quarta-feira, 26 de novembro de 2014

“Teoria da Organização Política V. II” – Ademar Bogo (org.)

“Teoria da Organização Política V. II” – Ademar Bogo (org.)
Resenha Livro #135 - “Teoria da Organização Política V. II” – Ademar Bogo (org.) – Ed. Expressão Popular




                
Este segundo volume de textos tem como matéria o problema da organização política dos movimentos revolucionários ao longo do século XX perpassando experiências revolucionárias em praticamente todo o globo. 

Neste segundo volume, foram dados destaques a escritos de ativistas e intelectuais marxistas que intervieram especificamente em contextos da periferia do sistema capitalista, sendo recorrentes os temas da luta anti-imperialista e o problema da relação entre o proletariado e as respectivas burguesias nacionais. 

Assim, temos aqui textos de J. C. Mariátegui (Peru), Gramsci (Itália), Luiz Carlos Prestes (Brasil), Che (Argentino, mas com atuação principal na Revolução Cubana), Marighella (Brasil), Álvaro Cunhal (Portugal), Agostinho Neto (Angola) e Florestan Fernandes (Brasil).  

Dentre os autores supracitados, destacaremos aqueles menos conhecidos ou comentados dentre o público Brasileiro.  

É o caso de José Carlos Mariátegui que tem como obra traduzida em português “Sete Ensaios de Interpretação Sobre a Realidade Peruana” e mais recentemente uma coletânea de artigos sobre a Revolução Russa (decorrente de uma viagem do jornalista peruano à Itália), ambos também publicados pela Ed. Expressão Popular.  

Mariátegui é um caso raro de ativista e intelectual latino-americano que soube se apropriar de uma forma singular do marxismo e aplicá-lo efetivamente como um método de interpretação da realidade, sabendo adequá-lo às especificidades da realidade nacional e latino-americana, identificando de forma pioneira a importância do elemento indígena dentro do contexto da luta revolucionária no Peru e sinalizando, igualmente de forma pioneira, as diferenças entre a situação de países da América do Sul e os países asiáticos em que as classes médias e a burguesia nacional teriam mais chances de fazer bloco político com os de baixo do que com os de cima – ora no Peru e demais sociedades da América Latina, observa Mariátegui criticando a linha Aprista que recomendava uma política semelhante ao koummitang chinês – o elemento de classe média, desde a tradição colonial, passando por elementos econômicos, políticos e culturais, desprezava os debaixo e buscava sempre ascender junto aos de cima.  

É interessante que mais à frente no texto de Carlos Marighella denominado “A Crise Brasileira”, este mesmo assunto é retomado a título de auto crítica pelos comunistas brasileiros. No caso, a “Crise Brasileira” foi escrita alguns anos após o Golpe de 1964 e tem como escopo justamente identificar as razões pelas quais a esquerda saiu derrotada naquele evento. São inúmeros os motivos elencados por Marighella: falta de trabalho de base junto ao movimento camponês, confiança no dispositivo militar do estado burguês, confiança nos acordos de cúpula sem correspondente disseminação de agitação e propaganda nas massas (especialmente para além das empresas estatais). Mas outro ponto tocado por Marighella e já prenunciado por José Carlos Mariátegui em 1929 (!) é justamente as incompatibilidades políticas entre burguesia nacional e proletariado e as demais forças revolucionárias em países como Brasil e Peru.  

No caso brasileiro, as esquerdas cometeram o erro de deixar o movimento de massa ser hegemonizado e dirigido pela fração da burguesia nacional liderada por João Goulart desconsiderando que, apesar da retórica nacionalista, ela tende à vacilação e à capitulação: e de fato, foi o que houve em 1º de Abril, qual seja, um golpe de estado sem qualquer reação, a não ser uma tentativa frustrada de greve geral.   Diz Marighella, “A grande falha desse caminho era a crença na capacidade de direção da burguesia, a dependência da liderança proletária e política efetuada pelo governo de então. A liderança da burguesia nacional é sempre débil e vacilante. Ela é destinada a entrar em colapso e a capitular sempre que do confronto com os inimigos da nação surja a possibilidade do poder ao controle direto ou imediato das massas”.  

“Continua sendo exato que a aliança com a burguesia nacional é uma necessidade na conjuntura histórica brasileira. Seja como for, porém, torna-se imprescindível travar a batalha pela conquista da hegemonia, sem o que o futuro do movimento de massas estará comprometido”.

Outro autor eventualmente desconhecido do leitor brasileiro é Antônio Agostinho Neto. Nascido em Luanda (Angola) em 1922, filho de pastor de igreja protestante e mãe professora, veio de família muito humilde: seu país, uma colônia portuguesa desde 1482. Decidido a cursar Medicina, conseguiu reunir recursos e matriculou-se na Faculdade de Medicina de Coimbra se tornando médico em 1958.

Em Lisboa inicia sua atividade política sendo eleito representante da Juventude das Colônias Portuguesas, o que lhe valeu a prisão quando participava de ato público. Em 1959, Agostinho Neto retorna a Luanda e integra o Movimento Popular para a Libertação da Angola (MPLA), fundado em 10 de Dezembro de 1956. A repressão na colônia era intensa e 6 meses depois de sua chegada já foi preso.

O MPLA persistiu com uma atuação importante organizando assaltos em prisões para libertar presos políticos e representando a luta pela libertação da Angola, contando com apoio da União Soviética e de Cuba. Seria apenas com a Revolução dos Cravos em Portugal em 1974 que o panorama político mudaria de forma favorável às colônias Portuguesas: em menos de um ano, em 11 de Novembro de 1975, após 14 anos de luta contra o colonialismo, Agostinho Neto, já então reconhecido dirigente do MPLA, instituiu a República Popular de Angola, da qual foi aclamado presidente.

O texto selecionado pela Expressão Popular é na verdade um discurso sem muitas referências quanto à data e local onde foi pronunciado. Seu título: “Quem é o Inimigo? Qual é o nosso objetivo”.  

A linguagem é simples, objetiva e um pouco diferente dos demais textos por não referir-se aos conceitos marxistas: a verdade é que os movimentos de libertação nacional da África e Ásia do pós-guerra, ainda que muitos apoiados pela União Soviética, passaram para a história com a denominação de países “não alinhados”, considerando o contexto de bipolarização da Guerra Fria. O próprio Agostinho faz menção ao não alinhamento bem como à crise do campo socialista que àquela altura encontrava, no campo das relações internacionais, importantes fricções internas.  

De toda a forma, mesmo não havendo um alinhamento formal, do ponto de vista material, coincidem os pontos de vista da luta anti-colonialista na África com as lutas anti-imperialista na América Latina (Mariátegui, Che, Prestes, etc) e Ásia (Ho-Chi Mih).  

O objetivo do texto é listar quem é o inimigo e ainda que o autor identifique a presença do racismo como elemento estrutural do colonialismo, o que está por detrás dele é...o imperialismo e este é identificado como o inimigo principal. Nesse sentido, dá um salto de qualidade em sua análise, identificando como irmãos os povos oprimidos tanto de Angola, quanto de Portugal.  

Por outro lado, quando responde a pergunta “o que queremos?”, Agostinho fala sobre socialismo e luta contra o capitalismo.   

“E no fundo, o que é que nós queremos? Não penso que a luta de libertação se dirija no sentido da inversão dos sistemas de opressão de modo que o senhor de hoje seja o escravo de amanhã. Pensar assim, será querer caminhar contra o sentido da história. As atitudes de vingança social não são as que poderão trazer aquilo que desejamos, ou seja, a liberdade do homem. É que as lutas de libertação, desejo sublinha-lo de novo, não se destinam só a corrigir violentamente as relações entre os homens e especialmente as relações de produção, dentro do país – elas constituem um fator importante para a transformação positiva de todo o nosso continente e do mundo inteiro. A luta de libertação nacional é também um meio de quebrar todo um sistema injusto existente no mundo”.

Buscar os pontos em comum e eventuais diferenças de perspectiva dos autores dentre as ricas experiências revolucionárias vivenciadas por todo globo ao longo do século XX é o que de mais positivo se pode extrair deste volume de textos organizados pela Ed. Expressão Popular. 

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