quarta-feira, 11 de março de 2015

“Tarás Bulba” – Nikolai Gógol

“Tarás Bulba” – Nikolai Gógol 




Resenha Livro  # 158- “Tarás Bulba” – Nikolai Gógol – Editora 34 – Tradução Nivaldo dos Santos

Nikolai Gógol nasceu em 1809 na Ucrânia, foi escritor e dramaturgo, tendo produzido sua obra ao longo dos anos de 1830, 1840, até sua morte em 1852. Suas obras mais conhecidas do público brasileiro são provavelmente  “Almas Mortas” (1842) e sua peça “O Inspetor Geral” publicada em 1835. 

“Tarás Bulba” (1835) é uma novela épica que versa sobre os cavaleiros e guerreiros cossacos. É um livro que corresponde ao resultado de uma intensa pesquisa feita por Gógol em 1830 sobre a história, cultura e folclore de sua terra natal, passando por suas lendas, canções, formas de linguagem e de expressão daqueles personagens que surgiriam na história a partir dos séculos XV e XVI. Os cossacos fizeram guerra contra os “infiéis” tártaros (que eram muçulmanos) e contra os Poloneses (que seguiam o catolicismo), conquanto o povo cossaco (russo) disseminava o cristianismo ortodoxo. 

Ocorre que para além de um povo guerreiro que percorre as estepes russas em seus cavalos julgando glorioso morrer na guerra, existe no livro um aspecto humano e pitoresco tanto daquele povo como daquele ambiente histórico. Somos levados a conhecer um povo basicamente alegra e festivo, onde apenas se centraliza a figura do homem e em que desde cedo os jovens são motivados a pensar em termos de lutar e defender o sangue e a honra cossaca – “nunca abaixar a cabeça para ninguém”. Os Cossacos são corajosos, gostam de farrear, dançar e cantar, mas são desregrados e não raro se embriagam de aguardente até estarem todos endividados junto aos “usurários judeus” – o que não fazia muita diferença já que num determinado momento, pela força, podiam tomar dos comerciantes judeus tudo de volta. 

Tarás Bulba é um velho cossaco e pai de dois filhos que retornam de um seminário de Kiev. Contente em revê-los depois de anos, resolve desde logo fazer um banquete com muita bebida e no outro dia já são levados a uma fortaleza militar para iniciá-los na arte da guerra. E a descrição deste velho cossaco poderia dar conta do temperamento daquele povo:

“Bulba era extremamente teimoso. Era um daqueles caracteres que podiam surgir somente no difícil século XV num canto seminômade da Europa, quando toda a primitiva Rússia do sul, abandonada por seus príncipes, estava devastada, reduzida a cinzas pelas indomáveis incursões dos saqueadores mongóis; quando o homem, depois de perder a casa e o teto, ali tornou-se intrépido; quando em meio aos restos dos incêndios, à vista de vizinhos terríveis e da ameaça constante, ele se instalou e se acostumou a olhá-los diretamente nos olhos, tendo esquecido se no mundo havia algum perigo; quando o outrora pacífico espírito eslavo cobriu-se de uma chama  guerreira e apareceram os cossacos – um vasto e desregrado proceder da natureza russa – e quando todos os caminhos marginais, vaus, margens de rios e lugares apropriados foram ocupados pelos cossacos, cuja quantidade ninguém sabia dizer.”

Havia um código de disciplina moral dentro das tropas cossacas bastante rígido. Aquele que era pego furtando algo de alguém era amarrado num poste e ao lado deixava-se um punhal de madeira. Todos que passavam eram obrigados a acertar o ladrão até matá-lo. Já os assassinos eram tratados da seguinte forma: eram enterrados vivos junto do cadáver que assassinaram.  

Certamente, deve-se entender e associar estas normas com o contexto histórico. Tem-se portanto um uma situação mais geral marcada pela fragmentação política típica ainda do período da alta Idade Média: ausência de estados nacionais centralizados e presença marcante da igreja que dentro da novela implicaria no desdobramento final de Tarás Bulba com um acordo de paz entre os ortodoxos e católicos, acordo denunciado pelo protagonista que acertadamente anteviu a esperteza dos polacos por trás da falsa composição. 

O território Ucraniano de onde deu origem os Cossacos no séc. XV primeiramente fora dominado pela Lituânia e depois pela Polônia, havendo a guerra cossaca contra os polacos como tema central da novela. Haviam ainda os tártaros e os mongóis, ou seja uma miscelânea de povos diferentes. Daí uma fonte de explicação pelo gosto pela guerra. 

O que é interessante nesta novela é que o elemento trágico referente à morte (recorrente nas guerras) assume um novo enfoque. Aos olhos de um leitor do séc. XXI pode parecer uma história trágica já que são relatadas diversas guerras com a morte das principais personagens: mas a morte na cultura cossaca assume um sentido diverso do atual, e tal fato pode ser medido quando Taras (pai) observa Óstap (filho) sendo executado após ser capturado e preso pelos polacos. Foi uma morte bela e honrosa, desde que o filho teve todos os seus ossos quebrados e não emitiu um grito de dor. O mesmo pode ser dito da morte de outros cossacos que insistentemente diziam partir com orgulho, certamente por cair lutando e não de joelhos. Ademais, a novela envolve passagens que não coadunam com a ideia de um drama trágico, mas de uma história com raízes em folclóricas, utilização de termos e expressões típicas da época (inclusive interjeições) e uma forma literária leve que resvala em algumas passagens mesmo para o humor. 

No Brasil talvez o que tenhamos de mais próximos dos cossacos seriam os nossos cangaceiros que também foram guerreiros que lutaram sem medo de morrer.    

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