serra” sinalizam uma espécie de recomposição com
o gênero humano, havendo de comum com os trabalhos anteriores a quase perfeição
do estilo conciso e lírico. (Eça é um autor que revela emoções).
A reunião destes artigos de jornais desde a Inglaterra dar-se-iam
postumamente, apenas em 1905. Entre 1877 e 1878 havia a Guerra entre Russos e
Turcos, da qual logo discutiremos, mas desde já, uma série de reportagens de um
contemporâneo acerca da guerra levanta um enorme curiosidade histórica: qual
era a repercussão da opinião pública sobre a guerra considerando as vacilações
da classe política em entrar ou não no conflito? Como se processou a guerra a
partir dos olhos dos extratos mais elitistas da europa que não deixavam de olhar
sem uma certa superioridades para os eslavos e turcos – não deixar de
considerar que estamos em 1877-1878, era dos primórdios do Imperialismo, quando mal se ocultavam percepções acerca da maior e
menor civilidade de povos dando suporte ideológico às aventuras coloniais.
E não só a Guerra da Turquia é o ponto político abordado nas
crônicas: temos notícias de pelo menos três grandes insurreições operárias,
incluindo uma greve em face de companhia de ferrovia que quase se desenvolve
numa guerra civil:
“O Grande Acontecimento da Quinzena é a formidável insurreição
que rebentou nos Estados Unidos. As Companhias de Caminhos de Ferro de
Baltimore e Ohio reduziram os salários dos empregados de dez por cento e
aumentaram duas horas de trabalho por dia. Isto originou uma greve. As companhias
recrutaram novo pessoal, mas os grevistas atacaram estes intrusos, espancaram a
polícia que os defendia e, finalmente, resistiram à Guarda Nacional. Movimento,
então, espalhou-se como fogo em restolho: 10 estados tomaram parte na
resistência, a greve estendeu-se a cinquenta mil milhas de caminho de ferro, a
população baixa tomou o partido dos grevistas e esteve-se em vésperas de uma temerosa guerra civil. Houve verdadeiras
batalhas entre insurrectos e a tropa, e pode-se fazer uma ideia do desastre sendo
que só em Pittsburbgh os prejuízos causados pela insurreição elevam-se a três
mil e seiscentos contos.”
Fica visível que naqueles anos que marcam cerca de 30 anos do
lançamento do Manifesto Comunista[1],
10 anos após o lançamento do primeiro volume do Capital e com Karl Marx e
Engels ainda em atividade, e, mais importante, em face de uma etapa do
capitalismo em que não há qualquer proteção social, remota era a Justiça do
Trabalho, com redução salarial sem qualquer negociação coletiva e o uso da
força policial em caso de qualquer resistência, Eça relata comumente eventos de
greves que surpreendem o leitor de hoje pelo nível de radicalidade e até adesão
espontânea do povo pobre. Não temos porque duvidar de Eça de Queirós - uma
espécie de burguês liberal, frequentemente contrário aos motins. Ele não está carregando
nas tintas.
Assim relata-se a greve de 15 mil carvoeiros no Norte da Inglaterra
após os patrões imporem a redução de 10% dos salários.
Outra insurreição operária descrita é em Lancashire envolvendo
os tecelões. Mais uma vez, importa destacar a radicalidade do movimento.
“Manufaturas incendiadas, casas destruídas, lojas de bebidas
saqueadas, patrões perseguidos a tiros, reclamações forçadas de dinheiros e de
provisões, não faltou para dar ao distrito Manchester o aspecto atroz de um
província em poder idas hordas de Saballs ou de Dorregaray. No entanto não só
não se indignam, mas nem sequer se lamentam: limitaram-se a contar secamente os
ultrajes cometidos. Das associações operárias não saiu um único protesto contra
estas desordens. E não se pode negar que a insurreição tenha uma vaga, uma
imponderável simpatia”.
De outro lado, todas as crônicas aparentam ter como pauta
principal, com raras exceções, a Guerra da Rússia com a Turquia (1877 – 1878).
O sentido mais geral deste conflito diz respeito ao desejo dos russos de obter
acesso ao mar mediterrâneo e a captura da península dos Balcãs controladas pelo
Império Otomano (Turcos). Formalmente, a declaração russa ia no sentido de que
a “Guerra Santa” significava libertar “o irmão eslavo e cristão” (Bulgária,
Romênia, Sérvia, Montenegro, etc.) do jugo turco sob a égide do islã.
A Rússia declarou guerra contra o Império Otomano em 24 de
Abril de 1877- as crônicas de Eça de
Queirós demonstram uma simpatia geopolítica pela Inglaterra que naquele momento
se opunha à Rússia. O Objetivo do Czar é tomar Constantinopla (capital do
Império Otomano, hoje Istanbul), uma localização estratégica por fazer a divisa
entre a Ásia e a Europa. Os problemas de uma presença militar na Rússia em
Constantinopla para a Inglaterra são: coloca em risco a supremacia britânica no
mediterrâneo; abala o prestígio colonial na Índia; pode colocar em risco para a
Inglaterra o domínio do Canal de Suez. Ao cabo, a Rússia não toma
Constantinopla definitivamente.
Ao término da guerra, há o esfacelamento do Império Turco
Otomano e a extinção de todos os seus territórios da Europa – a Turquia agora é
um país exclusivamente asiático. Ao final os turcos perdem România, Sérvia,
Montenegro, Bósnia, Bulgária e Roméria.
Para além do que poderíamos nos referir como história
política, que salta aos olhos desde uma fonte preciosa que é a crônica de um
jornal de época, temos com estes textos de periodismo referências àquilo que os
historiadores chamam de história do cotidiano. A atividade jornalística é o
periodismo e as crônicas referem-se não só aos grandes eventos mas ao habitual,
às questões que divertem e que envolvem desde a crítica literária e artística
até os comentários sardônicos e escândalos da alta sociedade europeia acerca de
questões corriqueiras – a não aceitação da rainha em uma meeting em razão da
convidada ser uma recém convertida ao catolicismo (num país protestante); uma
trapalhada de um príncipe chamado a ser deputado e revelando num discurso que
não preparou-se nem para a oratória e que não sabe sequer o que é “administração
local”; ou casos extraconjugais que são causas de burburinho, remetendo ao “Primo
Basílio”. São fatos que só demonstram interesse aos leitores de hoje por saírem
da pena de um escritor realista do calibre de Eça de Queirós que nos seus
romances dissecava com humor e ironia aquela mesma sociedade baseada em vícios,
cinismo e perversão, ocultado pelas regras triviais dos bons costumes.
“Crônicas de Londres” portanto têm dois grandes valores: um
grande valor histórico acerca da histórica política e social (do cotidiano, das
lutas operárias, das colônias na Índia, etc.) do séc. XIX; e um valor artístico a partir de procedimento com o qual narra suas
crônicas de forma similar aos seus geniais
romances realistas.
[1] Ainda
que, como se sabe, não exista uma correlação histórica entre as edições do
livro “O Manifesto Comunista” e o nível de organização. A Rússia incrivelmente
esgotou as edições do livro rapidamente e teve uma organização operário-sindical
débil no séc. XIX até pelas próprias condições políticas do país. Ver “Sobre
História”. HOBSBAWM. Erc. Cap. 22.
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