sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

“As Razões da Independência” – Nelson Werneck Sodré

“As Razões da Independência” – Nelson Werneck Sodré 


Resenha Livro # - “As Razões da Independência” – Nelson Werneck Sodré – Ed. Civilização Brasileira 

O historiador e militar Nelson Werneck Sodré (1911-1999) tem uma vasta produção historiográfica acerca da História do Brasil, tema que se relacionou com a sua trajetória de vida, como militar com atuação no Clube Militar (onde desde a Revista do Clube Militar, fez campanha pela nacionalização do Petróleo); e como Oficial de Artilharia do Exército em que em 1961 foi promovido à Coronel.

Sodré também atuou no importante ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros - que correspondia a um centro de difusão de ideias nacionalistas e desenvolvimentistas em meados do séc. XX no Brasil, fazendo uma espécie de contraponto ao pensamento entreguista pró-imperialista da Escola Superior de Guerra.  Chefiou o Departamento de História daquela instituição. 

Com o golpe militar de 1964, a ditadura cassou os direitos políticos daquele militar identificado com o pensamento crítico, nacionalista e anti-imperialista. 

Recusando-se a deixar o país, dedicou-se a escrever livros. E assim, Werneck Sodré dissertou desde antes e depois do golpe, sobre a História da Literatura Brasileira (1940) , a História da Imprensa Brasileira (1967) , a História da Burguesia Brasileira (1967), além de livros de teoria da história que revelam seu pressuposto metodológico marxista: Fundamentos do Materialismo Histórico (1968) e Fundamentos do Materialismo Dialético (idem). 

Estes são alguns exemplos de uma produção historiográfica bastante abrangente, como já dito, tendo como foco a História do Brasil, desde o ponto de vista de um marxista, qual seja, buscando explicar os processos e as estruturas econômicas que engendram os fenômenos políticos e fugindo de um modelo de história baseado nos “Grandes Eventos” que surgem deslocados de suas raízes econômico-sociais. Talvez por ser um marxista e por cometer algumas imprecisões – como a de qualificar o passado colonial brasileiro como “feudal” – Nelson Werneck Sodré é aparentemente um autor “datado” para muitos historiadores da universidade e, injustamente, seus livros não são mais publicados pelas editoras, com exceção da Ed. Expressão Popular que recentemente publicou seu livro sobre a história dos militares.

“Razões da Independência” é uma obra singular e preciosa a todos aqueles que desejam entender todo o processo de transformação por que passa o Brasil antes, durante e após a sua independência política. O livro é dividido em 4 grandes ensaios, cada um independente de si: são 4 chaves explicativas através das quais o leitor, servindo-se da leitura global, poderá desenhar um panorama geral daquelas transformações: seu sentido estrutural diz respeito à evolução histórica do capitalismo que, com a revolução industrial na Inglaterra – financiada com o ouro brasileiro – passará de sua fase comercial à sua fase industrial propriamente dita. O ponto de partida do processo histórico da independência do Brasil é a inversão das potências que dominam a colônia, de Portugal à Inglaterra. 

E assim, o primeiro ensaio é todo ele dedicado ao Tratado de Methuen.

Assinado em 17.12.1703, o tratado de Methuen é um acordo comercial entre Portugal e Espanha obrigando o primeiro a consumir os tecidos ingleses e o segundo o vinho português. Ocorre que a demanda portuguesa por tecidos era muito maior do que a demanda inglesa pelos vinhos: ademais, o tratado resultou na retração da produção agrícola portuguesa e o seu não desenvolvimento industrial, voltando-se toda ela para o vinho. Esta dupla situação gerou um quadro de endividamento dos portugueses junto aos credores ingleses – exaurindo as riquezas do ouro do Brasil junto aos cofres ingleses - desde que os primeiros dependiam em especial das manufaturas inglesas importadas.  

Outras foram os benefícios para a Inglaterra com a assinatura do tratado: a navegação britânica, a que coube, quase privativamente, pela cláusula de navegação de 1654 e pelo Ato de Navegação de 1651, o transporte das mercadorias do centro produtor ao centro consumidor; os capitais britânicos investidos na produção do vinho português e os fornecimentos britânicos de gêneros alimentícios, particularmente o bacalhau e o trigo, visto como abandonavam os lavradores lusos as culturas alimentícias e a pesca, para se dedicarem à vinicultura. 

Em suma, o Tratado de Methuen veio coroar um processo que já vinha sendo consolidado anteriormente de domínio da Inglaterra sobre a economia portuguesa – uma situação que chegaria aos limites do trágico-cômico com a fuga da família real portuguesa em 1808 escoltada por navios ingleses, aceitando não só as recomendações diplomáticas bem como as condições impostas pelos ingleses, no contexto das Guerras Napoleônicas. Há de se lembrar que a Inglaterra se interessava pela independência das colônias americanas com o objetivo de abrir novos mercados à sua indústria nascente: 

“O fundamental residia no contraste entre uma economia em pleno e ascensional desenvolvimento capitalista e outra que havia permanecido nas primeiras etapas desse desenvolvimento. A subordinação da segunda à primeira era, portanto, inevitável. No quadro desta subordinação, situava-se, como peça, o Tratado de Methuen. Não acarretava o retardo econômico do país subordinado, inclusive o de sua indústria. Sancionava aquele retardo e aquela subordinação. Era parte do amplo quadro em que elas se vinham processando – amplo quadro da Revolução Industrial, etapa de consolidação do capitalismo no ocidente”. 

Os demais ensaios que servirão como quebra cabeça para montar ao final o quadro da independência são: “O Vice Reinado do Rio da Prata – Domínio Inglês no Prata”; “Os Tratados de 1810 – Domínio Inglês no Brasil”; e “Regência – Domínio do Latifúndio no Brasil”. 

No que se refere à importância da região fronteiriça da Cisplatina, destaca-se em primeiro lugar a confluência dos rios – eminência alargada com a descoberta da navegação a vapor – e a circulação de mercadorias, do Brasil, do Vice Reino do Peru e posteriormente de Buenos Aires. O choque de interesses instala-se por um lado pela livre navegação dos rios e por outro pelo controle e tributação da circulação e tais choques só seriam levados à termo em meados do séc. XIX com a Guerra do Paraguai – ao término do qual, em benefício do imperialismo inglês. Por outro lado, destes mesmos choques já se observa a fragmentação de nações inteiras no processo de independência da América Espanhola, fato que a distingue do Brasil. 

Nesta mesma linha vão os tratados assinados em 19.02 de 1810 por D. João VI, in verbis:

“(O tratado) era um modelo de perfeição quanto às concessões, pois concedia tudo, suavizando por vezes as concessões com o mito da reciprocidade. Renovava a garantia de apoio da Inglaterra aos direitos da Casa de Bragança ao trono luso; fixava continuidade aos direitos de comércio livre para a Inglaterra, mesmo no caso de retorno da Corte a Portugal; estabelecia prazo de quinze anos para revisão e renovação do próprio tratado; reservava à Grã-Bretanha o direito de excluir os súditos e navios lusos do comércio com as suas colônias; dava aos súditos de ambas as nações direitos recíprocos de nação mais favorecida quanto ao comércio e à navegação; reduzia o volume de taxas postais e direitos de ancoragem para os navios ingleses nos portos portugueses, da metrópole e das colônias; (...)confirmava o privilégio de funcionamento do Juiz Conservador (Juiz competente para partes envolvendo ingleses). P. 152  

O último ensaio trata do que poderíamos chamar de assimilação política das mudanças engendradas pela nova etapa do capitalismo em sua fase industrial diante da independência formal brasileira. O que se observa é que não se tratou de uma acomodação pacífica, havendo por todo país uma série de levantes que, se por um lado era do ponto de vista das ideias, confusos e contraditórios, na prática, seguiram uma orientação de radicalidade política, confrontando abertamente os poderes centrais. 

Dois daqueles movimentos adquiram um caráter popular: a Cabanagem no Pará e a Balaiada no Maranhão. 

Após a abdicação de D. Pedro I, seria durante a regência que se observaria o re-alinhamento do estado, antes com uma ofensiva de setores liberais para depois concluir o processo político com os conservadores no poder já com o golpe da Maioridade. Nos dois momentos políticos o estado sempre foi essencialmente instrumento da classe senhorial (proprietários de terra e de escravos). E assim conclui Werneck Sodré:

“Foi por isso mesmo uma fase conturbada, denunciando o país a extrema fragilidade de sua estrutura. Coincidiu com a grande crise que tivera início com a decadência da mineração e que só se encerraria com o surto do café. Foi só este surto, realmente, que permitiu as condições materiais em que a centralização política se realizou, liquidada a esquerda liberal que, desde os primórdios da autonomia, pretendera dar outro destino ao país”.  

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