“Sobre História” – Eric Hobsbawm
Resenha Livro - “Sobre
História” – Eric Hobsbawm – Ed. Companhia de Bolso
“Nas últimas décadas, tornou-se moda, principalmente entre
pessoas que se julgam de esquerda, negar que a realidade objetiva seja
acessível, uma vez que o que chamamos de “fatos” apenas existem como uma função
de conceitos e problemas prévios formulados em termos dos mesmos. O passado que
estudamos é só um constructo de nossas mentes. Esse constructo é, em princípio,
tão válido quanto outro, quer possa ser apoiado pela lógica e por evidências,
quer não. Na medida em que constitui parte de um sistema de crenças
emocionalmente fortes, não há, por assim dizer,
nenhum modo de decidir, em princípio, se o relato bíblico da criação da
terra é inferior ao proposto pelas ciências naturais: apenas são diferentes.
Qualquer tendência a duvidar disso é “positivismo”, e nenhum termo desqualifica
mais que este, exceto empirismo.
Em resumo, acredito que sem a distinção entre o que é e o
que não é assim, não pode haver história. Roma derrotou Cartago nas Guerras
Púnicas, e não o contrário. O modo como montamos e interpretamos nossa amostra
escolhida de dados verificáveis (que pode incluir não só o que aconteceu mas o
que as pessoas pensaram a respeito) é outra questão.”.
Eric
Hobsbawm nasceu na Alexandria (Egito) em 1917. Foi educado na Áustria, Alemanha
e Inglaterra. Estudou história em Cambridge nos anos 1930 quando teve contato e
efetivamente aderiu aos pressupostos teórico-metodológicos do marxismo. E. H.
referia-se a tal concepção como forma materialista
da história. (E ao longo dos ensaios o longevo historiador manteria tal
orientação metodológica, reivindicando, em seus termos, um marxismo “pluralista”).
Hobsbawm recebeu título de doutor honoris causa de universidades em diversos
países. Lecionou até se aposentar no Birkbeck College da Universidade de
Londres e posteriormente na New School for Research.
Um fato curioso sobre a
biografia do historiador é que serviu sem qualquer distinção militar durante a
II Guerra Mundial: tal fato é comentado em um dos capítulos do presente livro
ao discutir os efeitos da memória pessoal vivenciada pelo historiador como
elemento que diferencia a construção da narrativa em face de outras
possibilidades de construção da história criadas pelas novas gerações. Ainda
sobre Hobsbawm, importa ressaltar seu vasto trabalho que envolve desde uma
pesquisa exaustiva sobre o ciclo de desenvolvimento/ascensão da burguesia e do
capitalismo em nível mundial, a partir da “Era das Revoluções” – a dupla
revolução industrial e política em França em 1789, passando pelo ciclo de
expansão na “Era do Capital” e o salto qualitativo donde a fase do capitalismo
da livre concorrência dá um salto num sentido do capitalismo dos monopólios na “Era
do Imperialismo” culminando no curto século XX denominado “Era dos Extremos”.
Há importantes trabalhos pelo historiador acerca de assuntos temáticos que vão
da história social do jazz a questões envolvendo à gênese e desenvolvimento da
classe operária, passando pela categoria dos “Bandidos Sociais”, fenômeno
associado às sociedades camponesas em desagregação e verificados em todos os
cantos do mundo – Hobsbawm literalmente inaugura os estudos desta categoria
analítica há cerca de 40 anos. Desde já, afere-se a relevância deste grande
historiador marxista, falecido em 1º de Outubro de 2012.
“Sobre História” é uma compilação de palestras e ensaios
proferidos/redigidos nas últimas décadas do século XX tendo como tema reflexões
acerca da própria história: para aqueles familiarizados com os cursos de graduação
de história, estamos diante das cogitações que informam as disciplinas de
Metodologia da História, Filosofia da História ou Teoria da História.
Ao assumir a concepção materialista da história, Hobsbawm já
assume alguns bons combates, por exemplo com uma certa tendência bastante em
voga no âmbito acadêmico e que se refere ao pós modernismo. Para o pós
modernismo, não há por exemplo a possibilidade de se aferir um sentido para a
história e não se demarcam fronteiras claras entre a história e a ficção.
Hobsbawm contra argumenta estabelecendo que a história está comprometida com as
evidências: a história investiga o real e por isso não é ficção. Todavia, isto não significa que exista uma
história definitiva sobre cada evento histórico. Cada nova geração suscita
novas questões. Consideremos por exemplo a Revolução Russa e suas histórias.
Com o fim da URRS e mesmo com a queda do Muro de Berlin novas gerações de
historiadores puderam apreciar a história da Revolução Russa sob uma nova
perspectiva, ou seja, escreveram uma nova história, a partir de novas questões.
Quanto ao sentido da história, trata-se de um pressuposto que informa mesmo uma
noção mesmo incontroversa que diz respeito ao progresso em que pese
antropólogos reivindicarem uma certa equiparação a título metodológico entre a
civilização e a tribo de índios mundurucus. Como se sabe, o pressuposto
marxista é que a sociedade cingida em classes sociais corresponde a
pré-história da humanidade: as verdadeiras possibilidades que inauguram a
sociabilidade a história dar-se-ão no comunismo, sociedade sem classes sociais.
A sequência de modos de produção, em que pesem algumas deficiências
explicativas – por exemplo o não desenvolvimento do capitalismo em partes do
mundo como na China – dão um aspecto geral teleológico à história.
Bons capítulos dos ensaios de Hobsbawm são dedicados à
contribuição de Marx à historiografia, incluindo mesmo uma Introdução ao
Manifesto Comunista. A Concepção Materialista da História em Marx foi formulada
em meados de 1840 e já se constata aspectos de sua aplicação no “Manifesto
Comunista” de 1848, antes portanto do desenvolvimento da sua “Contribuição à Crítica
da Economia Política” e “O Capital V. I”, concretizados a partir das pesquisas
de Karl M. na Biblioteca Britânica de Londres desde o Verão de 1850. A noção de
história de Marx envolve uma ideia de que a história do homem corresponde ao
controle ou domínio crescente do mesmo sobre a natureza – daí referir-se à revolução
neolítica e ao progressivo desenvolvimento de forças produtivas que envolvem a
agricultura, a metalurgia, com concomitante criação das cidades e desenvolvimento
da escrita.
Hobsbawm reitera em diversas passagens que a grande
contribuição de Marx para os historiadores foi a concepção materialista da
história – fato reconhecido, de resto, por muitos não marxistas. É preciso aqui
esclarecer que “materialismo” não deve ser compreendido em sua acepção vulgar e
ser confundido com “coisa” ou “matéria” em oposição ao “espírito”. Materialismo
conforme a acepção marxista que advém da “Ideologia Alemã” (1846) significa
relações sociais historicamente determinadas. Portanto, o materialismo
histórico subverte por exemplo o positivismo de Leopold Von Ranke que tem como
chave explicativa da história uma narrativa meramente cronológica baseada nos “Grandes
Eventos”, quais sejam, Reis, Batalhas e Tratados Diplomáticos. O Materialismo
Marxismo se baseia na primazia das relações sociais ou mais especificamente nas
relações sociais de produção e buscará, por exemplo, no âmbito na Idade Média,
buscar respostas especialmente dentro das relações de trabalho na seara do
terceiro estado e do modo de produção feudal.
Um dos capítulos que certamente mais interessam os leitores
brasileiros é “O Que a História tem a Dizer-nos Sobre a Sociedade Contemporânea”?
Em geral os cursos de História ensinam três grandes pecados
aos discentes que ingressam na graduação. O Pecado do Anacronismo que envolve
ler os desejos pessoais do presente no passado; o Pecado da história
contrafactual que envolve fazer a pergunta “e se”? (E Se Lênin não tivesse
morrido em 1924 e dirigido a revolução russa por mais 20 anos? Quais seriam os
Destinos da URSS?) E o Pecado dos prognósticos: historiadores se voltam ao
passado e não fazem futurologia. Pois Hobsbawm de forma ousada encoraja seus
alunos ouvintes tanto a refletir sobre a história contrafactual quanto a fazer
prognósticos sobre o futuro: o futuro da tendência histórica e o futuro do
acontecimento. (De certa maneira é possível imbricar a história contrafactual e
os prognósticos).
Certamente estamos diante de enormes desafios, mas também
certamente a história oferece mais possibilidades para o prognóstico do que outras
disciplinas ou nenhuma disciplina como ....a de um vidente. O historiador
oferece a experiência histórica e a perspectiva histórica – sempre fundamentado
no real e nas evidências. E os prognósticos, se não são feitos pelos
historiador, serão feitos por outros, como políticos ou economistas. Na
história, ao ler os escritos de Lênin entre abril de 1917 e outubro de 1917
afere-se a capacidade de prognóstico da tendência do movimento histórico pelo
dirigente político: existiam grandes vacilações mesmo dentro do Partido
Bolchevique quanto à possibilidade de vitória da insurreição e da tomada do
poder e foi necessária uma luta política dentro do partido baseada na
clarividência histórica de Lênin para a vitória de outubro de 1917.
Um dirigente do PSTU em 2013 lançou um vídeo sobre as
mobilizações em curso no Brasil dizendo com todas as letras que não havia risco
de golpe de estado no país, que os EUA e a União Europeia (ou seja o
Imperialismo) não desejavam o Golpe de Estado no Brasil. Em 2016 ocorreu o
Golpe de Estado no Brasil e já temos elementos para supor que houve
participação do imperialismo nesta seara. Se o historiador opera com os
elementos da perspectiva, e, mais importante, se nos deparamos com o fato de
que não há um limite definido entre presente passado e futuro, parece-nos que a
atividade de prognósticos é uma atividade intelectual a ser desenvolvida de
maneira privilegiada pelo historiador. E aqui saudamos o PARTIDO DA CAUSA OPERÁRIA
que vinha alertando sobre os riscos do golpe de estado no Brasil há anos.
O tema da teoria da história parece-nos um dos
mais fascinantes da disciplina da História. A leitura deste ensaio de Eric
Hobsbawm todavia extrapola os limites do público especializado. É necessário compreender a história e aqui
temos mais ferramentas conceituais para tal tarefa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário