Resenha Livro #132 “Helena” – Machado de Assis – Ed. Ática
Helena corresponde ao terceiro romance publicado por Machado de Assis figurando dentre as obras reconhecidas como parte do conjunto de sua primeira fase como escritor.
Como se sabe, a crítica literária é praticamente consensual em dividir o conjunto da obra de Machado de Assis (romances e contos) em dois grandes períodos: a primeira fase de juventude em que a sua prosa tende à escola romântica, ou mais especificamente, à terceira fase do romantismo, a qual delinearemos a seguir, e a segunda fase, que tem como ruptura o marco inovador de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, inaugurando a fase propriamente realista do autor.
Tal divisão, na verdade, tem algo de arbitrário desde que os romances da fase romântica de Machado de Assis podem ser considerados na verdade como obras em que o processo que o configurariam como a mais perspicaz escritor realista quanto à capacidade de análise crítica dos costumes da sociedade fluminense do segundo reinado bem como de uma profunda análise psicológica, jamais vista até então na literatura brasileira, estas qualidades das obras maduras já se vislumbram de forma embrionária nos romances da 1ª fase.
Em “Helena” (1876), o leitor entra em contato efetivamente com a realidade de uma família que se vê abalada pelo desenlace de uma série de fatalidades que tem como ponto de partida a morte do Conselheiro Vale e o seu testamento reconhecendo e indicando uma filha até então desconhecida pelos seus familiares, que deveria a partir de então ser agregada à família como se fosse legítima irmã do filho Estácio e da irmã do Conselheiro, D. Úrsula.
A história de “Helena” remete tipicamente ao que hoje seriam as novelas da televisão mas que antigamente eram os romances escritos nos jornais e lidos igualmente pelo público feminino. Com a diferença de que já em “Helena”, ainda que não se vislumbra ora as sacadas filosóficas e todos os arranjos experimentais de um romance revolucionário que foi“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, nem tão pouco se constata ainda os traços da escola realista, como uma aguda e profunda análise psicológica dos personagens, o esforço em desmascarar os “interesses” que estão por de trás das relações sociais – aqui, sendo um romance ainda com os pés dentro do romantismo, o amor ainda é reconhecido como elemento legítimo e não como um interesse associado a questões de ordem pecuniária, por ex.
O Romantismo no Brasil pode ser dividido em três fases – a primeira fase nacionalista da qual José de Alencar e seu“O Guarani” são uma expressão comumente lembrada. A segunda fase byronista da qual Álvares de Azevedo e seu “Lyra dos Vinte Anos” costuma ser mais comentado e finalmente a terceira fase que seria propriamente uma transição entre o romantismo e o realismo, da qual “Helena” é um típico exemplo, bem como todos os demais romances da fase jovem de Machado de Assis: “Ressurreição” (1872); “A Mão e a Luva” (1874) e “Iaiá Garcia” (1878). Trata-se de um período em que o idealismo romântico vai se convertendo em objetividade e falta de envolvimento sentimental, o que já se constata de uma certa forma no estilo da narrativa de Helena, feita em terceira pessoa.
Já na terceira fase do romantismo constata-se uma representação mais fiel da realidade com um esforço de se descrever os ambientes e uma narrativa mais minuciosa e detalhista das paisagens de forma a situar o leitor de forma mais objetiva onde se dão as cenas, o que mais uma vez remete à ideia de objetividade, em contraponto ao subjetivismo romântico.
Importante contextualizar que do ponto de vista histórico a escola realista e depois o naturalismo de fins do séc. XIX estão articulados com uma série de ideias em voga na Europa relacionadas ao determinismo social – segundo o qual o homem é fruto e depende de maneira incondicional de seu meio, para além de teorias racistas que justificariam a intervenção imperialista tardia dos estados europeus em África e Ásia – darwinismo social, determinismo, conceito de direito penal do autor a partir de Lombroso, positivismo. Era um tempo em que se podia falar em “apogeu da razão”, havendo por toda a parte defensores da ideia de que através da ciência, do conhecimento e da razão fosse possível promover o progresso sem qualquer impeditivos.
Do ponto de vista literário a terceira fase do romantismo, sua transição para o realismo correspondendo à era de expansão do capital em nível mundial. Dava conta de um momento de otimismo da burguesia que expressava a sua visão social de mundo em seus romances desde aqueles gêneros literários.
Machado de Assis que curiosamente foi neto de escravos, vendedor de doces e, numa rara exceção para o Brasil do 2º Império, ascendeu socialmente em vida, tornou-se reconhecido como grande escritor e foi fundador da Academia Brasileira de Letras. Apresenta na sua literatura documentos valiosos acerca da visão social de mundo da burguesia social nascente do Brasil. Mais do que o mero prazer de se desfrutar a arte, sua literatura é importante para se realmente conhecer e entrar em contato com fontes históricas preciosas, particularmente quanto à historia citadina fluminense do II Império.
Nenhum comentário:
Postar um comentário