“Da Guerrilha ao Socialismo: a
Revolução Cubana” – Florestan Fernandes
Resenha Livro # 139 - “Da Guerrilha ao
Socialismo: a Revolução Cubana” – Florestan Fernandes – Ed. Expressão Popular
Uma
das características das análises do prof. e sociólogo marxista Florestan
Fernandes é a alta densidade teórica de seus textos, um olhar acurado e
profundo desde o ponto de vista da história e das relações sociais dos objetos
de estudos, o que exige permanente atenção do leitor. O que é curioso é
observar a alta capacidade do intelectual combinada com sua humildade e
generosidade como pessoa - este último um dado de sua biografia.
Diz a “Nota Explicativa” deste
livro de Florestan Fernandes sobre a Revolução Cubana que o material surgiu a
partir de sugestão de editar anotações feitas para curso ministrado na pós
graduação da PUC-SP em 1979 e posteriormente aos alunos da FFLCH-USP por meio do
seu Centro Acadêmico:
“Depois de ouvir diversos tipos de razões e de convencer-me, mas ainda
muito relutante, pedi a Antônio Candido de Mello e Souza, Heloisa Rodrigues
Fernandes e Atsuko Haga que fizessem uma leitura das anotações e considerassem
se seria realmente oportuno dar lume a um trabalho que fora projetado para fim
restrito (introduzir os estudantes ao estudo da revolução cubana). A opiniões
foram favoráveis à publicação e acatei-as”.
E assim saiu ganhando leitores
que hoje a partir de edição da Expressão Popular têm acesso a uma história da
revolução bem como uma descrição de sua evolução político-social entre os anos
de 1960-70 privilegiada: como socialista e marxista, Florestan não incorre em
qualquer ilusão de neutralidade desde
seu ponto de vista e encara seu trabalho como um sociólogo mas também como um
apoiador da revolução (o que não significa deixar de indicar as dificuldades
políticas da construção do poder popular, os riscos de burocratização,
posicionar-se contra a ideia da reprodução do modelo de guerrilhas desde os
demais países latino-americanos como defendido por Che, e em certa medida por Carlos Marighella, etc).
É preciso esclarecer bem este
ponto. Florestan Fernandes em primeiro lugar tem como objeto de estudo Cuba, um
caso específico de país colonial cuja luta por libertação e emancipação, dada
as suas especificidades, foi resultar em última instância numa luta anticapitalista
e socialista – de onde vem a especificidade de Cuba? Como ignorar uma país que
impõe um novo padrão de desenvolvimento histórico para todo um continente? O que
representa aquela revolução diante das experiências de emancipação meramente
formal e de continuidade da relação de dependência econômica (revolução “dentro
da ordem”) que marcam os demais países latino-americanos? Apenas estas
perguntas em si já atrairiam o olhar e a preocupação do sociólogo.
Todavia, e aqui ressalta-se a
honestidade intelectual do pesquisador marxista, Florestan é um defensor da Revolução
Cubana e sua produção é uma contribuição intelectual para a construção do
socialismo naquele país, refletindo vivamente sobre o passado colonial, a
economia e a sociedade sob o socialismo e o problema do estado revolucionário e
do poder popular. Cada um dos tópicos sempre buscando desvendar criticamente as
informações disponíveis e apresentando perspectivas para o futuro. Não existe
neutralidade possível quando se trata da seleção de fatos, da forma como se
descreve eventos e evidentemente quando se extrai conclusões sociológicas. O
pressuposto teórico metodológico marxista tem como ponto de chegada o
pressuposto político socialista em Florestan: ele é um aliado da revolução.
As especificidades de Cuba
Talvez os capítulos mais
interessantes para o leitor brasileiro, especialmente diante da ausência de
fontes históricas disponíveis, referem-se ao passado colonial e neocolonial de
Cuba.
Colonial diz respeito à dominação
espanhola que perdura até meados do séc. XIX quando a partir de 1868 com a
Guerra de 10 anos observa-se o primeiro movimento de libertação nacional. Ainda
que não lograsse o êxito, lançaria as bases para a efetiva Guerra de
Independência de 1895.
Cuba durante a maior parte do período
colonial correspondia a uma base militar sem grandes ocupações econômicas.
Devido à sua posição estratégica, os espanhóis ocupavam a ilha e de lá buscavam
ouro e diamantes e viviam da agricultura e pecuária. Seria após o levante dos
escravos do Haiti (1791-1804), com a interdição da produção de açúcar naquela
colônia que os Espanhóis a partir do início do XIX iniciariam uma efetiva
promoção da colonização da ilha cubana.
Os dois principais produtos de
exportação de Cuba seriam a Cana de Açúcar – produzidas nos engenhos sob a
forma dos latifúndios e o Tabaco, já com a constituição diferente, produzido em
unidades de produção menores e em maior proximidade com os centros urbanos.
A partir do séc. XIX muda-se
radicalmente a composição social da ilha com larga introdução do trabalho
escravo. E paulatinamente o capital norte-americano iria operar na indústria do
açúcar até efetuar o completo domínio desta economia, complementando o domínio
por via indireta da vida política cubana – colonização indireta após a Guerra
de Independência Hispano-Americana (1895-1898).
Esta colonização tardia dentre
outros traria especificidades que seriam como elementos detonadores da
revolução:
“Primeiro, Cuba é o único país na América Latina no qual a
descolonização foi apreendida como realidade total e no qual a prática política
se organizou para extinguir todos os fatores, efeitos e resíduos do
colonialismo e do neocolonialismo. Os revolucionários cubanos – com Fidel
Castro à frente – fizeram uma crítica implacável da dominação colonial e da
dominação neocolonial, embora observando a máxima de José Martí de conter a
explicação da denúncia e de não precipitar os embates decisivos. A crítica foi
feita com igual profundidade com relação aos fatores daquela dominação que
organizava a partir de dentro e a partir de fora da sociedade cubana” (P. 33)
Ressalta-se que a partir de
dentro havia uma elite política extremamente subserviente aos EUA que tinha
como ponto de apoio a economia do açúcar – e portanto a dependência e
vulnerabilidade econômica criaram na realidade uma situação em que Cuba era
cinicamente administrada indiretamente de acordo com os interesses dos EUA.
A Emenda Platt seria o elemento
jurídico que mais simbolizava aquela subserviência e transformava na prática
Cuba num protetorado norte-americano. Firmada após a Guerra De Independência
(1895-98), a norma jurídica consagrada na constituição cubana estabelecia que
os EUA poderiam intervir naquele país
a qualquer momento em que interesses recíprocos de ambos os países fossem
ameaçados. A situação seria agravada com a denominada política do “Big
Stick” (Grande Porrete) nos primeiros anos do Séc. XX segundo a qual a América deveria
ser área de influência exclusiva dos americanos – leia-se de dominação
imperialista norte-americana.
Para além do Florestan historiador do
passado colonial Cubano – e aqui há uma chave explicativa decisiva para
entender a especificidade daquela experiência história mesmo para entender
porque da sua não repetição em outros países da América Latina – as aulas do
professor trataram de temas relacionados às relações sociais e políticas na
Ilha. Temas como a participação dos trabalhadores na vida política, a forma como se dava as tomadas da decisão,
organogramas da estrutura de poder, formas de eleição para o PCC e dirigentes
sindicais, e sondagens de opinião sobre a nova vida sob o socialismo são
relatadas a partir de fontes secundárias.
Concordamos em suma com Florestan
Fernandes quando fala a respeito do fascínio de seu objeto de estudo:
“O
fascínio do estudo de Cuba está em que ela desmente todos os dogmatismos
possíveis, tanto os “especificamente científicos” quanto os “puramente
socialistas”. O dogmatismo, é certo, não passa de uma simplificação, feita em
nome do pensamento sobre a “essência”, a “verdade”, o “modo de ser” da
realidade pensada. Feito em termos científicos, o dogmatismo desloca a crítica
das teorias em favor da verdade absoluta; feito em termos socialistas, ele
desloca a crítica dos fatos em favor da única escolha possível. Ora, nenhum
cientista social e nenhum socialista revolucionário poderia prever, ante
eventu, a revolução cubana. Precisamos evocar isso em nosso ponto de partida
para não caminharmos do recente para trás, como se a clareza que possuímos
sobre muitos acontecimentos e processos históricos fosse dada de antemão e não
construída ex post facto. Havia uma razão ideológica e política que iluminou a
visão prospectiva de alguns revolucionários e ela se mostrou sob muitos
aspectos correta. Ainda assim, só um homem, Fidel Castro, chegou ao fundo dessa
razão e hoje são evidentes as aproximações e as incertezas que impregnaram suas
lutas políticas. Diante de algo tão grande e valioso como essa revolução,
recomenda-se, pois, que se evitem as simplificações, para apanhá-la o mais possível
em seu fluir, em sua totalidade e em sua beleza intrínseca.”
Esse livro eu tenho.
ResponderExcluirGênio.
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