sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

“Menino de Engenho” – José Lins do Rego

“Menino de Engenho” – José Lins do Rego

Resenha Livro #138 - “Menino de Engenho” – José Lins do Rego – Ed. José Olympio



O escritor paraibano José Lins do Rego teve a sorte distinta da maior parte dos escritores brasileiros. Não só foi reconhecido em vida como teve o seu devido talento já noticiado desde o seu romance de estreia, “Menino de Engenho”, publicado em 1932.

Este romance desponta junto com “O Quinze” de Rachel de Queirós e “A Bagaceira” de José  Américo de Almeida como os principais representantes do chamado romance regionalista e mais especificamente do “ciclo nordestino” dos anos de 1930.

Trata-se aqui da segunda etapa do Modernismo inaugurado com a Semana da Arte de 1922 e que tinha como precursores, na literatura, autores como Mário de Andrade e Oswaldo de Andrade.

O Movimento Modernista pavimentou um caminho para a construção de uma arte propriamente nacional – até então a produção artística brasileira sempre tinha como denominador comum a importação dos modelos europeus, destacadamente do francês, desde o realismo, o naturalismo, o parnasianismo, o simbolismo.  A vanguarda modernista vinha a romper com esta lógica buscando criar não só temas, mas formas poéticas especificamente nacionais – e a obra "Macunaíma" de Mário de Andrade, uma história fantástica de um índio, “herói de nossa gente”, cujo vivência na cidade e no mato expressa  a todo momento e por todos os meios as especificidades brasileiras, seria um belo ponto de partida.

A 2ª fase do Modernismo tem como contexto histórico a era Vargas e seu autoritarismo ensejando obras de crítica social. Neste contexto, o regionalismo abordaria de perto o problema dos despojados da terra, sendo estes temas de escritores como Jorge Amado (em seus primeiros livros) e Amado Fontes. Os romances abordaram outros temas como a seca e a migração, sendo de se lembrar uma das mais destacadas obras do autor alagoano Graciliano Ramos, “Vidas Secas”.  

As obras do “ciclo nordestino”, do qual “Menino do Engenho” é um belíssimo exemplar são uma decorrência lógica daquele ponto de partida do modernismo de 22: aqui não se trata da nacionalidade, ou do todo, mas do regional, do particular, e a história refere-se à vida cotidiana no Engenho de Santa Rosa: tem-se que o engenho já vive um momento de decadência, não em função de algum problema específico, mas decorrente do esgotamento de uma era histórica, a transição entre o Brasil dos coronéis e a modernização da qual a Revolução de 1930 significa um primeiro marco.

Tem-se ainda todos os elementos do velho coronelismo: o velho coronel José Paulino comanda o Engenho, dita as normas de direito e resolve os conflitos, impõe o trabalho aos cabras (que se dá através de relações aparentemente "feudais", com os posseiros laborando para o coronel e em parte plantando em suas pequenas glebas) e ditando a política do cabresto.  Mas o que há de mais interessante em Menino de Engenho é que todo este panorama rico de experiências e histórias é relatado pelos olhos de um Menino, do Menino de Engenho.  

A maestria de José Lins do Rego consiste em saber traduzir em palavras a  forma como se dá a  percepção de mundo da criança.  Sua linguagem é simples e a todo momento o leitor depara-se com passagens profundas: é o homem adulto que consegue fielmente traduzir o sentimento da criança. Daí se extrai uma bela poesia.

E nesta narrativa entram não só as duras condições de vida dos trabalhadores – a crítica social – mas toda sensibilidade que envolve a relação de descoberta do menino com o mundo. A descoberta com a sexualidade que na verdade, no Engenho, se praticava junto aos animais sempre às escondidas e, posteriormente, confirmando o que já afirmava Gilberto Freire em “Casa Grande e Senzala”, por volta dos 12 anos, junto às negras – ex escravas que se deixavam ficar no engenho – e que iniciavam os meninos no amor sexual nem sempre às escondidas. A descoberta do sentimento amoroso, no caso envolvendo uma prima e a sensação de perda quando a mesma retornava para a cidade grande (Recife). A festa de casamento, todo o preparativo da noiva, a matança de bois e carneiros para uma festa que perdurava mais de um dia, quando o engenho recepcionava gente de todas as bandas.

Em 130 páginas o leitor faz uma viagem a um mundo colonial em desagregação que ainda resiste sob a liderança do velho coronel José Paulino – que previam que quando morresse levaria consigo a ruína do Engenho de Santa Rosa.   

Todo brasileiro com interesse em conhecer e entender o nosso passado colonial deve conhecer algo sobre aqueles escritores modernistas do “ciclo nordestino”, como José Lins do Rego, Graciliano Ramos ou Rachel de Queirós. Mesmo porque, conforme nos mostra Caio Prado Júnior, o sentido da nossa colonização – nossa vocação de servir e conformar nossa economia periférica aos centros do mundo – perpassa o Brasil moderno, ainda é vigente.

Diz o Menino do Engenho sobre si.

“Era um menino triste. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam. Metia-me com os moleques por toda parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava para pensar comigo mesmo, e solitário andava por debaixo das árvores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros.

O meu esporte favorito concorria para estes isolamento melancólico”.  

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