segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

“O Quilombo dos Palmares” – Edison Carneiro

Resenha Livro #136 - “O Quilombo dos Palmares” – Edison Carneiro – Ed. Brasiliana Volume 302
               
           


         O Quilombo dos Palmares foi um evento histórico que marcou a história do Brasil Colonial e assombrou as classes dominantes do país no século XVII, correspondendo à forma de resistência dos negros cativos que fugiam da senzala, refugiavam-se nas densas matas da região da então comarca de Alagoas pertencente à capitania de Pernambuco e construíam verdadeiras cidades fortaleza.
Pelos relatos históricos, na verdade “o” quilombo não correspondeu a uma cidade-sede, mas a um conjunto de agrupamentos que deveriam totalizar o incrível número de 20 000 almas, tendo durado quase todo o século XVII,  resistindo a pelo menos 17-24 entradas (expedições militares) das quais duas foram holandesas: lembramos que nos anos de 1580 e 1640 houve a União Ibérica, a união política entre Portugal e Espanha resultando nas invasões holandesas nos territórios coloniais portugueses, em especial na capitania de Pernambuco.
Neste momento de fragilidade militar da coroa portuguesa, observou-se um recrudescimento das fugas de escravos com correspondente aumento e fortalecimento do Quilombo dos Palmares. O que poucos sabem é que quando os holandeses cá estiveram, os próprios também moveram duas expedições militares com o objetivo de destruir Palmares. As entradas resultaram em algumas escaramuças mas os ex- escravos conseguiram bater em retirada. Destas entradas ficou para história um documento histórico precioso que está no anexo deste livro de Edison Carneiro:  o diário de viagem do capitão holandês João Blaer aos Palmares datado de 1645.   
Edison Carneiro é historiador baiano e seu “Quilombo dos Palmares” tem grande relevo histórico pelo seu pioneirismo. Publicado em 1946, foi o primeiro estudo histórico específico sobre o Quilombo dos Palmares, sendo um dado curioso o fato do livro ter sido publicado primeiro no México desde que o autor também se colocava como intelectual engajado na luta contra o Estado Novo de Getúlio Vargas. Só em 1947, com o apoio de Caio Prado Jr., o livro seria publicado no Brasil pela editora Brasiliense.
Uma das dificuldades do historiador que busca reconstruir Palmares é a falta de fontes históricas que não fossem aquelas “oficiais”, ou seja, os documentos dos expedicionários, os editais das entradas, os diários de viagem dos bandeirantes, ou seja, as fontes que expressam o ponto de vista dos “vencedores”, e não dos “vencidos”. Toda a reconstrução de como eram os quilombos, sua divisão social, os usos e costumes dos quilombolas de alguma forma ficam prejudicados. Mas ainda assim muitas informações são seguras e o livro desmistifica algumas informações falsas e que até hoje são repercutidas sobre o quilombo.
Uma delas é a de que havia uma espécie de “república” ou regime democrático dentro dos Quilombos. Seria difícil imaginar como ideias republicanas dos pensadores iluministas franceses como Voltaire e Diderot poderiam estar disseminadas por meio daquelas matas fechadas dentre os quilombolas.... Na verdade, diz Edison Carneiro, “(os quilombos) reconhecem-se todos obedientes a um que se chama o Ganga-Zumba, que quer dizer Senhor Grande; a este têm por seu rei e senhor todos os mais, assim naturais dos Palmares como vindos de fora; tem palácio, casas da sua família, é assistido de guardas e oficiais que costumam ter as casas reais. É tratado com todos os respeitos de rei e com todas as honras de senhor. Os que chegam a sua presença põem os joelhos no chão e batem as palmas das mãos  em sinal de reconhecimento e prostração de sua excelência; falam-lhe por Majestade, obedecem-lhe por admiração”.
Havia um sistema parecido com uma monarquia com uma família real: Zumbi dos Palmares foi sobrinho de Ganga Zumba. Zumbi costuma ser lembrado e mais reivindicado como exemplo de lutador desde que ao contrário do tio, que foi capturado e capitulou, Zumbi e seus homens permaneceram foragidos, recusaram-se a capitular, resistiram e lutaram até a morte.
No primeiro quartel do séc. XVII as entradas foram feitas a partir de expedições com homens da região. Em geral os brancos contavam com a ajuda de índios que conheciam melhor a densa mata fechada, coberta de rios, lama, espinhos, despenhadeiros. A alimentação da tropa era a base de farinha e peixe, e quando faltavam, comiam raízes de plantas, sempre orientados pelos aborígenes. Eram tantas as dificuldades que era muito comum a fuga de soldados.
Estas primeiras expedições não lograram resultados sendo posteriormente as autoridades forçadas a recorrer à experiência dos bandeirantes, os “Paulistas”. Destes, certamente destacava-se a figura bárbara de Fernão Carrilho e seus homens. A brutalidade dos paulistas era não só temida pelos negros foragidos mas pelos moradores da região que temiam a presença dos mesmo após a queda de Palmares. Na verdade, o que estava em jogo com a destruição do Quilombo era também a socialização de riqueza e terras: tanto dos muitos negros capturados quanto das férteis terras palmarinas que realmente foram distribuídas tanto entre os expedicionários, quanto entre a Coroa e a Igreja.  
Pela sua magnitude e por sua duração (quase 100 anos), o Quilombo dos Palmares representa a primeira grande manifestação de resistência e luta contra as classes dominantes em território Brasileiro – nas palavras de Edison Carneiro, “o movimento de fuga era, em si mesmo, uma negação da sociedade oficial, que oprimia os negros escravos, eliminando sua língua, a sua religião, os seus estilos de vida. O quilombo, por sua vez, era uma reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos”. Portanto torna-se necessário guardar esta história como parte do patrimônio das lutas sociais brasileiras.  


Fernão Carrilho - Expedicionário Paulista 

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