“Contos Fluminenses” – Machado de Assis
Resenha Livro #140 – “Contos Fluminenses” – Machado de Assis – Ed. LPM Pocket
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839 na cidade do Rio de Janeiro: pobre, quase sem educação formal, mulato e gago, conseguiu a proeza de obter instrução para em vida ser reconhecido como grande expoente literário, fato concretizado em 1896 quando se torna presidente-fundador da Academia Brasileira de Letras.
O autor nasceu no Morro do Livramento, subúrbio carioca, era neto de escravos alforriados, filho de pintor e mãe lavadeira. Inicia sua intervenção intelectual desde baixo, como funcionário da Tipografia Nacional onde entraria em contato com os intelectuais da época. Seria a partir de 1861, aos 20 anos, que passaria a publicar os seus primeiros escritos.
Sabe-se que Machado de Assis tem produção em todos os gêneros literários: poesia, teatro, romances, contos, crônicas. Destes, não se projetou nos versos e nos textos cênicos, mas escreveu textos de alto relevo artístico no romance e nos seus contos.
Dentre a poesia destacamos “Crisálidas” (1864) e “Falenas” (1870); dentre os Romances os mais conhecidos são “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), “Dom Casmurro “(1889) e “Quincas Borbas” (1891), e muitos outros; dentre os contos destacamos além dos “Contos Fluminenses” (1870) e “Várias Histórias” (1996); e no teatro “Queda que as mulheres têm para os tolos” (1861) e “Desencantos” (1861)
A crítica costuma dividir a obra de Machado de Assis em duas grandes fases. O ponto de referência que separa a fase madura da fase romântica de Machado de Assis dá-se com a publicação de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), que de outra forma significa um marco na história da literatura nacional, correspondendo à introdução do realismo literário plenamente livre de qualquer resquício romântico na literatura brasileira e mesmo já introduzindo inovações formais fazendo daquela uma verdadeira obra de vanguarda.
“Contos Fluminenses” é de 1870, correspondendo à primeira fase literária de Machado de Assis. Diz respeito ao contexto literário do romantismo, e mais especificamente à terceira geração do romantismo. Tinha como contexto a emergência de ideias forças como o abolicionismo, o republicanismo, o positivismo e na verdade se tratava de uma espécie de transição entre o romantismo e o realismo: a geração condoreira (ave Condor, que voa alto, pois deseja mudanças sociais) passa a se voltar menos para o subjetivismo e mais para a descrição da realidade social, menos idealismo e mais objetividade quando da descrição das relações do amor, em especial, ganhando espaço a questão do erotismo e dos impulsos e desejos sexuais.
Não há em Machado de Assis como em Castro Alves e outros autores daquela geração uma orientação proselitista/ufanista. O que os aproxima daquela geração é antes o seu foco e sua atenção nas relações sociais da cidade e os tipos burgueses e pequeno-burgueses, bem como a descrição psicológica já anunciada em seus contos que se antecedem (ainda que de forma superficial) ao romance realista que virá no futuro, plenamente arranjado para destituir de ilusões o amor burguês idealizado pela escola romântica.
Há algo de arbitrário naquela divisão entre o Machado de Assis maduro e romântico desde que em alguns lances dos “Contos Fluminenses” é possível observar algumas sacadas que marcariam o romancista adulto.
O expediente de dialogar diretamente com o leitor, que é uma técnica sintomaticamente machadiana e que poucos escritores conseguem reproduzir, já aparece no conto “Miss Dollar”, por ex:
“Algum leitor grave achará pueril esta circunstância dos olhos verdes e esta controvérsia sobre a qualidade provável deles. Provará com isso que tem pouca prática no mundo. Os almanaques pitorescos citam até a saciedade mil excentricidade e senões dos grandes varões que a humanidade admira, já por instruídos nas letras, já por valentes nas armas; e nem por isso deixamos de admirar esses mesmos varões. Não queira o leitor abrir uma exceção só para encaixar nela o nosso doutor. Aceitemo-lo com os seus ridículos; quem os não tem? O ridículo é uma espécie de lastro da alma quando ela entra no mar da vida; algumas fazem toda a navegação sem outra espécie de carregamento”.
Aqui observamos todas as características machadianas em sua plenitude: a descrição psicológica, a técnica do diálogo com os leitores, a ironia mordaz, as tiradas filosóficas. Isto num conto escrito 11 anos antes de seu Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Na opinião deste leitor, o melhor conto dos 7 reunidos em “Contos Fluminenses” é “Luís Soares”. O conto narra a história de um singelo personagem oportunista, sempre dado a viver como Calígula, sem laborar e usufruindo de uma riqueza herdada que um dia chega ao fim. Deseja então reaproximar-se de seu Tio com interesses meramente pecuniários. O enredo com suas idas e vindas e o triste destino de Luís Soares – que dão certamente ao Conto um tom um tanto moralista – expressam as características românticas do texto. Mas o seu ponto alto corresponde à forma literária, superior ao comum: e já observamos que o gênio Machado de Assis, mesmo em sua “imaturidade” literária, já fazia arte muito acima da média.
Veja sua descrição de Luís Soares:
“Graças a uma boa fortuna que lhe deixara o pai, Soares podia gozar a vida que levava, esquivando-se a todo gênero de trabalho e entregue somente aos institutos da sua natureza e aos caprichos do seu coração. Coração é talvez demais. Era duvidoso que Soares o tivesse. Ele mesmo o dizia. Quando alguma dama lhe pedia que ele a amasse Soares respondia
- Minha rica pequena, eu nasci com a grande vantagem de não ter coisa nenhuma dentro do peito nem dentro da cabeça. Isso que chamam juízo e sentimentos são para mim verdadeiros mistérios. Não os compreendo porque os não sinto.”
Machado de Assis escreveu cerca de 200 contos. São pequenos retratos de cenas do Brasil do Segundo Império, mas que interessam muito mais do que excelentes fontes históricas, mas como base de reflexão atual sobre amor, traição, casamento, família e outros diversos temas tratados pelo autor.
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