Resenha Livro # 134– “O
Crime do Padre Amaro” – Eça De Queirós - Ed. Ática
Antecedentes
Eça de Queirós é
provavelmente o mais importante escritor português do séc. XIX. Foi fundador da
escola realista/naturalista naquele país justamente a partir do romance “O
Crime do Padre Amaro”, obra satírica que faz crítica sobre a conduta do clero,
o problema do celibato e a hipocrisia da atrasada sociedade portuguesa.
Ainda dentro da
perspectiva realista, voltada à crítica de costumes e à descrição da realidade
de forma objetiva, em contraponto ao romantismo, Eça de Queirós escreveria “O
Primo Basílio”, história de um triângulo amoroso em que a leitura daqueles
romances românticos serviria de motivo para engendrar a traição desde a figura
da leitora Luísa e os “Maias”, a última obra propriamente realista do escritor
português.
Na verdade, é
possível dividir a produção literária de Eça de Queirós em três momentos. Sua
primeira fase corresponde ao período de sua juventude quando do início de sua
jornada literária desde quando frequentava o tradicional curso de Direito em
Coimbrã. Ainda influenciado pelo romantismo, publica versos e um livro de
Contos (1902) ainda dentro dos parâmetros do romantismo, marcados pelo
subjetivismo em contraponto ao objetivismo, pela concepção da arte pela arte
(sem interesses de intervir na sociedade e transformá-la), pelo idealismo ao
contrário do realismo.
A segunda fase é
o momento realista/naturalista, inaugurado pelo “Crime do Padre Amaro” (1876),
com “O Primo Basílio” (1878) e “Os Maias” (1888), correspondente ao período
mais conhecido de Eça de Queirós.
Finalmente,
temos a terceira fase, da qual “A Ilustre Casa de Ramires” (1900) e “A Cidade e as Serras” (1901) expressam uma
espécie de conciliação de Eça com o gênero humano, uma menor dose de ironia, de
pessimismo e um maior humanismo no tratamento com as personagens – o que há de
comum entre a 2ª e a 3ª fases é a beleza na forma com que descreve as paisagens
e a forma poética que se aguça nos últimos romances, fruto de influências da
escola do simbolismo.
A juventude
de Eça – a Descoberta do Realismo
Será todavia em
Coimbrã que Eça de Queirós conhecerá os
acadêmicos Antero de Quental e Teófilo Braga. Ambos foram escritores que junto
a Eça de Queirós revolucionaram a literatura portuguesa, pondo fim à hegemonia
da escola romântica e, através das conferências, introduzindo as ideias do
realismo. Teófilo Braga se tornaria posteriormente o primeiro presidente da
República Portuguesa. Antero de Quental foi poeta realista e divulgador de ideias
socialistas em Portugal.
Vale destacar
algumas palavras sobre a vida pessoal de Eça de Queirós.
Diplomado aos 21
anos do curso de direito, Eça parte de Lisboa onde inicia uma carreira como
advogado e jornalista, sem muito sucesso. Em 1869 presta concurso para serviço
diplomático e é aprovado para nomeação no Egito. Um ano antes, exerce durante
um ano na cidade de Leiria uma função de administrador do conselho do Estado.
Leiria é uma cidade provinciana cheia de padrecos e beatas e é desde lá que Eça
redige o seu “O Crime do Padre Amaro”, o seu romance mais ácido e que mais
escandalizou as pessoas de seu tempo. E não poderia ser diferente.
Como dizíamos, desde
Coimbrã, Eça teve contato com pensadores que influenciavam os pensadores
realistas, desde o positivista Comte, até Taine, Darwin e Renan. Sua tese
central desde o romance é a inviabilidade do celibato clerical e os malefícios
sociais da hipocrisia religiosa, dos pressupostos bíblicos que vão contra a
realidade da matéria, das exigências do meio e da natureza do homem.
O Crime do Padre Amaro
A narrativa
refere-se à história de um Padre, o Padre Amaro. Criado por uma madrinha, sempre
no meio de mulheres desde pequeno, desenvolve um temperamento lânguido,
suscetível até a vida adulta às seduções femininas. Tornar-se-ia padre
independente de sua vontade, em decorrência de uma promessa. Quando nomeado pároco
para uma cidade provinciana (Leiria), Amaro desenvolve uma forte paixão por
Amélia, a mulher mais bela da cidade e daí passa a frequentar a casa da
pequena.
O amor é
correspondido e aos poucos vai se criando todo o arranjo para encontros
libidinosos, sempre sob os pretextos religiosos (ora preparar a menina para ser
freira, ora encontros dentro da casa do Ferreiro e de sua filha doente para
alfabetizá-la). Ao contrário dos romances românticos em que o amor é um fim sob
o qual qualquer meio se justifica, no romance realista, inverte-se a relação –
o amor é um pretexto ou um meio hipócrita pelo qual se evidencia a má conduta e personalidade
do padre e da mulher que resvalam no trágico-cômico.
O elemento
trágico revela-se ao final do romance, com o triste fim de Amélia, que na
verdade parece ser a única a sentir culpa daquela relação – culpa perante os
olhos de deus, o que é resultado de sua beatice e de sua criação junto à mãe também
beata, à madrinha também beata e a sociedade também beata o que em última instância à levará
(a beatice) à morte. O elemento cômico reside no Padre que deveria ser o guardião principal
da alma da pobre Amélia e se revela desde sempre uma besta egoísta que em dado
momento deseja a morte tanto da mulher quanto de sua criança grávida (pelo bem
de “deus” – qual seja, de si próprio). Nada beato o Padre Amaro.
O capítulo final
do Crime do Padre Amaro como que revela a intencionalidade geral do romance.
Uma cena no centro de Lisboa demonstra pessoas observando jornaleiros dizendo
as últimas notícias de Paris: tratava-se da repressão à Comuna de 1871, ao
levante parisiense em que operários e populares sacudiram aquela cidade, tomaram
de assalto os céus, expulsando o clero e os burgueses e auto-governando a
capital francesa por 72 dias. Após a repressão da reação, encontram-se na rua o
Padre Amaro e o Cônego Dias, a observar as ruas de Lisboa.
Eça faz de maneira irônica o leitor refletir da seguinte forma: os portugueses com a sua sociedade decadente e sua Igreja pervertida a dominar a sua sociedade sentem-se superiores aos “republicanos” e socialistas franceses, sem observar que atrasados não são os franceses mas...Portugal.
Eça faz de maneira irônica o leitor refletir da seguinte forma: os portugueses com a sua sociedade decadente e sua Igreja pervertida a dominar a sua sociedade sentem-se superiores aos “republicanos” e socialistas franceses, sem observar que atrasados não são os franceses mas...Portugal.
Esta era a linha
de raciocínio dos modernizadores conferencistas que queriam imprimir à
literatura portuguesa como Eça de Queirós, Antero de Quental e outros. E
quando, ao término do romance, o Padre encostava no busto de Camões, ficava
apenas na memória do tempo em que Portugal fora de fato uma vanguarda para o
mundo - a era das Grandes Navegações e uma sensação de nostalgia pelo passado grandioso do Império Português!
Nenhum comentário:
Postar um comentário