“A II Internacional Pelos Seus Congressos (1889 – 1914)” – Edgard Carone
Resenha Livro #160 - “A II Internacional Pelos Seus Congressos (1889 – 1914)” – Edgard Carone – EDUSP – Editora Anita Ltda.
Edgard Carone é um historiador marxista brasileiro que tem uma vasta produção historiográfica não só acerca de temas sobre História do Movimento Operário mas sobre a História Geral do Brasil, particularmente da República Velha aos anos subsequentes até meados do século XX.
Neste ensaio sobre a II Internacional, o historiador conta a história daquela experiência a partir dos seus 9 congressos, ou poderíamos diz 8 congressos e meio, já que o IX Congresso Socialista Internacional ocorrido na Suíça (1912) é antes um evento de caráter extraordinário convocado diante da iminente possibilidade da Guerra com a crise na região dos Bálcãs – que viria efetivamente a servir de estopim para a 1ª Grande Guerra Mundial em 1914.
Houve na história do movimento operário internacional três momentos/tentativas de organização dos operários em nível internacional – a perspectiva socialista tem como ponto de partida o Manifesto Comunista de Marx (1848) segundo o qual os trabalhadores de todo mundo devem se unir em sua luta contra o capitalismo que também se conforma como uma realidade internacional: “Trabalhadores de todo mundo, uni-vos”, conclui Marx no Manifesto. E ainda em vida o próprio e seu camarada Engels jogam peso na construção da I Internacional (1864 a 1872). O seu fim diz respeito em primeiro lugar às divergências e antagonismos internos, especialmente entre socialistas e anarquistas que enfraquecem a organização bem como as duras derrotas do movimento operário, em especial com a caída da Comuna de Paris em 1871.
No contexto do ressurgimento de novas organizações socialistas após o refluxo supracitado, os maiores movimentos operários organizados eram o alemão e o francês. Estes serão os principais protagonistas na criação e desenvolvimento da II Internacional, cada um com suas singularidades.
O partido alemão é um partido amplo capaz de aceitar em seus quadros alas reformistas como a de Bernstein e alas revolucionárias como a de Rosa Luxemburgo. Já na sua fundação, o partido alemão nasce sob o signo do reformismo já que é resultado de uma fusão da Associação dos Trabalhadores de Ferdinand Lassale (1869), considerado por Marx como ambicioso e oportunista. Vertentes lassalianas e reformistas (Bebel), centristas Kautsky, (ainda que considerado em certo período como um marxista ortodoxo) e revolucionárias (Liebknecht) coexistem dentro da organização da Alemanha.
Já o movimento francês, de forma análoga ao inglês, tem origens mais próximas do movimento sindical. Nas palavres de Carone:
“Na França, a evolução do movimento operário partidário está ligada à existência anterior do movimento sindical, o que não se dá na Alemanha. No período da III República (após 1870), ‘avanço sindical e avanço coletivista ou comunista são inteiramente ligados um ao outro. Eles reagem um ao outro, e não se pode delinear o movimento socialista sem evocar o movimento profissional.”
Ademais, há ainda a forte presença do Blanquismo no movimento francês, basicamente uma corrente política substitucionista e voluntarista, muito popular no contexto da Comuna de Paris.
Diante destas inúmeras frações dentro das organizações de cada movimento nacional, é previsível a pluralidade de correntes dentro dos congressos internacionais.
“A presença da Sociedade Fabiana inglesa é exemplo: eles defendem não a mudança do regime pela força ou evolutivamente, mas a implantação de uma ‘democracia industrial’ alcançada através de um socialismo administrativo. No caso dos possibilistas franceses, isto é, da tendência de Paul Brousse, o que pretendem é a “nacionalização dos diversos serviços públicos da Comuna”. Os sindicalistas ingleses ou franceses, com Allemane, tem algumas posições próximas dos possibilitas, segundo os quais, além de defenderem a ação sindical, dão a primazia à luta econômica sobre a luta política”.
Há ainda a questão dos anarquistas: em geral, estes últimos apenas admitiam a intervenção dos operários na luta econômica e descartavam por inteiro a luta política parlamentar. Também defendiam e agitavam a tese de uma Greve Geral como panaceia geral para a destituição universal da burguesia. Havia uma clara incompatibilidade entre os anarquistas e os socialistas (revolucionários e reformistas), implicando na luta e na expulsão dos anarquistas da II Internacional. No III Congresso (1893), como condição para participação, dizia o regulamento:
“São admitidos ao Congresso todos os sindicatos profissionais operários, como os partidos e associações profissionais operários, como partidos e associações socialistas que reconheçam a necessidade da organização operária e de sua participação política”.
Já dentre os documentos aprovados no congresso:
“A ação incessante para a conquista do poder político pelo Partido Socialista e a classe operária é o primeiro dos deveres, pois somente então ela será dona do poder político, esmagando privilégios de classes, expropriando a classe governante e possuidora poderá se amparar inteiramente e fundar o regime da igualdade e de solidariedade da República social”.
Um questão intrigante que surge na análise dos congressos aparece com os debates sobre a questão do militarismo e o crescente perigo de guerra internacional. No último Congresso da Internacional (1912) as intervenções dos delegados vão no sentido da Paz Mundial, da “Guerra à Guerra”, da exigência do fim dos sigilos dos tratados internacionais, do fim da espoliação colonialista e de que os trabalhadores, por meio da internacional devam impedir o conflito mundial iminente por todos os meios possíveis.
Apenas dois anos depois (1914), com o início do conflito a maior parte dos partidos da II Internacional capitula às suas respectivas burguesias nacionais em sentido contrário às palavras de ordem do IX Congresso, sendo que alguns deputados operários votam a favor dos créditos de guerra.
A chave explicativa deste complexo fenômeno envolve varáveis que vão além desta resenha, mas que, de toda forma, foi debatida por Lênin em seu “A Falência da II Internacional”. (Ver Próxima Resenha)
O que chamamos a atenção é que apenas as atas congressuais, ainda que fontes importantes que representam a resultante das discussões e ilustram as preocupações do movimento operário do período histórico, devem ser olhadas como fontes históricas e ilustram como fotografias etapas do desenvolvimento do movimento operário internacional.
Não tomemos as proposições das atas como a verdadeira linha política do movimento operário em nível mundial em sentido literal - são como dissemos fotografias. Na prática, ainda o movimento não era dirigido desde uma força externa como no período da III Internacional, sendo o período da II Internacional a fase em que as deliberações tinham uma ação muito menos vinculante sobre os partidos socialistas. Já a leitura e o estudo da história do movimento socialista, escuso dizer, é fundamental para delimitar os erros e acertos do passado e identificar no presente soluções que orientem o caminho da vitória: a emancipação dos trabalhadores.
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