Resenha Livro # 159– “O Avesso do Trabalho V. II: trabalho, precarização e saúde do trabalhador” – Org. Edvânia Lourenço, Vera Navarro, José Silva e Raquel Sant’ana
A Expressão Popular tem publicado uma série de livros dedicados ao mundo do trabalho, à conformação das relações laborais diante da reestruturação produtiva a partir dos anos 1970 e seus impactos tanto nas vidas individuais dos trabalhadores quanto em suas organizações coletivas, os sindicatos e os movimentos de luta. Trata-se afinal de uma questão-chave: para os marxistas, compreender as diversas facetas do mundo do trabalho, da sua atual configuração, de sua evolução na história e de se compreender ao máximo todos os elementos constitutivos da classe trabalhadora no Brasil é uma pré-condição indispensável para aqueles que se propõem a lutar por uma transformação social na qual a centralidade e o protagonismo político é todo ele da classe trabalhadora – o que é indiscutível dentro do marxismo-leninismo.
Neste trabalho, os autores reuniram uma série de artigos acadêmicos apresentados por ocasião de algumas edições do “Seminário de Saúde do Trabalhador de Franca”, por sinal, um dos poucos eventos no país que se debruça ao tema específico de saúde e relações do trabalho dentro de suas interfaces no direito do trabalho e sindical, na assistência social e na medicina. Este seminário foi concebido pelo “Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Calçados de Franca” e conta com a comunidade acadêmica da Unesp, USP, Ministério Público do Trabalho, secretarias de saúde do município e do estado e outros sindicatos.
Os artigos estão divididos em 4 grandes grupos. O primeiro bloco “Mudanças no Mundo do Trabalho” introduz a discussão desde um ponto de vista mais estrutural, verificando-se o aumento nos últimos 20-30 anos dos casos de adoecimento e acidentes de trabalhos observados pela introdução de novas técnicas de produção (por exemplo a robotização) em escala global que engendram uma maior intensidade das jornadas de trabalho e a polivalência das funções, aumentando o desgaste do trabalhador. Explica-se outrossim o drama psicossocial dos trabalhadores diante do aumento exponencial do desemprego nos últimos anos e do aumento do exército industrial de reserva.
Há mesmo um processo de captura da subjetividade do trabalhador que chama a ser não um empregado mas um “colaborador” da empresa o que antes de tudo denota uma intenção manipuladora que tem como função: (i) afastar ao máximo a possibilidade de participação dos trabalhadores em organizações reivindicatórias; e (ii) tornar o trabalhador um dócil capacho dos patrões, eventualmente assumindo a culpa e a responsabilidade de tarefas laborais extra-contratuais.
Paralelamente, diante das novas tecnologias que vão exigindo cada vez menos mão de obra para a execução de trabalho produtivo, com o aumento do trabalho no setor informal, de serviços e trabalho part-time, levando autores a questionar a centralidade do mundo do trabalho na contemporaneidade, muito tem-se falado a respeito da crise do mundo do trabalho.
Estas perspectiva neoliberal que busca eliminar virtualmente no plano teórico a noção de luta de classes vai ao ponto de dizer ter havido o “fim do trabalho”. Contra tal perspectiva diz corretamente Ricardo Antunes:
“Ao Contrário, portanto, das teses que propugnam o descentramento da categoria trabalho, as tendências em curso configuram-se como elementos suficientes para evidenciar as formas contemporâneas da centralidade do trabalho E, desse modo, esboçara crítica da crítica.
Ainda que esboçando uma redução quantitativa (com repercussões qualitativa) no mundo produtivo o trabalho abstrato cumpre papel decisivo na criação de valores de troca. A redução do tempo físico de trabalho no processo produtivo, bem como a relação do trabalho manual direto e a ampliação do trabalho mais intelectualizado, não negam a lei do valor, quando se considera a totalidade do trabalho , a capacidade de trabalho socialmente combinada, o trabalhador coletivo como expressão de múltiplas atividades combinadas”
A título de esclarecimento, trabalhado abstrato é o trabalho produtor de valor de troca, é o trabalho alienante em contraponto ao trabalho concreto produtor de valor de uso e não é exclusivo do modo de produção capitalista.
Já os demais capítulos irão versar especificamente sobre interfaces entre o processo do trabalho e o adoecimento, a reestruturação produtiva e a saúde do trabalhador e uma série de artigos específicos sobre a Política de Saúde do Trabalhador no Brasil.
Quanto a este último ponto, cumpre lembrar que iniciativas foram tentadas através de conferências interministeriais no sentido de criar projetos comuns de políticas de saúde do trabalho: Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério da Previdência Social. Todavia, em que pese iniciativas transsetoriais como Centros de Referência do Trabalhador (CERST) – muito criticados pelos trabalhadores sapateiros em seus depoimentos no livro, diga-se de passagem – cada órgão atua de forma desarticulada, há burocracia e pouco resultado prático.
O Ministério do Trabalho e Emprego com certeza seria o órgãos com melhores chances de enfrentamento direto junto às empresas que violam gravemente os direitos de saúde dos trabalhadores, ao lado do Ministério Público do Trabalho. E os exemplos listados no livros de violação de direito são vastos e gravíssimos, das teleoperadores de telemarketing aos cortadores de cana da região de ribeirão preto que chegam a morrer de tanto trabalhar. O atendimento não só no âmbito da saúde mas multi-disciplinar, envolvendo a assistência social e mesmo tratamento psicológico seria um segundo momento e deveria estar amparado pelo SUS que por meio da lei 8080/90 art.17 que já prevê atuação no âmbito da saúde do trabalhador.
Um último problema: a medicina do trabalho sequer é lecionada nas escolas de direito nos cursos de graduação. Os graves problemas de saúde do trabalhador não estão nos currículos didáticos do aluno de direito, realidade grave que precisa ser sanada. Iniciativas como a do Seminário de Saúde de Franca e a publicação dos artigos pela expressão popular são uma boa iniciativa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário