segunda-feira, 10 de novembro de 2014

“Caio Prado Jr. E a Nacionalização do Marxismo no Brasil” – Bernardo Ricupero

“Caio Prado Jr. E a Nacionalização do Marxismo no Brasil” – Bernardo Ricupero



Resenha Livro #133 - “Caio Prado Jr. E a Nacionalização do Marxismo no Brasil” – Bernardo Ricupero – Editora 34

Caio Prado Jr. pertence a uma pioneira geração de pensadores que voltaram seus estudos para as origens do Brasil dentro de um esforço comum de se apontar para uma identidade nacional. De forma semelhante ao que na arte ocorrera com os pioneiros da Semana da Arte Moderna de 1922 que pela primeira vez pleiteavam criar uma forma artística não importada da Europa, aquela “Geração de 1930” buscava traçar as especificidades do Brasil num contexto histórico onde estava se forjando ao Brasil a sua nacionalidade – este seria um dos sentidos de longa duração da Revolução de 1930. 

São três os grandes expoentes da “Geração de 1930”, cada um dissertando sobre o Brasil através de pressupostos teóricos distintos. Gilberto Freire e seu “Casa Grande e Senzala” partia de uma interpretação culturalista do Brasil, podendo-se afirmar que o seu ponto de vista partia desde a Casa Grande, recolhendo os traços da língua, da música popular, da culinária, dos jogos e cantigas infantis, enfim, dos elementos mais cotidianos e miúdos da vida do Brasil colonial. Sérgio Buarque de Hollanda e seu “Raízes do Brasil” já oferecia uma visão sociológica desde um ponto de vista weberiano sobre o passado colonial, consagrando algumas categorias que ficariam para a posterioridade, como a do “Homem Cordial”.

E finalmente Caio Prado Jr. com seu "Formação do Brasil Contemporâneo", um estudo sobre o Brasil colônia desde um ponto de vista marxista que irá se diferenciar por sua originalidade na aplicação daquela corrente metodológica respeitando as especificidades e as características particulares em que se deram a colonização do Brasil – o sentido da nossa colonização correspondendo a atender às exigências econômicas da metrópole colonial, o escopo da colonização sendo uma vasta empresa comercial voltada à exploração dos recursos naturais de um território virgem, tudo sempre em proveito do comércio europeu.

 “Caio Prado Jr. e a Nacionalização do Marxismo no Brasil” é uma bela pesquisa do Departamento de Ciência Política da USP de autoria de Bernardo Ricupero. Seu objeto de estudo são o texto e o contexto da produção política do autor paulista, o que remete invariavelmente para sua produção não só como acadêmico mas como militante, papel eventualmente menos conhecido de Caio Prado.

De fato, Caio Prado Jr. foi militante do PCB , ainda que nunca tenha de fato exercido um papel de liderança no partido. Seu texto de característica mais notadamente político “A Revolução Brasileira”(1966) é um grande balanço acerca das razões da derrota da esquerda no processo que culminou no golpe militar de 1964, além de reiteração de críticas a interpretações equivocadas da esquerda sobre a realidade brasileira e a questão agrária.

Aliás, seria justamente as diferenças quanto às análises da realidade e do nosso passado o ponto que colocaria o intelectual na marginalidade do partido.

“Apesar de reconhecer que ‘o regime de capitanias foi em princípio caracteristicamente feudal’, Caio Prado Jr. Nota que ‘este ensaio de feudalismo não vingou’, não deixando ‘traço algum de relevo na formação histórica do Brasil”.

“É inclusive esse questionamento do pretenso passado feudal do Brasil um dos fatores que mais contribuiu para o isolamento de Caio Prado no partido ao qual dedicou os melhores anos de sua vida: o PCB. Caio, em compensação, deu provas, assim, de independência intelectual, além de mostrar que, diferentemente da maior parte de nossos comunistas, possuía a rara capacidade de saber ir além das aparências, captando realmente o que foi a essência da Colônia brasileira” (P.150)

Esta essência diz respeito ao empreendimento comercial do qual a colônia é inteiramente dependente e que desde início se vê montado enquanto um ente do tipo comercial, diferentemente de um regime feudal que, na sua origem medieval, relaciona-se às relações de suserania e vassalagem, à relação de dependência jurídico-política pessoal perante o senhor feudal, que detém o controle jurídico, militar e mesmo espiritual de suas dependências e daqueles que para ele laboram.

As nossas capitanias hereditárias remetiam ao feudalismo mais sua origem jurídica do que na realidade cotidiana: o sentido geral da colonização permanecia sendo um empreendimento comercial a serviço da metrópole. Esta caracterização colocava Caio Prado Jr. numa posição distinta de historiadores renomados do PCB como Nelson Werneck Sodré e Leôncio Basbaum que reconheciam um passado feudal no Brasil.  

Esta é uma de outras discussões abertas “no texto” e no “contexto” da obra de Caio Prado Jr. – sendo o texto a discussão de suas próprias ideias e o contexto reflexões sobre o pensamento marxista na América Latina (de onde emergem especialmente as figuras de Caio Prado Jr. e do peruano J. C. Mariátegui) e o itinerário marxista no Brasil. No que tange o texto, tem-se em vista a preocupação do pensador paulista – bem como de muitos que o sucederam – quanto ao desenvolvimento do Brasil, qual seja, a sua conformação de Colônia em Nação.  Finalmente, a pesquisa encerra-se com uma reflexão sobre a atualidade do pensamento de Caio Prado Jr. – e aqui, infelizmente, diante da inconclusa consolidação de um projeto de desenvolvimento nacional – que seria em particular desenvolvido por Caio em sua revista Civilização Brasileira - permanece inteiramente em aberto num país onde não há reforma agrária, não há reforma urbana e persiste um nível de desigualdade social assombroso.



De um certa maneira, o sentido da colonização nos assombra desde os tempos coloniais, pois se a independência política deu ao país a autonomia formal ou diversas constituições, sua economia segue dependente e periférica dentro do sistema mundial. 

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