“O Quilombo dos Palmares” – Edison Carneiro
Resenha Livro #136 - “O Quilombo dos Palmares” – Edison Carneiro
– Ed. Brasiliana Volume 302
O
Quilombo dos Palmares foi um evento histórico que marcou a história do Brasil
Colonial e assombrou as classes dominantes do país no século XVII, correspondendo
à forma de resistência dos negros cativos que fugiam da senzala, refugiavam-se
nas densas matas da região da então comarca de Alagoas pertencente à capitania
de Pernambuco e construíam verdadeiras cidades fortaleza.
Pelos relatos históricos, na
verdade “o” quilombo não correspondeu a uma cidade-sede, mas a um conjunto de
agrupamentos que deveriam totalizar o incrível número de 20 000 almas, tendo
durado quase todo o século XVII,
resistindo a pelo menos 17-24 entradas (expedições militares) das quais
duas foram holandesas: lembramos que nos anos de 1580 e 1640 houve a União
Ibérica, a união política entre Portugal e Espanha resultando nas invasões
holandesas nos territórios coloniais portugueses, em especial na capitania de
Pernambuco.
Neste momento de fragilidade
militar da coroa portuguesa, observou-se um recrudescimento das fugas de
escravos com correspondente aumento e fortalecimento do Quilombo dos Palmares. O
que poucos sabem é que quando os holandeses cá estiveram, os próprios também
moveram duas expedições militares com o objetivo de destruir Palmares. As
entradas resultaram em algumas escaramuças mas os ex- escravos conseguiram
bater em retirada. Destas entradas ficou para história um documento histórico
precioso que está no anexo deste livro de Edison Carneiro: o diário de viagem do capitão holandês João
Blaer aos Palmares datado de 1645.
Edison Carneiro é historiador
baiano e seu “Quilombo dos Palmares” tem grande relevo histórico pelo seu pioneirismo.
Publicado em 1946, foi o primeiro estudo histórico específico sobre o Quilombo
dos Palmares, sendo um dado curioso o fato do livro ter sido publicado primeiro
no México desde que o autor também se colocava como intelectual engajado na
luta contra o Estado Novo de Getúlio Vargas. Só em 1947, com o apoio de Caio
Prado Jr., o livro seria publicado no Brasil pela editora Brasiliense.
Uma das dificuldades do
historiador que busca reconstruir Palmares é a falta de fontes históricas que
não fossem aquelas “oficiais”, ou seja, os documentos dos expedicionários, os
editais das entradas, os diários de viagem dos bandeirantes, ou seja, as fontes
que expressam o ponto de vista dos “vencedores”, e não dos “vencidos”. Toda a
reconstrução de como eram os quilombos, sua divisão social, os usos e costumes
dos quilombolas de alguma forma ficam prejudicados. Mas ainda assim muitas
informações são seguras e o livro desmistifica algumas informações falsas e que
até hoje são repercutidas sobre o quilombo.
Uma delas é a de que havia uma
espécie de “república” ou regime democrático dentro dos Quilombos. Seria
difícil imaginar como ideias republicanas dos pensadores iluministas franceses
como Voltaire e Diderot poderiam estar disseminadas por meio daquelas matas
fechadas dentre os quilombolas.... Na verdade, diz Edison Carneiro, “(os quilombos) reconhecem-se todos
obedientes a um que se chama o Ganga-Zumba, que quer dizer Senhor Grande; a
este têm por seu rei e senhor todos os mais, assim naturais dos Palmares como
vindos de fora; tem palácio, casas da sua família, é assistido de guardas e
oficiais que costumam ter as casas reais. É tratado com todos os respeitos de
rei e com todas as honras de senhor. Os que chegam a sua presença põem os
joelhos no chão e batem as palmas das mãos
em sinal de reconhecimento e prostração de sua excelência; falam-lhe
por Majestade, obedecem-lhe por admiração”.
Havia um sistema parecido com uma
monarquia com uma família real: Zumbi dos Palmares foi sobrinho de Ganga Zumba.
Zumbi costuma ser lembrado e mais reivindicado como exemplo de lutador desde
que ao contrário do tio, que foi capturado e capitulou, Zumbi e seus homens
permaneceram foragidos, recusaram-se a capitular, resistiram e lutaram até a
morte.
No primeiro quartel do séc. XVII
as entradas foram feitas a partir de expedições com homens da região. Em geral
os brancos contavam com a ajuda de índios que conheciam melhor a densa mata
fechada, coberta de rios, lama, espinhos, despenhadeiros. A alimentação da
tropa era a base de farinha e peixe, e quando faltavam, comiam raízes de
plantas, sempre orientados pelos aborígenes. Eram tantas as dificuldades que era muito
comum a fuga de soldados.
Estas primeiras expedições não
lograram resultados sendo posteriormente as autoridades forçadas a recorrer à
experiência dos bandeirantes, os “Paulistas”. Destes, certamente destacava-se a
figura bárbara de Fernão Carrilho e seus homens. A brutalidade dos paulistas
era não só temida pelos negros foragidos mas pelos moradores da região que
temiam a presença dos mesmo após a queda de Palmares. Na verdade, o que estava
em jogo com a destruição do Quilombo era também a socialização de riqueza e
terras: tanto dos muitos negros capturados quanto das férteis terras palmarinas
que realmente foram distribuídas tanto entre os expedicionários, quanto entre a
Coroa e a Igreja.
Pela sua magnitude e por sua
duração (quase 100 anos), o Quilombo dos Palmares representa a primeira grande
manifestação de resistência e luta contra as classes dominantes em território
Brasileiro – nas palavras de Edison Carneiro, “o movimento de fuga era, em si mesmo, uma negação da sociedade
oficial, que oprimia os negros escravos, eliminando sua língua, a sua religião,
os seus estilos de vida. O quilombo, por sua vez, era uma reafirmação da
cultura e do estilo de vida africanos”. Portanto torna-se necessário
guardar esta história como parte do patrimônio das lutas sociais brasileiras.
Fernão Carrilho - Expedicionário Paulista
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