“Caio Prado Jr. E a Nacionalização do Marxismo no Brasil” –
Bernardo Ricupero
Resenha Livro #133 - “Caio Prado Jr. E a Nacionalização do
Marxismo no Brasil” – Bernardo Ricupero – Editora 34
Caio Prado
Jr. pertence a uma pioneira geração de pensadores que voltaram seus estudos
para as origens do Brasil dentro de um esforço comum de se apontar para uma
identidade nacional. De forma semelhante ao que na arte ocorrera com os
pioneiros da Semana da Arte Moderna de
1922 que pela primeira vez pleiteavam criar uma forma artística não
importada da Europa, aquela “Geração de
1930” buscava traçar as especificidades do Brasil num contexto histórico
onde estava se forjando ao Brasil a sua nacionalidade – este seria um dos sentidos de
longa duração da Revolução de 1930.
São três os grandes expoentes da “Geração de 1930”, cada um dissertando sobre o Brasil através de
pressupostos teóricos distintos. Gilberto Freire e seu “Casa Grande e Senzala” partia de uma interpretação culturalista do
Brasil, podendo-se afirmar que o seu ponto de vista partia desde a Casa Grande,
recolhendo os traços da língua, da música popular, da culinária, dos jogos e cantigas infantis,
enfim, dos elementos mais cotidianos e miúdos da vida do Brasil colonial.
Sérgio Buarque de Hollanda e seu “Raízes do Brasil” já oferecia uma visão
sociológica desde um ponto de vista weberiano sobre o passado colonial,
consagrando algumas categorias que ficariam para a posterioridade, como a do
“Homem Cordial”.
E finalmente Caio Prado Jr. com seu "Formação do Brasil
Contemporâneo", um estudo sobre o Brasil colônia desde um ponto de vista
marxista que irá se diferenciar por sua originalidade na aplicação daquela
corrente metodológica respeitando as especificidades e as características
particulares em que se deram a colonização do Brasil – o sentido da nossa
colonização correspondendo a atender às exigências econômicas da metrópole
colonial, o escopo da colonização sendo uma vasta empresa comercial voltada à
exploração dos recursos naturais de um território virgem, tudo sempre em
proveito do comércio europeu.
“Caio Prado Jr. e a
Nacionalização do Marxismo no Brasil” é uma bela pesquisa do Departamento de
Ciência Política da USP de autoria de Bernardo Ricupero. Seu objeto de estudo
são o texto e o contexto da produção política do autor paulista, o que remete
invariavelmente para sua produção não só como acadêmico mas como militante,
papel eventualmente menos conhecido de Caio Prado.
De fato, Caio Prado Jr. foi militante do PCB , ainda
que nunca tenha de fato exercido um papel de liderança no partido. Seu texto de
característica mais notadamente político “A
Revolução Brasileira”(1966) é um grande balanço acerca das razões da
derrota da esquerda no processo que culminou no golpe militar de 1964, além de
reiteração de críticas a interpretações equivocadas da esquerda sobre a
realidade brasileira e a questão agrária.
Aliás, seria justamente as diferenças quanto às análises da
realidade e do nosso passado o ponto que colocaria o intelectual na
marginalidade do partido.
“Apesar de reconhecer
que ‘o regime de capitanias foi em princípio caracteristicamente feudal’, Caio
Prado Jr. Nota que ‘este ensaio de feudalismo não vingou’, não deixando ‘traço
algum de relevo na formação histórica do Brasil”.
“É inclusive esse
questionamento do pretenso passado feudal do Brasil um dos fatores que mais
contribuiu para o isolamento de Caio Prado no partido ao qual dedicou os
melhores anos de sua vida: o PCB. Caio, em compensação, deu provas, assim, de
independência intelectual, além de mostrar que, diferentemente da maior parte
de nossos comunistas, possuía a rara capacidade de saber ir além das
aparências, captando realmente o que foi a essência da Colônia brasileira”
(P.150)
Esta essência diz respeito ao empreendimento comercial do
qual a colônia é inteiramente dependente e que desde início se vê montado
enquanto um ente do tipo comercial, diferentemente de um regime feudal que, na
sua origem medieval, relaciona-se às relações de suserania e vassalagem, à
relação de dependência jurídico-política pessoal perante o senhor feudal, que detém o controle
jurídico, militar e mesmo espiritual de suas dependências e daqueles que para
ele laboram.
As nossas capitanias hereditárias remetiam ao feudalismo
mais sua origem jurídica do que na realidade cotidiana: o sentido geral da colonização permanecia sendo um empreendimento
comercial a serviço da metrópole. Esta caracterização colocava Caio Prado Jr. numa
posição distinta de historiadores renomados do PCB como Nelson Werneck Sodré e
Leôncio Basbaum que reconheciam um passado feudal no Brasil.
Esta é uma de outras discussões abertas “no texto” e no “contexto”
da obra de Caio Prado Jr. – sendo o texto a discussão de suas próprias ideias e
o contexto reflexões sobre o pensamento marxista na América Latina (de onde
emergem especialmente as figuras de Caio Prado Jr. e do peruano J. C.
Mariátegui) e o itinerário marxista no Brasil. No que tange o texto, tem-se em
vista a preocupação do pensador paulista – bem como de muitos que o sucederam –
quanto ao desenvolvimento do Brasil, qual seja, a sua conformação de Colônia em
Nação. Finalmente, a pesquisa encerra-se
com uma reflexão sobre a atualidade do pensamento de Caio Prado Jr. – e aqui,
infelizmente, diante da inconclusa consolidação de um projeto de desenvolvimento
nacional – que seria em particular desenvolvido por Caio em sua revista Civilização Brasileira - permanece
inteiramente em aberto num país onde não há reforma agrária, não há reforma
urbana e persiste um nível de desigualdade social assombroso.
De um certa maneira, o sentido da colonização nos assombra
desde os tempos coloniais, pois se a independência política deu ao país a
autonomia formal ou diversas constituições, sua economia segue dependente e
periférica dentro do sistema mundial.
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